Acórdão nº 208/12.6TBVZL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes da 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.Relatório A… e P…, executados, vieram, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que contra eles é movida por B…, S.A., deduzir oposição à execução, alegando, em síntese, que: O requerimento executivo peca por falta de fundamentação; A livrança que serve de título executivo foi subscrita e avalizada em branco, cabendo ao exequente provar que a mesma foi preenchida de acordo com o pacto de preenchimento, padecendo de vício de forma; A exequente não poderia peticionar juros sobre os montantes das rendas vincendas, juros, despesas judiciais e extrajudiciais ou sobre honorários de advogados e solicitadores; A exequente só poderia exercer o seu direito de acção após ter formalizado protesto, o que não ocorreu.

Concluem, pedindo a absolvição dos executados.

A exequente deduziu oposição alegando, em síntese, que: Não estava obrigada a fazer uma exposição factual no requerimento executivo, atenta a circunstância de estar em causa uma livrança e o preceituado no artigo 810.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil; O preenchimento da livrança ocorreu de acordo com o estabelecido contratualmente; A falta de protesto nunca obstaculizaria a que a exequente interpusesse a respectiva acção; Os oponentes litigam de má fé.

Conclui, pedindo a improcedência da oposição à execução, por não provada, bem como a condenação dos executados como litigantes de má-fé.

Foi proferida, pela Sr.ª Juiz do Tribunal Judicial de Vouzela, a seguinte decisão: “Pelo exposto: julga-se improcedente a presente oposição, determinando-se o prosseguimento da execução, nos seus precisos termos; julga-se improcedente o pedido de condenação em litigância de má fé efectuado pela oponida.”.

Os executados/oponentes, A… e P…, não se conformando tal decisão dela interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: … 2. Do objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente cumpre apreciar as seguintes questões: 1.O Tribunal da 1.ª instância, podia decidir a acção logo no saneador, como foi feito, por se ter entendido já dispor o processo de todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa? 2. O título executivo apresentado carece de fundamentação? 3. A livrança apresentada como título executivo foi preenchida de forma abusiva? 4. Era condição do exercício do direito de acção por parte do exequente o prévio protesto por falta de pagamento? 5.

Os juros apenas são devidos sobre o valor das rendas vencidas? A 1.ª instância, para justificar tal conhecimento, escreve assim: “Dado que o estado dos autos permite, sem necessidade de mais provas, conhecer imediatamente do mérito da causa, iniciar-se-á, desde já, tal tarefa – artigo 510.º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável por via dos artigos arts.º 466.º, n.º 2, 817.º, n.º 2 e 787.º”.

Só como pequena nota histórica: No Código de Processo Civil de 1876 não existia despacho saneador.

Este despacho teve origem no despacho regulador do processo, criado pelo Decreto n.º 3, de 29 de Maio de 1907, vulgarmente designado decreto para a cobrança de pequenas dívidas, para os seguintes fins: 1.º- Conhecer de quaisquer nulidades insupríveis e das supríveis que as partes hajam devidamente arguido; mas neste caso o juiz só anulava o processado ou mandava suprir a irregularidade quando a nulidade pudesse influir no exame e decisão da causa; 2.º- Mandar passar cartas precatórias; 3.º- Designar dia, dentro dos dez imediatos, para o julgamento da acção, desde que não houvesse diligências a realizar (artigo 9.º).

Em 1926, a função de tal despacho foi ampliada, destinando-se a partir de então a limpar o processo das questões que podem obstar ao conhecimento do mérito - artigo 24.º do Decreto n.º 12.353 -.

A possibilidade de conhecimento do mérito da causa nesse despacho só foi consagrada no Decreto n.º 18.552, de 03.07.1930, que veio permitir o julgamento antecipado da lide, quando o processo contivesse todos os elementos necessários para esse efeito.

Avançando.

Nos termos que vêm estatuídos no artigo 510.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, “Findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere, no prazo de vinte dias, despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos, ou de alguma excepção peremptória”.

Tal despacho tem, para todos os efeitos, o valor de sentença.

Quando assim não puder ser, o artigo 511.º, n.º 1 desse Código estabelece que “O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”.

Não resistimos, em escrever aqui a redacção anterior do primeiro preceito – antes da que lhe foi dada pelos Decretos-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro e n.º 180/96, de 25 de Setembro – que, a nosso ver, era bem mais impressiva no ponto que agora nos ocupa, quando afirmava: “conhecer directamente do pedido, se a questão de mérito for unicamente de direito e puder já ser decidida com a necessária segurança ou se, sendo a questão de direito e de facto, ou só de facto, o processo contiver todos os elementos para uma decisão conscienciosa” -.

Este, pois, o figurino do sistema, o qual, como parece claro, pretende evitar o arrastamento de acções que logo nesta fase já contenham todos os elementos necessários a uma boa decisão - afinal quando as partes só discordem da solução jurídica da questão a dirimir -, mas também se não coaduna com decisões que, em nome de pretensas celeridades – que, depois, dão em vagares –, não permita às partes a discussão e prova, em sede de audiência, da factualidade que alegam e que poderá conduzir a soluções jurídicas muito mais abrangentes, ainda não possíveis na fase do saneador ou, pelo menos, a um desfecho diverso daquele que ao juiz do processo pareça ser o correcto nessa altura - apresentando-se a audiência de julgamento como o momento processual propício à clarificação da factualidade invocada –, apontam claramente para o entendimento de que só deve conhecer-se do pedido se o processo contiver, seguros, todos os elementos que possibilitem decisões segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não somente aqueles que possibilitem a decisão de conformidade com o entendimento do juiz do processo.

Assim, se uma dessas soluções impuser o prosseguimento do processo em ordem ao apuramento dos factos alegados, não pode proferir-se decisão sobre o mérito da causa.

E daí que, na dúvida, deva o processo prosseguir os seus normais termos, com a organização de uma base instrutória e a passagem à instrução e produção das provas, apresentando-se excepcional o conhecimento antecipado de mérito e normal o seu prosseguimento para a fase de julgamento.

“Normal é que o juiz (não estando ainda realizada a parte fundamental da instrução do processo) não possa conhecer da matéria no momento em que profere o despacho saneador.

Excepcional é que, com o encerramento dos articulados, o julgador tenha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução da questão de direito exclusivamente suscitada pelas partes, ou encontre nos autos todos os elementos de prova essenciais ao julgamento da...

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