Acórdão nº 56/09.0TELSB-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelJOÃO ABRUNHOSA
Data da Resolução10 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Tribunal Central de Instrução Criminal[i], por despacho de 12/11/2013, constante de fls. 156/163, relativamente ao Arg.

[ii] AAA, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 85), foi decidido o seguinte: “…Fls. 2288 a 2290 – Veio o arguido AAA, a douto punho, requerer que seja reconhecida e declarada a incompetência deste TCIC para a realização da requerida instrução e, bem assim, arguir a nulidade processual decorrente da aceitação da competência, nos termos e com os fundamentos constantes do seu requerimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, por mera economia processual.

Cumpre apreciar e decidir: Os presentes autos, ainda na sua fase de inquérito, foram remetidos pela primeira vez a este TCIC em 29/05/2009.

Na mesma data, não obstante os autos ainda se encontrarem numa fase embrionária, foi proferido despacho, tendo em conta que os crimes em investigação nos termos então delimitados pelo detentor da acção penal, pertenciam ao catálogo de crimes que convocam a competência deste TCIC, no sentido de se aceitar a competência deste Tribunal para praticar os actos jurisdicionais até à eventual remessa do processo para julgamento.

Pese embora, um dos requisitos para aceitação da competência do TCIC, mormente o da dispersão geográfica da actividade criminosa (transdistritalidade), se tenha mostrado apenas indiciado, também não foi possível, à altura, delimitar qual o espaço geográfico onde se desenrolava a indiciada actividade criminosa sob investigação.

Não tendo sido possível negar a competência do TCIC, tão pouco foi o momento para afirmar taxativamente a competência de outro tribunal.

Compulsados os autos e com o próprio evoluir da investigação, forçoso é verificar que os actos foram sucessivamente praticados por este TCIC, por se achar competente para os exercer, em fase de inquérito.

Com efeito, entendemos que este TCIC, foi o competente para praticar os actos jurisdicionais em fase de inquérito, por força dos princípios do juiz natural e da estabilidade processual, enquanto garantia processual do cidadão.

Essa competência verifica-se também na fase de instrução, não obstante a redefinição do objecto do processo, entretanto ocorrida.

Com efeito, em resultado da redefinição do objecto do processo, decorrente da dedução de acusação, deixou de estar em causa qualquer dos crimes previstos no artigo 47º nº1 da LOMP.

Não obstante o TCIC continua a ser competente para processar os autos como se passa a expor.

A análise desta questão subdivide-se noutras duas: A primeira que se prende com a determinação do momento em que se fixa a competência A segunda que se prende com o momento em que, em processo-crime, se considera instaurada a acção.

Relativamente à primeira questão suscitada diz o seguinte o artigo 25.º da LOFTJ, que regula a matéria das competências: “1-A competência fixa-se no momento em que a acção é proposta em Tribunal, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente.

2- São ainda irrelevantes as modificações de direito, salvo se for suprimido o órgão a que a causa está afecta ou lhe for atribuída a competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa” Dispõe ainda o artigo 26.º do mesmo diploma: “ Nenhuma causa pode ser deslocada do Tribunal competente para outro, excepto nos casos especialmente previstos na Lei” Estes princípios são efectivamente a consequência do disposto no artigo 32º da CRP, segundo a qual “nenhuma causa pode ser subtraída ao Tribunal cuja competência esteja fixada em Lei anterior” Daqui se extraem duas regras fundamentais: A competência fixa-se à data da propositura da acção; Instaurado o processo em Tribunal competente, não pode ele ser daí deslocado, subtraído ou removido, a não ser em casos especiais previstos da lei.

Resulta portanto que fixada a competência de um Tribunal para conhecer de determinado processo, essa competência não lhe pode ser retirada ainda que ocorram alterações de facto ou de direito, salvo nos casos especialmente previstos na Lei.

