Acórdão nº 6554/2005-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelARNALDO SILVA
Data da Resolução25 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Relatório: 1. Existe litispendência entre o pedido de indemnização cível deduzido no processo penal, na acusação formulada pelo Ministério Público, após o inquérito n.º 2074/96, que correu termos nos serviços do Ministério Público, na comarca de Vila Real, contra a sociedade "A" e outros, em que o Ministério Público pede a condenação da arguida "A" a pagar ao Estado Português, representado pelo Ministério Público, a quantia de 34.064.448$00 (€ 169.912,75), acrescido de juros de mora contados da notificação para pagamento, ou, se assim se não entender, da data da notificação da acusação, proveniente das quantias entregues à arguida, em várias tranches de subsídios correspondentes a um projecto ao abrigo do Programa de Acção Florestal (PAF), e cujo não uso não foi minimamente comprovado, e o pedido formulado na execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, pelo Estado Português, representado pelo Ministério Público, contra a sociedade "A" e outros, tendo como título executivo a certidão de dívida emitida pelo Director Geral das Florestas do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas de 30-11-2001, no montante total de 73.855.365$00 (cfr. doc. 1 a fls. 213 e fls. 235 e segs.), na qual o exequente pede o pagamento global da quantia € 415.460,39 (83.292.330$00), acrescida de juros vincendos à taxa legal em vigor, até integral pagamento. Existe incerteza do título executivo, porque no pedido de indemnização cível enxertado no processo penal pede-se a condenação da aqui executada no pagamento da quantia de 34.064.448$00 (€ 169.912,75), com juros de mora contados da notificação para pagamento, ou, se assim se não entender, da data da citação e notificação da acusação e na aludida execução, pelos mesmos factos, pede-se a quantia de 34.951.297$00 (€ 174.335,89) e juros no total de 19.643.827$00), donde decorre portanto uma diferença de capital de 886.759$00. E existe incerteza da obrigação, porque são erróneos os pressupostos em que assenta a certidão exibida, pelo que não é certa a obrigação que se pretende executar. A obrigação é inexigível por caducidade, porque os juros moratórios só se venceriam após a interpelação e esta só veio a ocorrer em 23-09-2003. Pelo que são inexigíveis quaisquer juros anteriores. Por outro lado, todos os juros anteriores a 02-11-1997 prescreveram (art.º 323º, n.º 2 do Cód. Civil). A obrigação é inexigível por caducidade, porque o contrato em que assenta o pedido, apesar de se reger pelas regras de direito privado, é um contrato administrativo, por ser um contrato com objecto passível de direito administrativo (ou substitutivos ou integrativos de acto administrativo), que, não revogado em tempo oportuno, se convalidou, pelo que caducou a possibilidade de reembolso, já que isso equivaleria à revogação do acto administrativo, em relação ao qual se deixou escoar o prazo de recurso contencioso. A sociedade "A" é parte ilegítima, porque não pode ser demandada para cumprir uma alegada do Agrupamento dos Produtos Florestais do Romeu __ agrupamento que não tem personalidade jurídica e quem a tem são os seus membros, os beneficiários propriamente ditos, representado por uma pessoa (representação que não é legal) apenas por motivos de simplificação __, pelo que, a existir responsabilidade da executada, essa seria conjunta com os demais membros do agrupamento, nos termos do art.º 513º do Cód. Civil a contrario.

Com base nestes fundamentos, veio a executada "A", com sede na Calçada de Monchique, n.º 5, 4050-393 Porto, por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, deduzir embargos de executado contra o exequente Estado Português, representado pelo Ministério Público, a correr termos na 3.ª Vara Cível 1.ª Secção de Lisboa, com o n.º 170/2002, nos quais pede que: a) Seja suspensa a execução por força da litispendência do pedido cível formulado no processo crime; ou, quando assim se não entenda, que b) Seja declarada a caducidade da obrigação; c) E sempre a incerteza do quantum da obrigação de capital e juros; e/ou d) Seja julgada procedente a excepção peremptória de prescrição relativamente aos juros contáveis anteriores a 02-11-1997.

* 2. O embargado contestou, concluindo pela improcedência das excepções invocadas.

* 3. Depois do acórdão desta Relação de 13-05-2004, ter anulado o despacho saneador-sentença de 23-06-2003, que julgou parcialmente procedentes os embargos, e que absolveu a embargante do valor correspondente aos juros vencidos até 22-01-1997, com a condenação da embargante nas custas na proporção do decaimento, para que os autos prosseguissem na 1.ª instância com a averiguação dos elementos necessários em falta ao conhecimento da excepção da litispendência: a averiguação das datas em que ocorreram a citação da executada para a execução e a notificação da acusação no processo crime com o «aderente pedido» de indemnização cível, e após a junção da certidão de fls. 288 e segs. foi proferido novo despacho saneador-sentença, onde se concluiu pela improcedência de todas as excepções deduzidas, salvo a excepção da prescrição, que se concluiu ser parcialmente procedente, e, em consequência, julgou parcialmente procedentes os embargos, e que absolveu a embargante do valor correspondente aos juros vencidos até 22-01-1997, com a condenação da embargante nas custas na proporção do decaimento.

