Acórdão nº 366/10.4EACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL SILVA
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. Sob acusação do Ministério Público (de futuro, Mº Pº), foi sujeito a julgamento o arguido A...

, sob imputação da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de usurpação, previsto e punido (de futuro, p. e p.) pelas disposições conjugadas dos artigos 195º, n.º 1 e 197º, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, por referência aos arts. 68º, n.º 2, 176º, 178º e 184º, n.º 2 do mesmo diploma legal.

Realizada audiência de discussão e julgamento, veio o arguido a ser absolvido.

2. Inconformado, recorre o Mº Pº de tal sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES: A) Ao contrário do sustentado na douta decisão recorrida, encontra-se preenchido o elemento negativo do tipo objectivo de ilícito imputado ao arguido - usurpação, p.p. pelas disposições conjugadas dos arts. 195.º, n.º 1 e 197.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pois à data da fiscalização o arguido não detinha a necessária autorização/licença da Passmúsica para poder difundir as músicas indicadas nos pontos C) e D) da matéria de factos provada; B) Essa autorização tem de ser necessariamente prévia à difusão das músicas, pelo que o facto de o arguido ter posteriormente obtido a mencionada licença, abrangendo o período em que foi fiscalizado, nada altera quanto à consumação do crime, que se verifica com a mera utilização não autorizada de obras protegidas.

  1. Por força da fundamentação da matéria de facto que alude aos documentos de fls. 359 e 360, 361 e 362, impunha-se, a nosso ver, que no ponto I) da matéria de facto dada como provada se aditasse que a B... era titular de licença Passmúsica para os meses de Outubro a Dezembro de 2010, “desde o dia 14/12/2010”.

  2. Só assim esse ponto da matéria de facto não resultaria contraditório com o anterior ponto H), como sucede no caso dos autos.

  3. Por outro lado, o ponto 1) dos factos não provados não pode subsistir nos termos descritos, pois entra em contradição com o mencionado ponto H) dos factos provados: se o arguido solicitou a licença apenas após a fiscalização, como consta do facto provado H) (e se essa licença deve ser prévia como acima se mencionou) não se pode concluir, como não provado, que o arguido «não solicitou, como devia, a necessária autorização/licença»; F) A sentença padece, assim, nos assinalados pontos matéria de facto provada e não provada, do vício decisório contemplado no art. 410º n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal, devendo ser corrigida em conformidade.

  4. Está, pois, preenchido integralmente o tipo objectivo de ilícito, sendo que, a nosso ver, também se encontra verificado o tipo subjectivo, embora a título de negligência e não de dolo, como imputado em sede de acusação.

  5. O arguido desconhecia a obrigação de obter prévia autorização da Passmúsica, mas deveria ter diligenciado no sentido de obter todas as informações e subsequentes autorizações que lhe permitissem reiniciar a actividade em cumprimento da lei.

  6. A falta de tempo porque quis reabrir rapidamente o estabelecimento, a circunstância de ter delegado obrigações dessa natureza noutras pessoas e o facto de não ter procurado obter junto do anterior explorador da Discoteca toda a informação pertinente (cfr. Registo das declarações do arguido no sistema habilus, primeira gravação aos minutos 1:09 a 1:46 e 2:36 a 2:48 e segunda gravação aos minutos 2:23 a 3:22), demonstram que o arguido não actuou com a diligência e o cuidado que podia e devia ter e de que era capaz (facto que deveria ter sido dado como provado).

  7. Se o arguido incorreu em erro, julgando que a autorização da SPA (que detinha) era suficiente para poder difundir música na Discoteca, esse erro deve ser qualificado erro sobre as proibições, contemplado no art. 16.º do Código Penal, que exclui o dolo, mas deixa ressalvada a punibilidade da negligência, pela qual deveria ter sido condenado (e não um erro sobre a ilicitude, não censurável, previsto no art. 17.º do mesmo diploma legal, como concluiu a Mma Juiz).

  8. Com efeito o arguido actuou em estado de erro sobre o carácter ilícito do facto, imputável a uma falta de informação ou de esclarecimento e, por isso, porque censurável, integra o tipo específico da censura da negligência.

