Acórdão nº 9/11.9TBTCS-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Novembro de 2013
Magistrado Responsável | HENRIQUE ANTUNES |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
Relatório.
J… e cônjuge, Z…, propuseram, no Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso, contra M… e cônjuge, A…, … acção declarativa de condenação, com processo comum, a que atribuíram o valor de € 1.050,00, pedindo:
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O reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio rústico, localizado na freguesia de …; b) O reconhecimento do seu direito de preferência sobre o prédio rústico, localizado na mesma freguesia e Município, com a área de 850 m2, matricialmente inscrito sob o artigo … e a sua substituição, na escritura de compra e venda, aos réus …; c) A condenação dos réus no reconhecimento de tal direito e na entrega do prédio, livre e desocupado; d) Se ordene o cancelamento de todos os registos que os réus … hajam feito a seu favor em consequência da compra do prédio.
Fundamentaram estas pretensões no facto de serem proprietários do prédio rústico matricialmente inscrito sob o artigo…, por o haverem adquirido por usucapião, aquisição que se encontra registada a seu favor, no registo predial, com o qual confina, a poente, o prédio rústico matricialmente inscrito sob o artigo…; de, por escritura pública, outorgada no dia 13 de Abril de 2010, os três primeiros réus, sem lhes dar conhecimento, terem vendido aos últimos, por € 1.000,00, este prédio, e de terem o direito de preferir na venda, pelo que irão depositar o preço devido, acrescido de € 50,00 de IMT.
Os réus … defenderam-se por impugnação e por excepção peremptória e, em reconvenção – a que atribuíram o valor de € 4.000,00 - pediram a declaração de que adquiriram, por usucapião, o prédio rustico matricialmente inscrito sob o artigo …, e o reconhecimento do seu direito real de propriedade sobre ele, e subsidiariamente – para o caso de entender que aos autores assiste o direito de preferir – que o preço não é o constante da escritura pública de 13 de Abril de 2010, mas sim o de 1.150 contos, pagos à data de 1988, o que, na presente data, atento o coeficiente de desvalorização monetária e a conversão do escudo em euros, é de € 27.400,00.
No despacho saneador fixou-se em € 5.000,00 o valor da causa.
É precisamente esta decisão que os autores impugnam no recurso ordinário de apelação, no qual pedem que ao seu pedido seja atribuído o valor de € 1.050,00 ou, caso assim se não entenda, o valor atribuído pelos réus ao prédio e não o valor dado à reconvenção.
Os recorrentes condensaram a sua alegação nas conclusões seguintes: … Não foi oferecida resposta.
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Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
Os factos que relevam para o conhecimento do objecto do recurso são os que o relatório documenta.
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Fundamentos.
3.1.
Delimitação do âmbito objectivo do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC de 1961, e 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do NCPC).
Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC de 1961 e 635 nº 2 do NCPC).
Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.
No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[1].
No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[2].
Do modo como é construída a função do recurso ordinário, decorre uma dupla proibição: a da reformatio in melius e in pejus, cuja violação, por importar o conhecimento pelo tribunal ad quem de matéria que não se inscreve na sua competência decisória, determina a nulidade, por excesso de pronúncia, do acórdão – ou da decisão singular do relator - correspondente (artºs 668 nº 1 d), 2ª parte, 716 nº 1, 732, 752 nº 3 e 762 nº 1 do CPC de 1961, 615 nº 1 d), 2ª parte, 666 nº 1 e 685 do NCPC).
A decisão do tribunal ad quem não pode ser mais desfavorável ao recorrente de que a decisão recorrida: é nisto que consiste exactamente a reformatio in peius (artº 684 nº 4 do CPC de 1961 e 635 nº 4 do NCPC). A proibição de reformatio in melius tem o seguinte enunciado: como o objecto do recurso é delimitado pelo recorrente, esta parte não pode alcançar pelo recurso mais do que a revogação e eventual substituição da decisão recorrida. Portanto, como consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, esse tribunal não pode conceder a esta parte mais do que ela pede no recurso interposto.
Note-se que esta proibição de reformatio – tanto in peius como in melius – se mantém mesmo quando o tribunal de recurso tem de apreciar matéria de conhecimento oficioso.
Nestas condições, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se à causa corresponde o valor de € 5.050,00, correspondente à soma do valor pedido dos recorrentes e da recorrida ou, subsidiariamente, o de € 28.400,00, equivalente à adição do valor pedido dos apelantes - € 1.000,00 - e do valor do prédio objecto da reconvenção – € 27.400,00 – que, segundo os apelantes, é o valor que os recorridos atribuem a esse mesmo prédio.
A resolução deste problema vincula, naturalmente, à exposição, ainda que leve, dos critérios, gerais e especiais, de aferição do valor processual da causa.
3.2.
Critérios gerais e especiais de fixação do valor processual da causa.
A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, que representa a utilidade económica...
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