Acórdão nº 81/04.8TBIDN de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução11 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO A....e B...., residentes na Rua do Espírito Santo, n.º 31, em …., intentaram a presente acção com forma de processo ordinário contra C...., residente na Quinta das ………e D...., residente na Rua do Espírito Santo, n.º 22, 2.º, ……, pedindo a condenação dos réus a: a) reconhecerem aos autores o direito de propriedade sobre o prédio rústico identificado no artigo 1.º da petição inicial; b) reconhecerem aos autores o direito à servidão de passagem referida no artigo 7.º do mesmo articulado; c) abrirem a cancela referida no artigo 28.º da petição inicial e a nada fazerem que obste à livre passagem dos autores por aquela servidão de passagem; d) pagarem aos autores a quantia global de € 9.774,69, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a decisão final e até integral pagamento; e) pagarem aos autores os prejuízos que, eventualmente, se venham a liquidar em execução de sentença.

Para fundamentarem a sua pretensão alegam que: São donos de um prédio rústico, sendo que o acesso ao mesmo era essencialmente feito por uma servidão de passagem de carro que saía do caminho público que ligava Oledo a Proença-A-Velha, atravessava no sentido poente-nascente um prédio dos réus e entrava no prédio dos autores, junto ao seu ângulo poente-norte.

Os autores tinham ainda acesso ao seu prédio por uma outra servidão de passagem de carro, que corria no prédio dos réus ao longo da linha divisória com o prédio dos autores e do lado nascente deste, sendo que, para cultivarem e explorarem o seu prédio, há mais de 25 anos, que ao mesmo acediam pelas duas servidões referidas.

Há cerca de 17 anos o réu C....pensou em construir uma barragem para acumulação da água das chuvas, que precisava, entrando desde logo em negociações com o proprietário do terreno onde pretendia construir a barragem, o E...., com vista à sua aquisição.

A construção da barragem provocaria, necessariamente, o corte do caminho Oledo-Proença-a- Velha, pelo que a servidão supra referida tornava-se inútil, o que o E.... não queria que acontecesse, até por ser cunhado dos autores.

Por essa razão, o E.... comunicou ao réu que só aceitaria permutar o seu prédio para nele ser construída a barragem se o réu assumisse inequivocamente a obrigação de deixar os autores continuarem a utilizar livremente o caminho de carro indicado, de que, aliás, já se serviam.

O que o réu aceitou, tendo construído a barragem, cortando o caminho Oledo – Proença e fazendo com que os autores passassem a utilizar apenas a passagem referida, único acesso ao seu prédio.

Os réus colocaram à entrada do seu prédio uma cancela, que depois fecharam e lavraram o leito dessa servidão, fazendo com que os autores deixassem de poder aceder ao seu prédio, sendo que os autores haviam adquirido, por usucapião, servidão referida.

Em virtude dessa impossibilidade de acederem ao seu prédio sofreram os autores vários danos, patrimoniais e não patrimoniais, relativamente aos quais pretendem agora ser ressarcidos.

Os réus contestaram, impugnando alguns dos factos articulados na petição inicial e invocando, em síntese, que: Durante mais de 50 anos o acesso ao prédio dos autores foi feito por um caminho público que ligando as povoações de Oledo a Proença-A-Velha, atravessa vários prédios dos réus e passa a 50 metros do limite Poente-Norte do prédio denominado “Jardim”.

Desse caminho público sai a servidão de passagem referida no artigo 6.º da petição inicial, a qual onera em 50 metros o prédio dos réus, sendo que a construção da barragem, há cerca de 11 anos, em nada afectou o caminho público, no troço compreendido entre tal servidão de passagem e a estrada municipal que liga Oledo e Proença-A-Velha, além de que os réus já restauraram, à sua custa, o mencionado caminho público, na parte invadida pela barragem. Depois da construção dessa barragem o autor pediu aos réus se o deixavam passar pelo segundo acesso referido na petição inicial, ao que os réus, por mera cortesia e tolerância, acederam, nunca se tendo falado em substituição da passagem existente ou constituição de uma nova.

No entanto, “os autores ou terceiros” deslocam-se ao prédio “Jardim”, a altas horas da noite, circulando em todo o tipo de viaturas, danificando o piso, aramadas, redes e paus da sua propriedade e foram envenenados alguns dos cães dos réus, pelo que estes decidiram deixar de possibilitar a passagem por parte dos autores.

Os autores não invocaram factos caracterizadores de usucapião e, embora tenham referido um acordo, que não existiu, não alegam a existência de uma escritura pública, bem como não alegaram que o prédio dos réus é aquele que sofre menos prejuízo com eventual constituição de uma servidão.

Em reconvenção e para o caso de se entender dever constituir-se uma servidão onerando o seu prédio, pedem a condenação dos autores no pagamento de uma indemnização no valor de € 25.000,00.

