Acórdão nº 41/05.1IDCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. – Relatório.

    No processo supra epigrafado, foi deduzida, pelo Ministério Público, acusação – cfr. fls. 84 a 86 –, contra: “MG…”, com sede na Zona Industrial do Baião, em Góis, FJ...

    , casado, empresário, residente na Avenida …, Góis, e AD..., casado, maquinista, e residente na Suiça e em Portugal em Góis, imputando-lhes a prática, à primeira, como autora material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 7º, n.º 1, e 105º, nºs. 1, 2 e 4, da Lei nº. 15/2001, de 5/06, por referência ao disposto nos artºs. 1, 2, 3, 8, 98, 99 e 101, do CIRS, e no artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal; e aos, segundo e terceiro arguidos, como autores materiais e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº., 105.º, nºs. 1, 2 e 4, da Lei nº. 15/2001, de 5/06, e 30º, n.º 2, do Código Penal.” A final, após produção de prova apresentada pelo arguido FJ... –cfr. fls. 135 e 136 – foi decidido: “(…) julgar procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência: Condenar o arguido FJ..., como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art. 105, nºs. 1, 2 e 4, da Lei nº. 15/2001, de 5/6, e artº. 30, nº. 2, do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão.

    Condenar, igualmente, o arguido AD..., como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art. 105, nºs. 1, 2 e 4, da Lei nº. 15/2001, de 5/6, e artº. 30, nº. 2, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

    Suspender a execução da pena de prisão aplicada aos mesmos arguidos FJ... e AD... pelo período de 12 (doze) meses, sob a condição de pagamento ao Estado, no prazo de 12 (doze) meses, a contar do trânsito desta decisão, da quantia de imposto em dívida - € 8.563,76 (oito mil, quinhentos e sessenta e três euros e setenta e seis cêntimos).

    Condenar, ainda, a arguida “MG…”, nos termos do art. 7.º, n.ºs. 1 a 3, da Lei nº. 15/2001, de 5/6, pelo crime de abuso de confiança fiscal continuado, p. e p. pelo art. 105, nºs. 1, 2 e 4, do citado diploma legal, e artº. 30, nº. 2, do Código Penal, na pena de 25 (vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no total de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros).” Em divergência com o julgado recorre o arguido FJ..., que despede a motivação com o quadro conclusivo que a seguir queda extractado. “

    1. Foi, o ora recorrente, condenado, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob a condição de pagamento da quantia de imposto devida, pela autoria de material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelos artigo n.º 105, n.º 1, 2 e 4 da Lei n.º 15/2001, de 5/6, e artigo 30 n.º 2 do código penal, por acórdão proferido em 19 de Junho de 2008.

    2. Contudo não pode o arguido concordar com a aplicação de tal pena nos termos e com os seguintes fundamentos.

      Da matéria de facto: C) Não retirou em nosso entender o Tribunal a quo, as devidas conclusões da prova produzida em sede de audiência.

    3. Com efeito, das declarações quer do arguido, quer das testemunhas VM..., JA... e AL..., resulta que o ora recorrente nunca retirou vantagem económica para si directamente ou através da empresa.

    4. Ora tanto a situação económica do ora recorrente como a da própria empresa eram há data dos factos e também posteriormente de grande fragilidade, sendo que, foram as grandes dificuldades financeiras da empresa arguida que motivaram a falta dos pagamentos devidos à administração fiscal.

    5. Atento o depoimento prestado quer pelo arguido Armando (cassete 1 lado A de 000 a 720), quer pelas testemunhas de defesa VM... (cassete 1 lado A de voltas 721 a 1050), JA... (cassete 1 lado A de voltas 1051 a 1230) e AL... (cassete 1 lado A de voltas 1231 a 1620), o tribunal a quo não deveria ter dado como provado o ponto 7) da matéria de facto dada como provada.

    6. O imposto em causa, não é um imposto que foi entregue aos arguidos, mas sim que os mesmos eram obrigados a reter no vencimento dos trabalhadores e entregar à Administração Fiscal no mês subsequente.

    7. A arguida à data dos factos encontrava-se numa situação económica muito grave, tendo dificuldade em efectuar o pagamento de ordenados aos seus trabalhadores.

    8. Assim, entendemos que o ponto 7 foi incorrectamente dado como provado.

    9. Deveria ter sido dado como provado que a actuação do ora recorrente foi motivada apenas pela situação económica da empresa arguida.

      Da matéria de direito: M) Deu o Tribunal a quo como provado, que a actuação dos dois arguidos na qualidade de sócios gerentes da arguida visou o favorecimento patrimonial desta, e ao mesmo tempo que a situação económica da arguida era frágil, tendo acabado por se declarar a sua insolvência.

