Acórdão nº 6628/10.3TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A… e cônjuge, M…, intentaram, no 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, contra F…, V… e cônjuge, T…, acção declarativa, com processo comum, sumário pelo valor, pedindo a condenação dos últimos a reconhecer que têm o direito de haver para si o prédio alienado pela segunda aos terceiros, visto que são confinantes do prédio e não lhe foi dada a possibilidade do exercício do direito de preferência.

Fundamentaram esta pretensão no facto de serem dono de dois prédios rústicos, sitos em …, com área inferior à unidade de cultura, que confrontam do lado norte com o prédio matricialmente inscrito sob o artigo …, com a área de 1160m2, e de a ré F…, por contrato particular celebrado em 21 de Junho de 2010, ter vendido aos demais réus este último prédio, sem lhes ter sido dado conhecimento da venda nem informado do preço e as condições do seu pagamento e da pessoa dos eventuais interessados na compra.

Os réus V… e T… – únicos contestantes – defenderam-se por impugnação, afirmando que o único prédio dos autores que confronta do lado norte com o seu prédio é o matricialmente inscrito sob o artigo…, e por excepção peremptória, alegando que antes da escritura J…, pessoa que a F… incumbira de anunciar e venda do prédio e averiguar de possíveis compradores, disse ao autor marido quem vendia o prédio, o último preço oferecido de € 26.000,00, e quem era o comprador, tendo o autor respondido que não queria, por esse preço vendo o meu, e que compraram o prédio para nele edificarem um casa de habitação para a filha, não existindo impedimento legal à construção no local.

Os réus contestantes pediram, em reconvenção, para o caso de procedência da acção, a condenação dos autores a pagar-lhes, além do preço que a pagaram, a quantia de € 2.098,00, acrescida de juros contados, à taxa legal, desde a notificação aos reconvindos do articulado de contestação.

Fundamentaram a sua pretensão no facto de, de boa-fé, terem despendido, na lavragem e na monda química do prédio, na limpeza das silvas e na reconstrução do muro de pedra, a quantia de € 300,00 e de terem pago, em relação à compra, de imposto de selo, IMT, registo predial e honorários da escritura, as quantias de € 208,00, € 1.300,00, € 50,00 e € 240,00, respectivamente.

Oferecido o articulado de resposta – no qual os autores impugnaram s factos alegados pelos autores como causa petendi da reconvenção e os documentos oferecidos por aqueles - e seleccionada a matéria de facto procedeu-se, com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente pelo sistema h@bilus media studio, à audiência de discussão e julgamento.

A sentença final julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente.

É esta sentença que os réus contestantes impugnam através do recurso ordinário de apelação, tendo rematado a sua alegação com estas conclusões: … Não foi oferecida resposta.

  1. Factos provados.

    … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Um dos pedidos compreendidos na reconvenção - deduzida a título puramente subsidiário relativamente à eventualidade da procedência da acção - consistia na condenação dos reconvindos no pagamento da quantia de € 300,00 relativa a despesas e benfeitorias realizadas no prédio alienado em violação, segundo os autores, da preferência. Esse pedido – tal como de resto a reconvenção na sua globalidade – foi julgado improcedente.

    Na sua alegação e nas conclusões que a encerraram, os recorrentes não escreveram uma só palavra quanto à improcedência daquele pedido. Nestas condições, deve entender-se que os recorrentes restringiram tacitamente o objecto da impugnação, renunciando, tacitamente também, a esta no tocante à questão da improcedência daquela pretensão e, portanto, que quanto a este objecto a sentença impugnada passou em julgado (artºs 217 do Código Civil, 684 nº 4 do CPC de 1961 e 635 nº 4 do NCPC).

    Maneira que, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação dos recorrentes, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se: a) A sentença impugnada se encontra maculada com o vício da nulidade substancial por omissão de pronúncia; b) A resposta ao ponto de ponto de facto inserto na base instrutória sob o nº 1 se acha ferida com o valor negativo da inexistência; c) O decisor de facto da 1ª instância incorreu, na decisão dos pontos de facto insertos na base instrutória com os nºs 7, 15 a 18, num error in iudicando, por erro na valoração das provas; d) O direito de preferência alegado pelos apelados se extinguiu por renúncia.