Com efeito, o estabelecimento destas regras relativas à competência em matéria penal tem uma finalidade essencial, que é a de permitir determinar “ex ante” o Tribunal que há-de decidir um caso penal, evitando-se o risco de manipulação da competência e especialmente, que a acusação possa escolher o tribunal que lhe parecer mais favorável, assim se respeitando o princípio do juiz natural, com dimensão constitucional na formulação do artigo 32º, nº 9, da CRP.

Resolvida a primeira questão enunciada, cumpre agora analisar a seguinte, que se prende com o momento em que deve considerar-se instaurado o processo-crime.

Com efeito, o processo tem início com a notícia do crime, ou seja no momento em que é dado conhecimento do facto criminoso ao MºPº que assim instaura inquérito, que é logo considerado processo pendente.

E quando a lei processual penal fala em processo refere-se indiferentemente a procedimento já a correr, qualquer que seja a sua fase, na medida em que todas elas são englobadas numa mesma actividade De facto, processo é a cadeia de actos teleologicamente concatenados com vista à obtenção da justiça.

E, na verdade, basta percorrer o CPP, quer na sua actual redacção quer na anterior, para se concluir que a palavra processo é utilizada no sentido de abranger qualquer das fases que engloba o procedimento concreto, vejam-se, designadamente, os artigos 24º, 51 nº1, 53 nºs1 e 2b) 58ºnº1 alínea a), 62º nº1, 65º e 68 nº1.

Assim, para a Lei, o inquérito é uma fase do processo, com a mesma dignidade da instrução, devendo, por isso, ser considerada proposta a acção para efeitos da definição da competência, quando o inquérito é instaurado.

Por conseguinte, na situação em apreço, como referimos, no momento em que foi instaurado o presente inquérito, estavam presentes os requisitos do artigo 47º da LOMP, sendo o mesmo da competência do TCIC.

Portanto, não obstante as alterações de facto entretanto ocorridas relativamente ao objecto do processo, essa competência mantém-se, como impõe o artigo 25.º da LOTJ, sob pena, isso sim, de se pôr em causa o princípio de Juiz Natural, consagrado no artigo 32 nº9 da CRP.

Em todo o caso e sem conceder, sempre se dirá mesmo que se entendesse doutro modo, ainda assim não estaríamos perante uma situação de nulidade dos actos praticados durante o inquérito pelo Exmo. Sr. Juiz do TCIC.

Com efeito, os Tribunais Judiciais, nos termos da Constituição e da Lei (artigo 202 nº1 e 2 da CRP e artigo 1º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.

No exercício da função jurisdicional cabe aos Tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

A função jurisdicional (a jurisdição), que pertence aos diferentes Tribunais previstos na Constituição e na Lei está distribuída entre os mesmos conforme regras e critérios que definem para cada Tribunal os limites ou o âmbito da sua jurisdição, isto é, a sua competência, que se reparte de acordo com a matéria, a hierarquia, o valor e o território cf. artigo 17º da LOFTJ.

Ora, tal repartição de competências, designadamente, no que diz respeito à matéria, visa também garantir uma maior eficiência e garantia dos direitos do cidadão, resultante da especificidade de cada Tribunal, assim melhor habilitado e apetrechado a dirimir o conflito respeitante à sua área de jurisdição.

Na situação concreta temos o confronto de dois Tribunais que ocupam a mesma posição na hierarquia, têm como objecto a mesma jurisdição e estão vocacionados para intervir na mesma fase processual: o inquérito e a instrução.

Consequentemente, da intervenção de um ou de outro não resultam diminuídas as garantias de qualquer dos arguidos, sendo que, também por esta razão não são postas em causa as finalidades garantisticas com que foram definidas as funções jurisdicionais de cada um deles.

Portanto, na situação em apreço, ainda que tivesse ocorrido violação das regras da competência no decurso do inquérito, no que se não concede, atendendo a que não foram postas em causa as razões que determinaram essa diferente distribuição de funções, tal...

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