Requerem, por último, a condenação dos autores como litigantes de má-fé, invocando diferentes versões dos factos apresentadas pelos autores no requerimento inicial da providência cautelar intentada e na petição inicial do presente processo.

Os autores replicaram, impugnando o valor da indemnização peticionada, reiterando que passam pela passagem referida no artigo 7.º da petição inicial há mais de 25 anos, que depois da construção da barragem, o passaram a fazer mesmo a pedido dos réus e que o caminho público mencionado pelos réus, desde tal construção, está totalmente intransitável.

Elaborou-se despacho saneador, com selecção da factualidade assente e base instrutória, objecto de reclamação, parcialmente deferida.

Procedeu-se a julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Os autores apresentaram alegações de direito.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma: “Nos termos e com os fundamentos invocados, decido julgar parcialmente procedente e provada a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, intentada por A....e B...., contra C.... e D.... e, consequência: - condeno os réus a reconhecerem aos autores o direito de propriedade sobre o prédio rústico identificado no artigo 1.º da Petição inicial; - absolvo os réus do demais peticionado.

- considero prejudicada a apreciação do pedido reconvencional formulado pelos réus.

* Custas pelos autores.

Registe e notifique”.

Inconformados, os autores recorreram, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: “1ª- O acesso à propriedade dos AA., ora recorrentes, denominada “Jardim” fez-se durante, pelo menos, 50 anos por uma servidão de passagem com 50 metros constituída sobre um prédio dos RR e que saía de um caminho público que ligava Oledo a Proença-a--Velha, 2ª Há dezassete anos os RR. pensaram em construir uma barragem, que necessariamente cortaria o caminho Oledo-Proença-a-Velha e consequentemente impediria a utilização da servidão de passagem referida na 1ª conclusão.

  1. A barragem foi efectivamente construída pelos RR. há pelo menos 11 anos, mas tal só foi possível porque estes adquiriram por permuta o prédio onde implantaram a barragem ao cunhado dos AA. e somente porque se obrigaram perante esse cunhado e perante os AA. a deixá-los passar pelo caminho objecto da presente acção.

  2. Desde há pelo menos 13 anos que os AA. utilizam exclusivamente a passagem objecto da presente acção, o qual constitui o único acesso ao “Jardim”, uma vez que o caminho Oledo-Proença-a-Velha e a anterior servidão de passagem se encontram intransitáveis em virtude da construção pelos Réus da barragem e de vedações e, bem assim, pelo crescimento das árvores.

  3. Os Réus querem que os AA deixem de utilizar a passagem objecto da presente acção e voltem a utilizar o anterior caminho e servidão de passagem, os quais conforme acima referido estão intransitáveis.

  4. Para tanto alegam que o acordo que estabeleceram é nulo por falta de forma, na medida em que a servidão de passagem objecto da presente acção só poderia ser constituída por escritura pública, o que nunca foi feito.

    7ª Os AA. entendem que, de acordo com o disposto no art. 342º do CC é ilegítimo o exercício deste direito pelos RR., uma vez que, face às circunstâncias concretas e plasmadas na matéria de facto provada, este exercício excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. (…) 9ª A servidão de passagem objecto da presente acção também se pode ter como constituída por usucapião, uma vez que se encontram provados todos os factos necessários a tal entendimento.

  5. Pois a anterior servidão de passagem existente, que saía do caminho Oledo-Proença-a-Velha, e pela qual o acesso ao " Jardim" se fez pelo menos durante 50 anos, face ao decurso do tempo, constitui-se por usucapião.

  6. O acordo entre AA. e RR. consubstancia um acordo nos termos do artigo 1568º do Código Civil, pelo que à situação sub judice tem plena aplicabilidade a jurisprudência constante do Acórdão da Relação de Coimbra de 06/05/1997:BMJ 467° - 645: "Mudado por acordo o local de uma servidão, o direito respectivo continua a ser o anteriormente adquirido por usucapião, por inalterado na sua identidade jurídica. A esse acordo de mudança não são aplicáveis as disposições dos arts. 89 ai.,9 a) do Código de Notariado e 220 do Cód. Civil, não carecendo, assim, para ser válido, de ser reduzido a escritura pública." 12ª A servidão de passagem objecto da presente acção também se pode ter como servidão legal, uma vez que o prédio dos AA. é um prédio encravado sendo o caminho nascente (o objecto da presente acção) o único, nos prédios vizinhos, que permite o acesso ao prédio dos AA.

  7. Sendo este o único acesso ao prédio, inexiste a obrigação dos AA. alegarem qualquer outro facto, na medida em que não estamos perante um caminho a construir mas perante um caminho já construído, utilizado parcialmente pelos próprios RR. e por isso sempre menos oneroso relativamente a qualquer...

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