Acórdão nº 2572/10.2TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução22 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No 1º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, mediante despacho de pronúncia, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos A...

e B...

, ambos com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em co-autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do C. Penal.

O assistente C... deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos e contra a sociedade H...

, Lda., com vista à sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 15.500 por danos sofridos, acrescida de juros legais desde a data da notificação até integral pagamento, acrescida de 5% desde o trânsito em julgado da sentença.

Por sentença de 21 de Maio de 2013 foi cada um dos arguidos condenado, pela prática do imputado crime, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 6, e ainda, juntamente com a sociedade demandada, condenados a pagar ao assistente a quantia de € 7.500 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% desde 22 de Dezembro de 2012 sobre a quantia de € 3.500 até integral pagamento, e sobre a quantia de € 4.000, à mesma taxa, a partir de 22 de Maio de 2013 até integral pagamento.

* Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “ (…).

1) O tribunal errou em matéria de facto, ao ter dado como provados os seguintes pontos da matéria de facto provada: A) "de modo não apurado (…) os arguidos alteraram o contador de quilómetros que o veiculo ostentava, de pelo menos 304.216 km, e fizeram dele constar cerca de 176.000 km" – ponto 4 da matéria de facto provada; B) "… através da viciação do valor da quilometragem do veiculo...IS" – parte final da matéria constante do ponto 10 da matéria provada.

2) E errou, nessa parte, porque se trata apenas de uma conclusão que o tribunal retirou, sem se apoiar em qualquer declaração testemunhal ou em vestígio que fosse encontrado, de manipulação desse equipamento; 3) Ignorando, por outro lado, a explicação apresentada pelos arguidos atinente à substituição do quadrante, essa sim, lógica e coerente, pelo menos, com as declarações das testemunha F..., no sentido de que o veiculo avariava frequentemente e D..., que informou que o irmão andava à procura de um painel para um Audi; Consequentemente, 4) O tribunal errou em matéria de facto ao não considerar como provado que os arguidos tenham substituído o quadrante do Audi; 5) Conclusão esta que se impõe pelas mesmas razões que impõem a falta de prova da matéria atrás referida nas conclusões; 6) Ou seja, deve dar-se como provado que o quadrante, contendo o conta-quilómetros, foi substituído, como efectivamente foi, e não que tenha sido manipulado; Por outro lado, 7) O tribunal errou em matéria de facto ao dar como provado que "os arguidos agiram (…) com a intenção de obter enriquecimento ilegítimo, como lograram obter …" – ponto 10 da matéria provada; 8) Isto porque o quadrante original do veículo, que inclui o contador de quilómetros, estava avariado, e foi essa razão que motivou a intervenção dos arguidos.

9) Ou seja, os arguidos efectuaram a sua intervenção relativa a esse equipamento no âmbito de uma reparação geral ao veículo, visando colocá-lo em boas condições de funcionamento, portanto, com essa intenção, e não para enganar um eventual comprador do veículo; Ainda, 10) O tribunal errou em matéria de facto ao considerar provado que "O queixoso foi convencido pelos arguidos, no decurso da negociação da venda, que o indicado veículo ostentava a quilometragem de 176. 000 km verdadeira …" – ponto 5 da matéria provada.