  9. Porque assim não decidiu, considerando, pelo contrário, que não estavam preenchidos todos os elementos objectivos do tipo de crime em apreço e que o arguido actuou com falta de consciência da ilicitude não censurável, incorreu a Mma Juiz em erro de julgamento, já que os factos apurados não permitiam a referida decisão de direito.

  10. Pelo exposto, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito pela decisão recorrida, decidindo como decidiu, a Mma Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei, violando o disposto nos arts. 16° e 17° do Código Penal e 195.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1, ambos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março.

Nestes termos e nos demais de Direito, que doutamente se suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple o teor das alegações expendidas e conclusões apresentadas, assim se fazendo inteira Justiça.

  1. O arguido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, e CONCLUINDO: A. Por douta sentença proferida pelo tribunal a quo, foi o arguido absolvido do crime que lhe vinha imputado - um crime de usurpação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 195.º, n.º 1 e 197.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), por referência aos arts. 68.º, n.º 2, 176.º, 178.º e 184.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.

B. O recurso interposto pelo Ministério Público, assenta na não concordância do assim decidido pela douta sentença, alegando que o elemento negativo do tipo objectivo de ilícito imputado ao arguido se encontra, de facto, preenchido, uma vez que o arguido não detinha a necessária autorização/licença da Passmúsica à data da fiscalização que fora realizada, O que faz com que a douta sentença padeça do vício decisório, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP.

C. Não assiste razão no assim alegado no recurso interposto pelo Ministério Público.

D. De acordo com as “Regras e Condições Gerais de Licenciamento e Aplicação de Tarifários” da AUDIOGEST e GDA (PassMúsica), disponível no sítio da Internet o licenciamento para o serviço PassMúsica, pode ser efectuado: ”(...) No prazo de cinco dias úteis após a visita ao estabelecimento por parte de um colaborador, devidamente identificado e credenciado, das Entidades de Gestão Colectiva de Direitos Conexos e sem prejuízo de lhe ser concedido prazo adicional para o correcto preenchimento do Pedido de Licenciamento e desde que o Utilizador seja expressamente informado do prazo concedido para tal efeito;” E. Se é certo que, de acordo com o n.º 1 do art. 195° do CDADC “Comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e vídeo grama ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.”, certo é também que essa autorização pode ser requerida e obtida mesmo após a visita da fiscalização; F. A lei (CDADC) não fala na obtenção de uma ‘autorização prévia”, como alega o Ministério Público no seu recurso, pois se assim o exigisse não abriria o pressuposto de obter tal autorização, mesmo após da fiscalização efectuada a um estabelecimento.

G. O recorrido obteve a competente licença PassMúsica para os meses Outubro, Novembro de Dezembro de 2010, tendo pago a respectiva tarifa proporcional aos meses em que o estabelecimento daquele este aberto, após ter sido efectuada a fiscalização no dia 28 de Novembro de 2010.

H. Com a concessão da licença, com o respectivo pagamento efectuado pelo recorrido, resulta vazia a imputação a este do crime p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 195.º, n.º 1 e 197.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), por referência aos arts. 68.º, n.º 2, 176.º, 178° e 184.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.

I. O que bem protegido pelo normativo vindo de referir, são as obras abrangidas pelos Direitos de Autor e com a obtenção da respectiva licença/autorização para utilização dessas obras, essa protecção acha-se concretizada.

J. Com a obtenção da licença e com a concessão implícita de autorização por parte dos autores e artista da obra, o bem protegido pelo normativo previsto no CDACD encontra-se salvaguardado.

K. Havendo licença o bem encontrando-se protegido, não existindo, portanto, consumação do crime de usurpação, uma vez que existe autorização do ‘dono’ da obra, autorização essa que pode ser obtida após fiscalização ao estabelecimento.

L. Bem andou a douta sentença em decidir pela absolvição do arguido, ora recorrido, por não se encontrar preenchido o elemento negativo do tipo objectivo de ilícito, não merecendo, por isso, qualquer censura.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o recurso interposto ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida que nenhuma censura merece.

Já neste Tribunal da Relação, o Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, mas considerando que a imputação da conduta criminosa deve ser feita a título de negligência.

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