Acórdão nº 156/11.7GARSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução22 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 156/11.7 GARSD.P1 Recurso penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 156/11.7 GARSD, corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Resende, B…, melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica previsto e punível pelo art.º 152.º, n.os 1, al. b), e 2, do Código Penal.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença datada de 05.04.2013 (fls. 232 e segs.) e depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo (já com a correcção determinada pelo despacho de fls. 248): “Em face de todo o exposto, o Tribunal julga procedente por provada a acusação pública e, em consequência: - Condena o arguido B… pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - Suspende-lhe a execução da pena de prisão, por igual período, nos termos do disposto nos artigos 50º do Código Penal.” Inconformado, veio o arguido interpor recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (transcrição integral): 1. “Não se conformando com a sentença proferida nos presentes autos, vem interposto o presente recurso, por entender o Recorrente que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto e de direito, que se impugna.

  1. Os relatos da ofendida são insuficientes para a imputação ao Recorrente do crime de que vinha acusado.

  2. Na verdade, não se faz prova bastante para se concluir pela condenação do arguido.

  3. Pelo presente recurso, pretende o Recorrente ver reapreciada a matéria de facto provada, nos seguintes termos: 5. O Facto n.º 4 – deve ser dado por parcialmente provado – isto é, deve ser dado como não provado que “começou a dirigir à ofendida, entre outras, as seguintes expressões “puta” e “vaca”, pois conjugando o depoimento da ofendida (cfr. gravação efectuada a 18-02-2013, entre as 10:41:52 e as 11:06:42, aos minutos 04:05 a 04:11 e 06:40 a 06:52), conclui-se que a ofendida de forma contida se referiu a tais nomes, sendo que na sua óptica não têm qualquer significado, logo não ficou com qualquer sequela psicológica, se é que os mesmos foram proferidos… 6. O Facto n.º 5 – deve ser dado como não provado – conjugado o depoimento da ofendida (cfr. gravação efectuada a 18-02-2013, entre as 10:41:52 e as 11:06:42, aos minutos 03:10 a 03:20 e 20:20 a 20:52) e da testemunha C… (cfr. gravação efectuada 21-03-2013, entre as 10:38:33 e as 10:55:04, aos minutos 10:14 a 10:32, 11:05 a 11:35 e 11:39 a 11:50), verificamos que as poucas zangas, como a própria ofendida diz existirem, foram sempre por causa do filho, sendo certo que quanto ao facto em apreço, ninguém, a não ser o filho de ambos – que nada presenciou – a afirmar tais factos, sendo ainda notório que os mesmos não ocorreram pois a ofendida nem sequer foi ao hospital, como nunca o fez das outras vezes que diz ter sido alvo de agressões, as quais nunca consegui concretizar.

  4. O Facto n.º 6 – deve ser dado como não provado – pois analisando o depoimento da testemunha D… (cfr. gravação efectuada a 06-03-2013, entre as 14:54:26 e as 15:01:28, aos minutos 03:30 a 04:01), conjugado com o demais produzido em audiência, e em especial o que se teceu na alegação n.º 5, em que a própria ofendida afirma que as poucas chatices que existiam eram por causa do filho, tal facto deve ter-se por não provado, por entrar até em contradição.

  5. Os Factos n.ºs 8 e 9 – deve o primeiro ser dado por não provado e o segundo como parcialmente provado – isto é o do facto n.º 9 deve ser dado como não provado que “Face ao receio sentido pela ofendida de que o marido estivesse na posse efectiva de uma pistola verdadeira e que a disparasse contra ela, atingindo-a na sua integridade física”, pois conjugando o depoimento da ofendida (cfr. gravação efectuada a 18-02-2013, entre as 10:41:52 e as 11:06:42, aos minutos 14:00 a 14:22, 16:26 a 16:49, 17:12 a 18:45 e 22:20 a 23:20) e da testemunha C… (cfr. gravação efectuada a 21-03-2013, entre as 10:38.33 e as 10:55:04, aos minutos 06:15 a 06:46 e 14:03 a 14:10), constata-se que este apenas teve conhecimento dos factos derivado daquilo que a sua mãe lhe relatou, não presenciou nada, por seu turno, a ofendida não consegui sequer descrever a arma com que estava a ser ameaçada, referindo-se sempre a uma arma branca, inclusive esteve casada com o Recorrente por mais de 27 anos e nunca lhe viu qualquer arma de fogo, e por fim a mesma não esclareceu o Tribunal se era intenção do Recorrente atirar-lhe com a dita arma, motivo pelo qual estes factos devem ser devidamente alterados.