11) Isto porque a testemunha D... – cuja credibilidade não foi questionada pelo tribunal – informou que o queixoso chegou a conduzir o veículo, no período em que foi seu funcionário, e numa altura em que este ainda tinha o conta-quilómetros anterior; 12) Ora, tal significa que o queixoso conhecia perfeitamente o veículo, que já havia conduzido, não sendo crível que não soubesse, nomeadamente, os quilómetros que tinha; 13) Aliás, a prova desse convencimento, que o tribunal dá como assente, não se estriba em qualquer elemento documental, nem em qualquer declaração de testemunhas, antes sendo uma conclusão do tribunal, a nosso ver, infundamentada; Finalmente, 14) O tribunal errou em matéria de facto, ao considerar provada a matéria constante do ponto 9 da matéria provada; 15) Pois que se encontra demonstrado nos autos – com base em declarações do próprio queixoso – que este recusou a proposta dos arguidos de "desfazerem" o negócio, com a devolução recíproca de tudo o que fora prestado; 16) Recusa esta que retira credibilidade à tese do arguido de que só comprou o veículo por pensar que tinha 176.000 km, pois que, mesmo ao "conhecer" a realidade (na sua tese), manteve todo o interesse em continuar a ficar com o veículo; 17) Pelo exposto, devem os arguidos serem absolvidos da prática do crime pelo qual foram condenados; Caso assim não se entenda, o tribunal errou em matéria de direito, porque, 18) O processo não contém elementos que permitam determinar o valor concreto do dano sofrido pelo ofendido, porque não foi apurado o valor do veículo com a quilometragem "real"; 19) Sendo que o tribunal extravasou as suas competências ao determinar esse valor com recurso a publicações da especialidade; 20) E extravasou duplamente porque é à parte que compete carrear tais elementos para os autos, e alcançar a respectiva prova; e porque as tabelas constantes das publicações são meramente indicativas, dependendo o valor concreto de cada viatura de toda uma multiplicidade de condicionamentos acerca dos quais nada ficou demonstrado nos autos; 21) Assim, o tribunal fez errada aplicação dos artigos 264.º 1 e 2 e 514.º do C PCivil.

22) Voltando a errar ao não aplicar o disposto no artigo 661.º nº 2, do mesmo código; Ainda, e no respeitante aos danos não patrimoniais, 23) O tribunal fez errada aplicação do disposto no artigo 496.º 4, do C. Civil, porque o valor atribuído a título de danos não patrimoniais se mostra claramente excessivo face ao incómodo porque passou o ofendido, que o tribunal não deu como provado que fosse acentuado; 24) devendo a quantia a condenar a esse titulo não ser superior a € 500,00; Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, - Serem os arguidos absolvidos do crime de que vêm condenados; Ou, caso assim não se entenda, - Serem os arguidos condenados a título de danos patrimoniais em quantia que se liquidar em execução de sentença; - Devendo ser condenados, a título de danos não patrimoniais, em quantia não superior a € 500,00; Desta forma fazendo V. Exas Justiça! (…)” * Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando que, nos termos da motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido fundou a sua convicção, quanto aos pontos de facto sindicados pelos arguidos, nas declarações do assistente conjugadas com a documentação junta aos autos, analisados à luz das regras da experiência e tudo ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, pelo que, sendo a versão dada como provada uma das possíveis, em termos de razoabilidade, não deve a mesma ser alterada pelo tribunal de recurso, e concluiu pela improcedência do recurso.

* Respondeu também ao recurso o assistente, alegando, que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por não terem os recorrentes dado cumprimento ao disposto no nº 4, do art. 412 do C. Processo Penal nem explicitado por que razão a prova indicada impunha decisão diversa, que os recorrentes impugnam a valoração crítica da prova feita pelo tribunal esquecendo aquela é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, que a sentença se mostra devidamente fundamentada, que um veículo com treze anos e mais de 330.000 km não tem o valor comercial de € 7.500 que foi o preço pago, que o tribunal não se socorreu de factos novos para fixar a indemnização, e que o montante fixado para compensar os danos não patrimoniais não é arbitrária, e concluiu pela improcedência do recurso.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a posição do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluiu pela improcedência do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir são: - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e consequente absolvição dos recorrentes; - A incorrecta fixação dos montantes indemnizatórios.

Oficiosamente, haverá que conhecer da nulidade da sentença por omissão de pronúncia e do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

* Para a resolução destas questões, importa ter presente o que, de relevante, consta da sentença recorrida. Assim:

  1. Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).

    1. Os arguidos são sócios gerentes da sociedade « H..., Lda.» que tem por objecto a venda e reparação de veículos automóveis novos e usados.

    2. Esta sociedade possui um estabelecimento de «Stand» afecto à sua actividade sito em (...), em Leiria.

    3. Esta sociedade detinha em exposição, para...

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