Acórdão nº 224/04.1GASPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

    No Tribunal Judicial da Comarca de São Pedro do Sul, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos: - …, divorciado, nascido em 19 de Outubro de 1977, filho de … e de …, natural da freguesia e concelho de S. Pedro do Sul, residente na instituição ‘Porto Feliz’, sita na Rua de Entreparedes, n.º 61 – 3.º A, Porto; e - …, solteira, nascida em 26 de Abril de 1981, filha de … e de …, natural da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, residente em 17 Spa – Buildins – LN2 – 5AU Lincoln – Reino Unido, acusados da prática, em autoria material e concurso real: de um crime de falsificação de documento, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts. 30.º, n.º 2, 79.º, 256.º, n.ºs 1, als. a) e b) e 3, por referência à alínea a) do art. 255.º, todos do Código Penal; e de um crime de burla, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts. 30.º, n.º 2, 79.º e 217.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

    1. Em sentença de 8 de Junho de 2007, o tribunal proferiu decisão do seguinte teor: a) Absolveu o arguido … da prática dos crimes de que vinha acusado; b) Absolveu a arguida … da prática do crime de burla, sob a forma continuada, de que vinha acusada; c) Condenou a arguida …, como autora material de um crime de falsificação de documento, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts. 30.º, n.º 2, 79.º e 256.º, n.ºs 1, al. b) e 3, todos do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de 5 euros.

    2. Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida …, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – A sentença recorrida padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na medida em que não se produziu qualquer prova que atestasse da autoria das assinaturas apostas no cheque, imputando-a à recorrente; 2.ª – Verifica-se erro notório na apreciação da prova, na medida em que o tribunal a quo, ao ter dado como provado, sem qualquer fundamento rigoroso, que a recorrente apôs a sua assinatura no verso dos cheques, tão-só por considerá-la idêntica àquelas constantes de fls. 194 a 196, apreciou arbitrariamente a prova, fazendo um juízo irrazoável e temerário.

      1. – A condenação da recorrente com base no aventado juízo de improbabilidade estatística que tivesse sido constituída uma arguida uma cidadã de nome …, cuja assinatura resulta idêntica a duas outras apostas por um eventual terceiro, que no acto de falsificação se tivesse lembrado de apor nos cheques tal nome e não outro qualquer, é violador do princípio in dubio pro reo; 4.ª – Toda a avaliação feita pelo tribunal referente à improbabilidade estatística nos termos vertidos na sentença recorrida, é manifestamente reveladora de erro notório na apreciação da prova; 5.ª – Ao ter considerado provado que a recorrente assinou o verso de ambos os cheques, mas não que tivesse preenchido a “frente” dos mesmos, condenando-a pela prática do crime de falsificação, a sentença recorrida enferma de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, pois atenta a matéria não provada, a conduta da recorrente não preenche o tipo-de-ilícito.

      2. – Por não se ter provado como é que a recorrente entrou na posse dos cheques, enferma a sentença recorrida de falta de matéria provada para a decisão, pois o mesmo pode ter-lhe sido entregue licitamente, ou de forma aparentemente lícita, por um terceiro, tendo a mesma feito desse cheque uma utilização lícita, endossando-o.

      3. – O tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo, por não considerar possível que a mesma tivesse recebido o cheque licitamente, ou de forma aparentemente lícita, fosse do próprio emissor do mesmo, fosse posteriormente, por terceiro, fazendo também ela, desse cheque, uma utilização lícita mediante endosso.

      Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis (…) deverá conceder-se integral provimento ao recurso, modificando-se a decisão recorrida, no sentido da absolvição da recorrente da prática dos factos de que foi acusada.

    3. Na resposta que apresentou, o Ministério Público manifesta-se no sentido da improcedência do recurso.

    4. Idêntica posição sufragou a Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral da República junto deste Tribunal da Relação. Notificada nos termos e para os efeitos consignados no art.º 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, a arguida não exerceu o seu direito de resposta.

      Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

  2. Fundamentação: 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

    Tendo em conta as conclusões formuladas pela recorrente, resumem-se ao seguinte quadro as questões de que cumpre conhecer: A) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; A) Erro notório na apreciação da prova; C) Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; D) Violação do princípio in dubio pro reo; E) Da verificação do crime de falsificação de documento.

    1. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): 1 – Em data não concretamente determinada, mas de todo o modo anterior a 12.7.04, a arguida e um terceiro não concretamente identificado entraram na posse, através de meio igualmente não apurado, dos cheques constantes de fls. 3 e 5 dos autos, com os números 4748822735 e 4748822733, ambos da agência de Vouzela da Caixa Geral de Depósitos, referentes à conta n.º 18046130, aberta naquela agência bancária, titulada (tal conta) pela sociedade S.T.B – Sociedade de Transportes Besteiros, L.da, pessoa colectiva n.º 503.003.425, com sede em Vouzela.

      2 – Aquele cheque com o n.º 4748822733 já se encontrava assinado por … gerente daquela sociedade.

      3 – A arguida, e o referido terceiro, munidos do cheque com o n.º 4748822735 decidiram utilizá-lo de forma a obterem, contra a respectiva entrega, combustível e dinheiro.

      4 – Com tal propósito, e na posse daquele cheque com o n.º 4748822735, a arguida e o referido terceiro, em data não concretamente apurada do mês de Julho de 2004, mas anterior ao dia 12 desse mês, fazendo-se transportar num veículo automóvel de matrícula não apurada, deslocaram-se para o posto de abastecimento de combustíveis da marca “Galp”, pertença da sociedade Estação de Serviço S. Pedro, L.da, sito na Rua Dr. José Correia de Oliveira, nesta vila de S. Pedro do Sul.

      5 – Uma vez aí a arguida e o referido terceiro solicitaram ao funcionário que ali se encontrava, …, que introduzisse uma quantidade de combustível não concretamente apurada no depósito do veículo automóvel em que se faziam transportar, o que aquele funcionário fez, colocando em tal depósito combustível em quantidade e valor não apurados.

      6 – Para pagamento daquele combustível a arguida e o dito terceiro entregaram àquele funcionário o dito cheque n.º 4748822735, em cujo verso constava, escrito pelo punho da arguida, o nome “…”.

      7 – Aquele …, porque convencido que a ordem de pagamento inserta naquele cheque era verdadeira, aceitou o mesmo como meio de pagamento e deu de troco à arguida e ao dito terceiro uma quantia não concretamente apurada, em notas do Banco Central Europeu, a qual, conjuntamente com o valor do combustível abastecido, perfazia a importância de 78 euros.

      8 – Em data posterior, mas de todo o modo anterior a 12.7.04, a arguida e o dito terceiro, encorajados por ainda se encontrarem na posse do cheque com o n.º 4748822733, e pela facilidade com que anteriormente haviam trocado aquele cheque n.º 4748822735 por combustível e dinheiro, decidiram também utilizar o dito cheque n.º 4748822733, por forma a obterem combustível e dinheiro contra a respectiva entrega.

      9 – Com tal propósito, e na posse daquele cheque com o n.º 4748822733, a arguida e o referido terceiro, em data não concretamente apurada do mês de Julho de 2004, mas anterior ao dia 12 desse mês, fazendo-se transportar num veículo automóvel de matrícula não apurada...

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