Acórdão nº 286/12.8PBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução11 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 286/12.8 PBMTS.P1 Recurso penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 286/12.8 PBMTS, corre termos pelo 4.º Juízo de Competência Criminal da Comarca de Matosinhos, B…, melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica previsto e punível pelo art.º 152.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.

Realizada a audiência com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença, datada de 31.05.2013 (fls. 110 e segs.) e depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Nestes termos e com estes fundamentos, julgo a acusação pública TOTALMENTE PROCEDENTE e, em consequência, CONDENO o arguido B… pela prática de um crime de Violência Doméstica, p. e p. pelo art. 152.°/1 e 2 do Código Penal, na pena de TRÊS ANOS DE PRISÃO, que SUSPENDO por IGUAL PERÍODO”.

Inconformado, veio o arguido interpor recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (transcrição): 1. “O arguido foi condenado, pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.° 152° n.°s 1 e 2 do Código Penal.

  1. No nosso modesto entendimento, o arguido deveria ter sido efectivamente condenado, face aos factos dados como provados, mas por crimes diversos.

  2. Este tipo de crime visa proteger uma relação que se quer paritária, com igualdade de direitos e deveres. Estamos perante este ilícito criminal quando o agente, com a sua actuação, pretende desequilibrar essa relação - que se exige igual - e quer criar um ascendente sobre a outra parte, subjugando-a aos seus interesses, às suas necessidades, aos seus gostos e às suas vontades, ora humilhando a vítima, ora controlando a sua vida, atemorizando-a, ora impondo-lhe condutas ou castigando-a, ou então agredindo-a fisicamente, entre outras actuações.

  3. O arguido, com a sua conduta, não desequilibrou intencionalmente o relacionamento conjugal, nem quis manter ascendente sobre a ofendida.

  4. De facto, arguido e ofendida tiveram uma relação de namoro compreendida entre os anos de 2004 e 2009 e terá sido precisamente em 2009, que tiveram início as situações de conflito entre o casal.

  5. Só que a motivação-base para esse conflito decorreu de instabilidade psicológica e psíquica do arguido (facto provado).

  6. A instabilidade psíquica é um factor externo à relação do casal e que provoca um consequente desequilíbrio funcional na vivência do dia-a-dia.

  7. A relação que se quer paritária, terá deixado de o ser, mas por desequilíbrio mental do arguido, não porque este quisesse ter a iniciativa de assumir uma posição de supremacia e controlo da relação.

  8. Entre 2009 e 2011 - até à separação - o casal discutia e o arguido, por vezes, apelidava a ofendida de prostituta.

  9. Os comportamentos mais graves tiveram lugar, após a saída de casa da ofendida, até que, em poucos meses (com a primeira ida a Tribunal), cessaram completamente.

  10. O arguido nunca conseguiu ter qualquer tipo de ascendente sobre a ofendida, que soube sempre reagir aos seus comportamentos desadequados, por ter noção do seu desequilíbrio psíquico e psicológico, conforme o que relatou ao Tribunal.

  11. Pelo que, no nosso modesto entendimento, não andou bem o Tribunal, quando subsumiu estes factos ao crime de violência doméstica, violando-se o disposto no art.º 152º nº 1 b) do Código Penal, por incorrecta aplicação do direito.

  12. Por outro lado, considerou o Tribunal que o n.º 2 do art.º 152º do Código Penal constitui uma circunstância agravante do ilícito penal, tendo por base um mais intenso juízo de censura e um maior dimensionamento do circuito de perigo para a personalidade.

  13. Na realidade, a prática do crime no domicílio conjugal ou no domicílio da vítima projecta uma perversidade do agente, que desencadeia a conduta delitual e se direcciona a atingir a personalidade de terceiro no espaço de reserva e recato.

  14. Ora, consideramos não se verificar esta perversidade.

  15. Se entre 2009 e 2011, havia discussões entre o casal e alguns insultos, no domicílio conjugal, certo é que tais discussões nunca atingiram um grau de gravidade tal, para que se possa estar no domínio da perversidade de que fala a douta sentença em crise.

  16. O que o legislador pretendeu com esta agravação foi censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a acção do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas.

  17. Ora, ainda que houvesse insultos, decorrentes de discussões entre o casal, certo é que o arguido não se aproveitou do domicílio conjugal, para esses insultos, dado que as referidas discussões surgiram, de acordo com os factos provados, como consequência directa da instabilidade psicológica e psíquica do arguido.

  18. Já os três episódios, relatados também na douta sentença (factos 6 a 8, dos factos provados), esses sim com maior gravidade, tiveram lugar sempre fora do domicílio conjugal e do domicílio da vítima: o primeiro na Rua …, sem se saber exactamente onde (na rua? numa casa?); o segundo, numa habitação, sem se saber exactamente qual e, por fim, o último episódio numa casa onde a vítima prestava serviço.

  19. Pelo que se afigura evidente, a inexistência da referida agravante, com a consequente violação do disposto no n.º 2 do art.º 152° do Código Penal”.

    *Admitido o recurso (despacho a fls. 189) e notificado o Ministério Público, veio este apresentar resposta que sintetizou assim: 1. “O bem jurídico complexo protegido pela incriminação da violência doméstica (artigo 152.°, do Código Penal) abrange a saúde física, psíquica e mental, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e a honra da vítima; 2. Trata-se de um crime especifico impróprio, de perigo abstrato e de execução não vinculada, podendo os maus-tratos físicos ou psíquicos consistir nas mais variadas ações ou omissões.

  20. O elemento objetivo do tipo de violência doméstica preenche-se com a prática de qualquer ato violência que afete a saúde (física, psíquica ou emocional) da vítima, diminuindo ou afetando a sua dignidade enquanto Ser Humano. O elemento subjetivo, com qualquer modalidade de dolo.

  21. Estando provado que o arguido adotou um comportamento progressivamente agressivo e violento, mostrando-se ciumento e controlador, originando frequentes discussões entre o casal, no decurso das quais apelidava a ofendida de prostituta e a ameaçava de morte caso esta não reatasse a vida em comum, diminuindo e afetando a sua dignidade, dúvidas não restam de que o arguido preencheu todos os elementos objetivos do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal; 5. A agravação prevista no n.º 2, do mesmo artigo, justifica-se pelo reconhecimento de uma maior ilicitude quando os factos são praticados num espaço confinado, vedado a olhares alheios e por vezes aos ouvidos dos outros membros da sociedade; 6. Trata-se de uma agravação ditada por uma maior ilicitude da conduta do agente e não por um mais intenso juízo de culpa.

  22. Tendo ficado demonstrado que o arguido praticou actos integradores da noção de “maus-tratos” no domicílio comum e no domicílio da vítima, encontra-se preenchida a agravação ditada pelo n.º 2 do artigo 152.º, do Código Penal.

  23. Assim, na improcedência total do recurso, deve a douta sentença recorrida ser integralmente mantida”.

    *Já nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, secundando o entendimento da magistrada do Ministério Público na 1.ª instância, pronunciou-se pelo não provimento do recurso.

    *Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º...

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