Acórdão nº 123/08.8TACNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por despacho de 21-05-2013, a Ex.ma Juíza do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 8.°, n.° 7 do RGIT, considerar o arguido A...

solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa e das coimas a que foi condenada a sociedade arguida “B...

, Lda.” nos presentes autos e determinar que, oportunamente, se proceda à emissão de guias para pagamento.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: A. O Tribunal a quo declarou o arguido recorrente solidariamente responsável pelo pagamento das penas de multa e coima em que fora condenada a sociedade arguida B..., Lda, estribando a sua decisão na norma contida no n.° 7 do artigo 8.º do RGIT, por concluir, dos factos provados e fundamentação da sentença condenatória, que o recorrente colaborou dolosamente na prática dos factos pelos quais foi condenada a sociedade na medida em que era o seu único sócio-gerente e ter sido igualmente condenado pelos mesmos factos.

  1. Diversamente da norma contida no n.°1, do artigo 8.º do RGIT, o n.°7 do referido inciso consagra a responsabilidade solidária de quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária cometida pela pessoa colectiva, independentemente da sua própria responsabilidade quando for o caso. Assim, C. A responsabilidade solidária consagrada no artigo 8.º, n.° 7 não reveste cariz civilístico mas sim assume-se como uma clara responsabilização penal do administrador ou gerente de ente colectivo, no pagamento da multa e / ou coima em que este foi condenado, pela prática dolosa, em co-autoria, de infracção criminal tributária. Ora, D. Considera o recorrente que a decisão recorrida é ilegal, porquanto viola o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29°, n.° 5 da Constituição da República (CRP), na sua dimensão de direito subjectivo fundamental, ao acumular à pena aplicada ao arguido gerente o cumprimento solidário das penas de multa e coima aplicadas à sociedade arguida, pela prática dolosa dos mesmos factos. Com efeito, E. A decisão recorrida acaba por efectuar uma dupla valoração e dupla punição do agente pela prática dos mesmos factos, acrescendo à responsabilidade penal própria do recorrente a responsabilidade penal da sociedade arguida. Outrossim, F. Viola a decisão sob escrutínio os princípios da culpa, igualdade e proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.°, 18.° e 27.° n.° 1, todos da CRP, porquanto a culpa do recorrente não foi considerada na determinação das sanções pecuniárias aplicadas à sociedade arguida; na determinação da medida da pena, não foram consideradas as condições sócio-económicas do recorrente, quer à data da prática da infracção, quer à data da determinação da medida da pena, quer à data actual, nem quaisquer outras circunstâncias relevantes tais como a conduta anterior e posterior do recorrente, o sentido de auto-crítica demonstrado, o arrependimento, isto é, todas as circunstâncias previstas nos artigos 12.°, 13.° e 15.° do RGIT e ainda 40.°, n.°s 2 e 3, 71.° e 72.°, todos do Código Penal.

  2. Deveria o Tribunal a quo ter recusado a aplicação da norma contida rio artigo 8°, n.°7 do RGIT, por ser materialmente inconstitucional, por violadora dos princípios ne bis in idem, da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.°, 18.°, 27.°, n.° 1 e 29.°, n.° 5, todos da CRP, quando aplicável a gerente de uma pessoa colectiva que foi igualmente condenado a título pessoal pela prática da mesma infracção tributária.

  3. Qualquer interpretação da norma vertida no artigo 8.°, n.°7 do RGIT. no sentido de ser acumulável à pena individualmente aplicada ao arguido, pelo mecanismo da responsabilidade solidária, a pena de multa e / ou coima aplicadas à sociedade arguida condenada pela prática da mesma infracção tributária da qual é gerente ou administrador, é inconstitucional, porque violadora dos princípios ne bis in idem, da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.°, 18.°, 27.° e 29.°, n.° 5, todos da CRP.

  1. Normas Jurídicas Violadas: RGIT: artigos 8.º, n.° 7, 12.°, 13.° e 15.°; CP: os artigos 40.°, n.°s 2 e 3, 71.° e 72.°; CPP: o artigo 512.°; CSC: o artigo 78.°; CC: o artigo 483.°; CRP: os artigos 1.º, 13°, 18°, 27°, n.° 1 e 29°, n.° 5.

O Ministério Público na Comarca de Cantanhede respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer também no sentido de que o recurso deverá improceder.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação O despacho recorrido tem o seguinte teor: « Fls. 606 a 610 e 641 a 643: Nos presentes autos, por sentença datada de 05.07.2010 (fls. 486 a 506), já transitada em julgado, foram os arguidos " B..., Lda." e A..., condenados pela prática, nos anos de 2004 a 2006, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105.° do R.G.I.T., nas penas, a cada um, de 100 dias de multa à taxa diária, respectivamente, de €5,00 e de €3,00. Bem assim, foi a arguida " B..., Lda." condenada pela prática das contra-ordenações p.p. pelos artigos 114.° e 116.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, em cúmulo, na coima única de €5.000,00.

A sociedade arguida " B..., Lda.", não procedeu ao pagamento da pena de multa nem ao valor das coimas.

Promoveu a Digna magistrada do Ministério Público, a fls. 606 a 609, invocando o disposto no art. 8.°, n.° 1 do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias), que o arguido A... fosse declarado solidariamente responsável pela pena de multa e as coimas em que a sociedade foi condenada.

Conferido contraditório, nenhum dos arguidos tomou posição.

A fls. 641 a 643 dos autos foi junta a certidão actualizada do registo comercial da sociedade arguida.

Cumpre apreciar e decidir: Dispõe o artigo 8.° do RGIT, sob a epígrafe “Responsabilidade civil pelas multas_e coimas” nos termos que seguem e para o que nos interessa que: “1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.

(...) 7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.

8 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade (sublinhado nosso) Ora, o presente artigo versa a responsabilidade civil atinente ao pagamento da pena de multa em que uma sociedade seja condenada, como imediatamente se retira da epígrafe do mesmo. Deste modo, não está em causa qualquer mecanismo de transferência de responsabilidade penal, que sempre seria inadmissível, atento o disposto no art. 30.° n.° 3 da Constituição da República Portuguesa.

Daqui decorre naturalmente que, operando tal artigo, não será consequência de eventual não pagamento qualquer mecanismo de conversão, tendo por isso meros reflexos patrimoniais.

Esta questão reveste importância nesta fase processual, na medida em que o art. 491.° n.° 1 do Código de Processo Penal regula que, em caso de não pagamento da pena de multa findo o prazo consignado para esse efeito, proceder-se-á a execução patrimonial, o que vimos já ter ocorrido com a Sociedade Mealhadense.

Dispõe o art. 30.° n.° 3 da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Limites das penas e das medidas de segurança” que “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão.”.

Analisando o disposto no art. 8.° n.° 1 a) do RGIT, resulta, desde logo, que este artigo prevê a responsabilidade subsidiária dos gerentes das pessoas colectivas das multas que a esta tenham sido aplicadas, quando se verifique, cumulativamente, que os factos tenham sido...

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