    A matéria de facto e a matéria de direito estão entre si numa relação de interdependência que se verifica na sua delimitação recíproca, em especial na sua confluência, para a obtenção da decisão num caso concreto. Dada a patente delimitação da matéria de facto em função da matéria de direito – visto que os factos são recortados nos acontecimentos naturais e sociais segundo a sua relevância jurídica – justifica-se que a exposição posterior se abra com o exame, ainda que leve, dos pressupostos do direito de preferência dos proprietários de terrenos confinantes, com a determinação do destinatário da comunicação de preferência, com a ponderação dos pressupostos da extinção, por renúncia, do direito de preferir, e do conteúdo da obrigação de depósito do preço que vincula o preferente e, finalmente, com a exposição da causa de nulidade da sentença representada pela omissão de pronúncia.

    3.2.

    Pressupostos do direito real de preferência dos proprietários de terrenos confinantes.

    Diz-se preferência real a afectação jurídica de uma coisa em termos de, sendo um direito relativo a ela, objecto de transmissão, a título oneroso, poder ser adquirido, em detrimento do projectado adquirente, pelo preço acordado com este, por uma pessoa individualmente considerada[1]. O direito de preferência – que também é muitas vezes denominado de direito de opção, prelação, preempção ou tanteio – visa, em geral, solucionar conflitos entre titulares de direitos reais, permitindo a reunião, na mesma esfera jurídica, das coisas ou direitos geradores desse conflito[2].

    É o que sucede, precisamente, no emparcelamento (artº 1380 nº 1 do Código Civil e 18 nº 1 do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro).

    A atribuição do direito de preferência recíproca aos titulares de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, deve, na verdade, ligar-se ao emparcelamento – isto é, ao conjunto de operações de remodelação predial destinadas a por termo à fragmentação e dispersão dos prédios rústicos pertencentes ao mesmo titular, com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola – e não ao fraccionamento, definido, por sua vez, como o conjunto de operações jurídicas que visam impedir a divisão de prédios rústicos em parcelas inferiores a determinada área, consoante a zona do País considerada (artºs 1376 nº 1 e 1382 nº 1 do Código Civil).

    A área mínima que os prédios rústicos devem ter é a chamada área de unidade cultura. Essa dimensão mínima dos prédios, computada em hectares, é, para a zona de Leiria, para os terrenos de regadio, arvenses e hortícolas, de 2 e 0,50, respectivamente, e para os terrenos de sequeiro, de 2 (artº 1.º da Portaria nº 202/70, de 21 de Abril de 1970)[3].

    Uma das razões que obstaculam decisivamente ao progresso e à competitividade da agricultura portuguesa é, decerto, a desordem da sua estrutura fundiária, dominada por explorações agrícolas de dimensão insuficiente, resultante da fragmentação e dispersão dessas explorações, derivada, em boa parte, da lógica do sistema sucessório.

    A preferência real recíproca entre proprietários de terrenos confinantes, tem, exactamente, por fundamento final – como notam, una voce, a doutrina e a jurisprudência – obstar à excessiva pulverização da propriedade rústica de modo a promover um aproveitamento mais racional dos recursos naturais[4]. Este ponto deve ser tido em devida e boa nota, dado que a finalidade conspícua da preferência constitui um auxiliar precioso na resolução de vários problemas do seu regime.

    Assim, por exemplo, é essa a razão que explica a exclusão do direito de preferência dos proprietários confinantes nos casos em que algum dos terrenos constitua parte integrante de um prédio urbano ou se destine a fim diverso a cultura (artº 1381 nº 1 do Código Civil). Desde que o fim assinalado à preferência é o combate ao parcelamento, de modo a que se formem explorações agrícolas dotadas de maior eficiência no aproveitamento do solo e dos recursos naturais, não se justifica, em qualquer dos casos figurados, a restrição à livre transmissibilidade da propriedade rústica – e os largos inconvenientes económicos e sociais que dela decorrem – que a outorga da preferência sempre importa.

    No tocante à caracterização precisa da exclusão da preferência devem ser salientados dois pontos: de um aspecto, não interessa o fim a que o prédio se mostrava afectado á data da alienação – mas antes a finalidade a que o adquirente o quer afectar; esta finalidade não tem que constar necessariamente da escritura pública de alienação, bem podendo provar-se por qualquer meio[5]. Agora, esse propósito de afectar o prédio a fim diverso da cultura não deve ser vago, hesitante ou indefinido; deve exigir-se, sob pena de frustração do direito do preferente e do fim de interesse geral que através dele também se prossegue, uma intenção firme, definitiva.

    Do mesmo modo, é também à luz da finalidade de eliminação, na medida possível, da pequeníssima propriedade...

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