* 4. Inconformada, apelou a embargante. Nas suas alegações, em síntese nossa, conclui: 1.º Tendo, nos presentes autos, sido deliberado e a propósito de excepção de litispendência suscitada nos autos e em sede de recurso, que "nada impede que entre uma acção executiva à qual foram deduzidos embargos de executado e um pedido de indemnização civil formulado em acção penal se venha a verificar a litispendência" (sic), e que dever(iam), pois, os autos baixar ao tribunal de 1.ª instância para aí serem averiguados "os elementos em falta a fim de que, em face dos mesmos, se decidir sobre a invocada litispendência" (sic) é nula a decisão que, baixados os autos, decide que entre uma acção cível conexa com ilícito criminal, mesmo quanto a violação de "normas de protecção", e esta execução por "incumprimento de contrato de atribuição de ajudas", não podia haver nunca litispendência; 2.º Fixado o regime de direito e ordenada a ampliação da matéria de facto, para permitir a subsunção naquele, formulou-se caso julgado formal quanto àquele aspecto, que foi questão __ pressuposto por prejudicialidade e sinalagmática (apud A. Varela e Teixeira de Sousa, citados no aresto do S.T.J. de 18.02.99, in B.M.J. 484, pág. 322/3, apesar de mais restritiva, como de 09.07.98, aliás citado no voto de vencido naquele) __ atenta a regra da competência hierárquica, pelo que o tribunal conheceu de questão-pressuposto de que não podia conhecer. Violou-se, pois, o regime dos artigos 668, n.º 1 al. e), ex vi dos n.ºs 4 do artigo 712 e 730, n.º 1 do Cód. Proc. Civil; 3.º Aceite que na acção executiva é insubstituível a função atribuída à causa de pedir, elemento de determinação da obrigação exequenda, portanto do título executivo, as causas de pedir são os factos que nos títulos executivos se reflectem, e que em processo de adesão não há que apreciar e averiguar os danos causados pelo crime, mas apreciar e averiguar os danos provenientes da violação de um interesse civilmente relevante, a responsabilidade civil não nasce do delito, mas do acto antijurídico, choca com estes princípios a afirmação segundo a qual entre a lesão decorrente da violação de "normas de protecção", relativas a um "contrato de atribuição de ajudas" não há nunca litispendência; 4.º Sendo as normas invocadas para legitimar a existência do crédito e suficiência do título são "normas de protecção", uma das previsões "delituais básicas", há que averiguar "se o prejuízo se repercute na situação patrimonial global de uma pessoa ... pois é apenas ressarcível em caso de norma de protecção"; 5.º Sendo nas normas invocadas como suporte legal "normas de protecção", então a indemnização só pode ser pedida em sede criminal, atenta a regra do art.º 71º do Cód. Proc. Penal, pelo que existe incompetência em razão da matéria, o que gera incompetência absoluta e, consequentemente impõe a absolvição da instância. O douto raciocínio levaria a duas nefastas e antijurídicas conclusões: a) ter o Estado dois títulos para o mesmo ressarcimento, no caso de condenação; b) ter o Estado dois títulos diferentes quanto ao objecto material, se no processo crime ficasse absolvida parte da matéria que integra a causa de pedir na execução em curso; 6.º Quando no despacho saneador-sentença diz que "o embargante teria que impugnar os factos que fundamentam tal decisão (a decisão de devolução do subsídio), oferecendo uma visão diferente (...). Não há alegação de factos concretos", se a embargante alega que os factos alegados pela exequente não são suficientes para ultrapassar o juízo de dúvida sobre os mesmos factos, então a dívida levada à certidão não é "certa", e no despacho saneador-sentença faz-se uma errada interpretação do conceito de "impugnação de direito" prevista no art.º 487º, n.º 2 1.ª parte do Cód. Proc. Civil; 7.º Não se considerando superadas e estáveis das deficiências que o requerimento executivo apresenta, há erro de interpretação dos art.ºs 801º; 810º; 510º; 811º-A, n.º 1 al. c) do Cód. Proc. Civil; 8.º Os embargos de executado são um meio para colocar em crise a "aparência de direito" que decorre da natureza certificativa do título, e estando-se perante a alegação de factos impeditivos ou modificativos ou extintivos, como decorre do art.º 813º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, é admissível a impugnação por documento. Afirmar o contrário é fazer errada interpretação dos art.ºs 371º e/ou 376º e 346º, todos do Cód. Civil, e ainda dos art.ºs 490º; 817º, n.º 3(?); 820º (?) e 811º, n.º 1 al. c) (?) 1.ª parte, estes do...

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