Acórdão nº 32/13.9GBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução02 de Outubro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular nº 32/13.9GBLSA do Tribunal Judicial da Lousã, o arguido A..., identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática de um crime de violência doméstica previsto e punível pelo artigo 152º, n.ºs 1, alíneas a) e 2 do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, em 2 de Julho de 2013 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a acusação pública, e, por conseguinte, condeno o arguido A...:

  1. Pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. b), e c) e nº2 do Código Penal, na pena de 27 meses de prisão (dois anos e três meses).

  2. Suspendo a execução da pena de prisão, pelo período de 27 meses (dois anos e três meses), a contar do trânsito em julgado da presente decisão, subordinada ao Regime de Prova, prevista nos artigos 53º a 59º do Código Penal, assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão que permita a consciencialização do arguido da gravidade dos comportamentos violentos e, a sua responsabilização pelos mesmos, com realce para a aprendizagem e utilização de estratégias alternativas ao comportamento violento respeitando a dignidade das pessoas que lhe estão próximas.

  3. Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 21º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 112/2009,de 16 de Setembro e 82.º-A do Código de Processo Penal, arbitro à vítima, como indemnização pelas dores, incómodos, constrangimentos e sofrimentos causados, a quantia de 300€ (trezentos euros).

  4. Condeno-o ainda nas custas do procedimento criminal, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s, nas quais se inclui: a taxa de justiça, que fixo em três (3) unidades de conta; os demais encargos do processo, que integram a compensação legalmente devida pela intervenção de defensor oficioso (arts. 513º/1 e 514/1, ambos do CPP, e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

Inconformado, recorreu o arguido A...

, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Vai o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssima Juiz do Tribunal Judicial de Lousã, quer quanto à matéria de direito, quer quanto à matéria de facto.

  1. O presente recurso é interposto da sentença proferida no Tribunal Judicial da Comarca de Lousã, pelo qual o Arguido foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, nº 1, al. b), e c) e nº 2 do Código Penal, na pena de 27 meses de prisão, tendo a sua execução sido suspensa por idêntico período subordinada ao regime de prova.

  2. Com o devido respeito, o Arguido discorda da decisão proferida por entender que o Tribunal a quo analisou erradamente a prova produzida em audiência de julgamento violando os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.

  3. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão nas declarações do Arguido, nas declarações da testemunha Sr.

    a C...

    , nas declarações de dois agentes da GNR do posto da Lousã, num conjunto de post-its e numa comunicação deixada num guardanapo.

  4. Sucede que em momento algum ficou demonstrado que o recorrente tivesse ofendido a integridade física da sua companheira.

  5. No caso sub judice, a queixosa, nos termos do art.º 134°, alínea a) do Código de processo Penal, declarou não pretender prestar declarações.

  6. A Sr.

    a C..., a par da ofendida, era a única testemunha que poderia esclarecer se o Arguido, motivado por ciúmes, agrediu a sua companheira.

  7. Ora o certo é que esta testemunha, no seu depoimento, declarou não ter conhecimento que o recorrente tivesse agredido a sua companheira, a tivesse maltratado ou sequer lhe fechado a porta, sendo desconhecedora do que houvera sucedido entre o casal.

  8. Tal testemunho não passa de uma presunção, sendo especulativo e conclusivo.

  9. Não se concebe e consente que o Tribunal a quo se tivesse ancorado a tal testemunho, puramente abstracto para dar como provado os pontos 3, 4, 5, 6 e 7 da douta sentença.

  10. Transcreve-se na douta decisão, sobre grave erro na apreciação da prova de julgamento, que "Primeiro ponto, não se tratava, pois, de uma banal e frequente conversa entre o casal, mas de uma discussão, e tempestuosa. Note-se que o ruído seria tão forte que foi ouvido pela vizinha do apartamento da frente, a testemunha C... que se encontrava aquela hora já a dormir." 12. Pelas referências a inquirições realizadas pela Meritíssima Juiz, pelo Sr. Procurador Adjunto do Ministério Público e pelo Defensor do Arguido, a mesma testemunha, C..., disse ter sido acordada com o toque da campainha porquanto se encontrava a dormir.

  11. De resto, transcreve-se na douta decisão do Tribunal a quo, que "Foi esta vizinha que acabou por chamar a policia que se deslocou aquela hora da manhã ao local, conforme confirmaram os agentes policiais ouvidos pelo tribunal".

  12. Todavia certo é que, quer no ponto 8 da fundamentação de facto, quer pelo depoimento do Sr. agente B..., resulta o contrário. Quem chamou a polícia foi a ofendida.

  13. Transcreve-se ainda na douta decisão do tribunal a quo, parte de fundamentação de facto, ponto 10, que" .... Não se eximiu ainda o arguido de assim actuar mesmo quando a ofendida se encontrava grávida e, portanto, em situação de maior fragilidade, assim como não se coibiu de o fazer perante a filha menor de ambos e o filho da ofendida". Porém, a verdade é que, conforme o tribunal recorrido considerou, logo no ponto 1 dos factos não provados, sob epigrafe "B) Factos Não Provados", não foi feita prova sobre tal matéria, motivo pela qual nunca poderia constar de matéria dada como assente.

  14. O Arguido, sem dever nem temer, não se remetendo ao silêncio como era faculdade, aceitou contar ao tribunal o sucedido, dizendo em verdade precisa e clara o que tinha acontecido na noite do dia 24 de Janeiro de 2013.

  15. Do crivo de tal depoimento logrou-se fazer prova de que o que houve foi uma pequena discussão gerada entre o casal, porquanto a sua companheira houvera recebido, no seu telemóvel pessoal uma mensagem de um suposto amigo à qual não logrou dar justificação ao Arguido.

  16. Compreensivelmente, sendo natural no seio familiar, o Arguido, cansado de tentar obter justificação da mensagem recebida, abordou-a naquela noite do dia 24 de Janeiro de 2013, sendo que esta não terá reagido bem.

  17. Tal como o Arguido referiu gerou-se uma pequena discussão, tendo a ofendida, assim que o menor F... entrou na cozinha, empurrado o Arguido ao qual este ripostou, tendo tal episódio sido singular e pontual na vida do casal.

  18. Não se aceita que o tribunal a quo não tenha valorado tal depoimento.

  19. Não se apreende que o tribunal a quo não tenha atendido a credibilidade de um depoimento estruturado e com sequência lógica do desenrolar dos acontecimentos.

  20. As declarações do Arguido para além de precisas, concretas e consistentes, foram incompreensivelmente desvalorizadas por parte do tribunal.

  21. Caiu em excesso o tribunal a quo ao registar o depoimento do Arguido como sendo de parca concretização de factos.

  22. Se atentarmos a fls. 11 dos autos, assim como fls. 24 e 25, vemos que o Arguido apresentou participação criminal contra a ofendida, provando-se sob perícia médica, que na ocasião lhe houvera sido realizada, que o próprio apresentava marcas no corpo de agressão física provocados pela ofendida, o que acaba por corroborar a versão apresentada pelo Arguido.

  23. Isso mesmo confirmaram os agentes da GNR, guarda principal B...

    e guarda principal D...

    , que se deslocaram na noite do dia 24 de Janeiro de 2013 a casa do casal para registar a ocorrência e receber mútuas participações.

  24. Não vislumbramos em que sentido podiam os depoimentos dos Senhores Agentes da GNR elucidar factos que em momento algum poderiam ter sido dado como provados.

  25. Na verdade, tais depoimentos são elucidativos do que terá ocorrido naquela noite e corroboram na íntegra aquela que foi a versão que o Arguido prestou em sede de audiência de julgamento.

  26. Sucede porém que, contrariamente ao que se impunha, negligenciou o Tribunal a quo os depoimentos do guardas principais.

  27. Ambos referiram serem visíveis marcas de agressão no corpo do Arguido e não na ofendida.

  28. Impunha-se que o Tribunal a quo, ainda que cautelarmente, ponderasse e admitisse a versão que foi apresentada pelo Arguido, dando-lhe credibilidade, porque sólida, segura e, agora, fortalecida com o depoimento destas testemunhas.

  29. O crime de violência doméstica encontra-se p. e p. no artigo 152° do Código Penal, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro - vigente a partir de 23 de Março de 2013, sob a epígrafe "Violência doméstica".

  30. O objectivo do tipo legal de crime em causa, como é consabido, é a de prevenir as frequentes e subtis, formas de violência no âmbito da família, saúde física e psíquica.

  31. A razão de ser deste tipo legal é a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.

  32. Relevante neste tipo de crime é que os factos praticados, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter para a vida comum, sejam susceptíveis de colocar a vítima na situação de, mais ou menos permanentemente, sofrer um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade no seio da sociedade conjugal.

  33. A conduta típica da violência doméstica é descrita através do conceito de "maus-tratos físicos ou psíquicos", que podem incluir, designadamente, "castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais".

  34. Da actual descrição do tipo do artigo 152°, supra parcialmente coligido, resulta, a ampliação do âmbito subjectivo do crime, que passa a incluir as situações de violência doméstica envolvendo ex-cônjuges e pessoas de outro ou do mesmo sexo que mantenham ou tenham mantido uma...

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