    10. Ora se assim é, terá necessariamente de se concluir que os valores da prestação tributária que não foram pagos, foram utilizados pelos arguidos para fazer face às despesas da arguida, nomeadamente salários e pagamentos a fornecedores.

    11. Pelo que a conduta do ora recorrente não poderá ser considerada ilícita, visto se encontrar ao abrigo da cláusula de exclusão da ilicitude prevista no art. 34.º do C.P..

    12. De uma leitura atenta deste artigo, a única dúvida séria que pode restar quanto à sua aplicação ao ora recorrente, seria o requisito presente na alínea b) desse artigo que se refere à necessidade de haver sensível superioridade do bem que se visa proteger em face do bem sacrificado.

    13. Sensível superioridade essa que a nosso ver existe. É certo que a falta de cumprimento das obrigações fiscais acarreta prejuízos sérios para a fazenda pública e em última análise para todos os contribuintes. Encontrando-se esse prejuízo, contudo, diluído na grande massa de contribuições fiscais, e o efeito sentido pelo contribuinte individual é quase nulo.

    14. Já a falta de pagamento de salários, tem efeitos nefastos muito mais contundentes. Com efeito, para um agregado familiar, ver-se sem uma, senão exclusiva, pelo menos muito importante fonte de rendimento, acarreta problemas e sofrimentos muito sérios, infelizmente sobejamente conhecidos.

    15. Pelo exposto, não se entende como alguma doutrina tem entendido serem estes dois interesses em análise de valor igual. Quanto a nós, o sofrimento que a falta de pagamento de salários acarreta, não só para o trabalhador mas também para todo o seu agregado familiar, não tem paralelo com os prejuízos sofridos pelo estado com a falta de pagamento do imposto.

    16. Assim entendemos não ter o ora recorrente praticado qualquer acto ilícito, uma vez que a sua actuação, sacrificando um bem sensivelmente inferior para proteger um direito de terceiros se encontra ao coberto do direito de necessidade pelo que deve ser absolvido.

    17. Mesmo que assim não se entenda sempre se dirá que, V) O Tribunal a quo, retirou as devidas consequências da alteração legislativa introduzida pela Lei 53-A/2006, no artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, que introduziu um novo numero com a seguinte redacção: Artigo 105.º … 3. … 4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníreis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida da juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.

    18. Perante esta nova redacção, necessário se toma, que a administração fiscal proceda à notificação prevista da alínea a) supracitada, e que esta não seja paga.

    19. Ora esta notificação nunca foi feita ao arguido, apenas lhe foi efectuada uma notificação nos temos do n.º 6 do artigo 105 do Regime Geral das Infracções Tributárias.

      A

    20. Notificação esta que de modo algum se pode confundir com aquela a que alude a alínea b) do número 4 do referido artigo.

      AB) Contudo, estas notificações não se podem confundir visto terem enquadramentos dogmáticos, fundamentos e efeitos distintos.

      AC) A notificação efectuada ao arguido nos termos do n.º 6 do referido artigo, não constitui um pressuposto da punibilidade, nem tão pouco uma causa de exclusão da ilicitude dos factos, mas apenas uma mera causa de extinção do procedimento criminal. Já a notificação prevista na alínea b) do n.º 4 do referido artigo, é urna condição necessária para que haja procedimento criminal AD) Não restam também dúvidas, quanto à aplicabilidade da referida norma ao ora arguido à luz do artigo 2.º do Código Penal, visto esta lhe ser manifestamente favorável.

      AE) Assim, cumpre analisar os efeitos da falta da necessária notificação para o presente processo penal.

      AF) Ora a nosso ver, a alteração legislativa em análise configura uma verdadeira alteração do tipo legal de crime, acrescentando-lhe mais um elemento que necessariamente terá de se preencher para que se verifique o ilícito penal.

      AG) Neste sentido se tem manifestado alguma jurisprudência, nomeadamente o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, referente ao processo 2464/03.1 TALRA.

      AH) Entendemos assim que a alteração legislativa em análise, é uma verdadeira despenalização, nos casos em que foi omitida a referida notificação.

      AI) Mesmo que assim não se entenda, e se considere que a nova cláusula introduzida, configura apenas uma causa objectiva de punibilidade, a conclusão seria a mesma, visto esta não se verificar a data dos factos.

      AJ) Pelo que deverá ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada e o ora recorrente absolvido do crime que vem acusado.” Em munificente resposta a Exma. Senhora Procudora-Adjunta junto da comarca conclui depois de contraminar, pontualmente, os argumentos aduzidos pelo recorrente, remata com as conclusões que a seguir ficam transcritas. “1. A decisão impugnada estabeleceu a matéria de facto – que, na sua totalidade foi enumerada como provada – em conformidade com a confissão integral e sem reservas de um dos...

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