  6. Os Factos n.ºs 10 e 11 – devem ser dados como não provados – conjugando o depoimento ofendida (cfr. gravação efectuada a 18-02-2013, entre as 10:41:52 e as 11:06:42, aos minutos 11.08 a 11:32, 11:50 a 12:11, 12:47 a 13:29 e 17:12 a 18:45) e da testemunha D… (cfr. gravação efectuada a 06-03-2013, entre as 14:54:26 e as 15:01:28, aos minutos 02:08 a 02:59), é demais evidente que falecem os elementos subjectivo do tipo de crime em causa, pois o próprio Tribunal a quo alertou a ofendida para a gravidade dos factos em discussão e que os mesmos em nada contendem com um eventual processo de divórcio ou separação, ademais, a resposta positiva a tais factos entra em contradição com a convicção do Tribunal Recorrido, pois a douta sentença em mérito refere a par e passo que “dizemos admitido, pois esta prestou um depoimento muito contido, quase não descrevendo as agressões; (…) sendo que quanto às agressões o seu depoimento foi por demais contido e vago para que as mesma se pudessem ter por verificadas”, e a própria ofendida no depoimento que fez referia-se quase sempre a relação mais ou menos estável com o Recorrente.

  7. Os Factos n.ºs 14.º, 18.º e 20.º - devem ser todos dados como não provados – pois não foi produzida em audiência de julgamento prova sobre tal matéria, sendo mesmo certo que em relação à situação de insolvência a prova admitida seria a prova documental e nunca a vertida em relatório social.

  8. O Facto n.º 19 – deve ser dado como parcialmente não provado – ou seja, deve ser dado como não provado que “o arguido no plano familiar tinha um fraco empenho na dinâmica do agregado e que era possessivo na relação conjugal.”, pois nada disto foi objecto de discussão e julgamento nos autos, apenas a ofendida se tendo referido ao seu carácter autoritário e a restante factualidade é contraditória com o que se mostra provado e que não foi impugnado.

  9. O Facto n.º 24 – deve ser dado como não provado – conjugando o depoimento testemunha D… (cfr. gravação efectuada a 06-03-2013, entre as 14:54:26 e as 14:54:27, aos minutos 05:15 a 05:25) da testemunha E… (cfr. gravação efectuada a 06-03-2013, entre as 15:02:09 e as 15:04:58, aos minutos 01:12 a 02:00) e da testemunha F… (cfr. gravação efectuada a 06-03-2013, entre as 15:05:40 e as 15:07:53, aos minutos 01:09 a 02.03), facilmente se alcança que sendo pessoas da família e vizinhança nunca ouviram qualquer comentário ou alarido de desavença entre o Recorrente e a ofendida, bem como, ao carácter do Recorrente que é uma pessoa séria, educada, respeitadora e trabalhadora, não se metendo em confusões.

  10. Tendo em conta a reapreciação da matéria de facto supra requerida, não estão preenchidos, no presente processo os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime, pelo que, deve o Recorrente ser absolvido.

  11. O princípio da presunção de inocência, previsto no n.º 2 do art. 32.º da CRP, aliado ao princípio in dubio pro reo pressupõe que de toda a prova recolhida, os factos que não possam ser subtraídos à dúvida razoável do Tribunal, também não podem considerar-se provados, se durante a sua produção subsistir tal dúvida.

  12. Assim, a factualidade produzida em audiência de discussão e julgamento é mais do que suficiente para gerar a dúvida razoável no homem médio, sobre a existência de agressões e insultos se é que os mesmos existiram, tendo sido violado o n.º 2 do art. 32.º da CRP e o princípio in dubio pro reo 16. Salvo o devido respeito, a interpretação que do Tribunal a quo faz dos factos, extrapola as regras do princípio da livre apreciação da prova inserto no art. 127.º do Cód. de Proc. Pen.

  13. O relatório social elaborado ao Recorrente apenas tem como objectivo auxiliar o Tribunal na correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser-lhe aplicada.

  14. Não podem os factos insertos no relatório social ter-se por provados se em audiência de discussão e julgamento os factos aí vertidos foram objecto de prova, pois a força probatória daqueles não é equiparada aquela que é produzida presencialmente em audiência de julgamento.

  15. O crime de violência doméstica tem vindo a ganhar relevo no nosso ordenamento jurídico, fruto dos maus tratos que se vão verificando na vida comum dos casais (o que não é o caso dos presentes autos).

  16. Contudo, dificuldades acrescidas de prova se deparam neste tipo de crime, na medida em que normalmente apenas contamos com as declarações da(o) ofendida(o) e que nem sempre são aquilo que corresponde à verdade.

  17. A verificação dos elementos do tipo de crime está dependente da forma com que as condutas infligidas ao outro cônjuge ocorram, a sua duração as suas sequelas… 22. Conforme salienta TAIPA DE CARVALHO, está em causa, na violência doméstica, a afectação da saúde física, psíquica e mental da vítima, por intermédio de comportamentos susceptíveis de afectar a sua dignidade pessoal.

  18. Ainda que haja, nos comportamentos frequentes e sistemáticos, uma maior susceptibilidade de afectação dessa dignidade, o legislador, no art.º 152.º do Cód. Pen., pune também os actos isolados.

  19. Contudo, a acção...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT