Acórdão nº 1393/11.0TBPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução26 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 1393/11.0TBPNF.P1 [Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B…, com o n.º de identificação civil …….., e residente em …, Guimarães, instaurou no Tribunal Judicial de Penafiel, acção judicial contra a Companhia de Seguros C…, S.A.

, com o n.º de identificação de pessoa colectiva ……… e sede em …, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a indemnização de €5.001,48, acrescida de juros legais Para o efeito, alegou que quando conduzia o seu veículo automóvel foi embatido por outro veículo automóvel segurado pela ré e conduzido por uma pessoa com autorização e sob a direcção da respectiva proprietária, colisão essa que ocorreu por culpa exclusiva da condutora deste último veículo e que determinou para o autor os danos cuja indemnização ascende ao valor do pedido. A acção foi contestada, pugnando-se pela improcedência total do pedido, mediante a alegação de que a culpa exclusiva do sinistro coube ao próprio autor.

Devidamente tramitada e instruída, a acção prosseguiu até julgamento, findo o qual foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido.

Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. O recorrente discorda totalmente da decisão proferida pelo Tribunal a quo, no que respeita aos factos dados como provados e não provados que não se adequam à prova produzida e ainda no que respeita à motivação de facto; da leitura da motivação da decisão sobre a matéria de facto logo se constata a sua inconsistência, reveladora de que o Tribunal a quo não apreciou crítica e racionalmente as provas, de acordo com as regras da experiência, da lógica e do senso comum.

  1. O Tribunal a quo, na formação da sua convicção, deu especial relevância às declarações prestadas pelas testemunhas D… e E…, cujos depoimentos foram pautados pela falta de isenção. Embora estas testemunhas tenham afirmado não se conhecerem antes do acidente e o E… “jurar” não ter qualquer interesse no desfecho da situação, a verdade é que tais factos deixam muitas dúvidas ao aqui recorrente, não sendo por acaso que tanto a testemunha D… como a testemunha E… são ambos vendedores (aliás, o E… só revelou esta sua faceta de vendedor - curiosamente de automóveis - a instâncias do mandatário do recorrente, pois queria fazer crer ao Tribunal que não passava de um aposentado, preocupado em fazer o que “todos nós humanos devíamos fazer”).

  2. O estilo e à vontade da testemunha D… está bem patente em pequenos pormenores do seu depoimento, que revelam muito “calo”: “supostamente doutor"; “doutor, a testemunha não é minha mas sim do acidente”; “ isso vai ter de perguntar à testemunha”. E o facto (agravado com a expressão repentina: “mentira, mentira”) de a testemunha E… telefonar vezes sem conta para a seguradora a inteirar-se do processo diz tudo quanto à credibilidade das duas pessoas a que o tribunal entendeu dar credibilidade.

  3. O tribunal decidiu pela improcedência da ação porque não teve discernimento e coragem suficientes para conjugar a lógica com a experiência. O relato da testemunha D… e E… não tem qualquer lógica (como o perito F… não se cansa de repetir) e colide fundamentalmente com os depoimentos das testemunhas presenciais, G… e H…, as quais nunca afirmaram ter visto o embate mas tão só ouviram o ruído do mesmo e foram sempre claros quanto ao facto de os vestígios terem ficado na faixa de rodagem do autor; e se os depoimentos destas testemunhas podem ter algumas contradições, tal resulta precisamente de serem sinceros e desapegados de qualquer interesse no desfecho dos autos.

  4. Não temos dúvida de que o facto que mais pesou na decisão do tribunal foi a I… ter indemnizado o terceiro, o que fez sem sequer ter ouvido a pessoa do autor e com base no auto de ocorrência em que as testemunhas do autor não são mencionadas (pelas razões explicadas na audiência de julgamento); certo é que a I… procurou emendar o erro, averiguando o sinistro a posteriori e concluindo que a versão do autor era sustentável, pelo que acionou a cobertura de proteção jurídica com que o autor litiga nestes autos.

  5. A (in)experiência do julgador deveria ter sido colmatada com a manobra protagonizada pelo veículo terceiro, manobra perigosa (mudança de direção à esquerda), a realizar numa estrada de tráfico intenso e que “obriga” os condutores que a pretendam fazer a muito cuidado e agilidade. E o facto de o autor circular devagar terá motivado a condutora do veículo segurado na ré a arriscar entrar na estrada nacional.

  6. Dissecados os depoimentos testemunhais, concluir-se-á pela alteração da matéria de facto dada como provada e não provada.

  7. O Tribunal a quo não deu como provado os artigos 2º a 5º da b.i., ou seja, que quando o veículo ZJ se encontrava a circular junto à linha de interceção do entroncamento da EN nº .. com a Rua …, o veículo VO não parou junto do sinal STOP e que, de súbito, entrou na EN .., no momento em que o veículo do Autor passava à sua frente, e que o embate ocorreu na faixa de rodagem em que circulava o veículo do autor (veículo ZJ).

  8. Do depoimento das testemunhas G… e H… e do perito da seguradora, infere-se que o veículo C3 teria quase obrigatoriamente de transpor o sinal de STOP para que pudesse ter alguma visibilidade e conseguir, então, continuar a sua trajetória pela EN .., sendo essa a intenção da condutora. Embora o Tribunal a quo tenha entendido não dar credibilidade ao depoimento da testemunha F…, o Autor entende que, salvo melhor, deve relevar aqui o facto dessa testemunha ser perito de seguros há já vários anos, devendo também atender-se, naturalmente, às regras da experiência e à lógica das coisas.

  9. Relativamente aos artigos 30º e 31º da b.i., o Tribunal a quo deu como provado que o condutor do veículo ZJ conduzia distraído, sem prestar atenção ao trânsito e que, ao chegar ao entroncamento entre a EN .. e a Rua …, o veículo ZJ invadiu a via de circulação do veículo VO. Salvo o devido respeito, tal não se entende, sendo inclusive muito claros os depoimentos das testemunhas relativamente a essa questão, salientando que a condutora do veículo C3 teria de estar efetivamente dentro da faixa de rodagem do veículo do autor, para que pudesse ter alguma visibilidade que lhe permitisse efetuar a manobra de mudança de direção à esquerda.

  10. De salientar o facto de o embate ter ocorrido por volta das 18 ou 19 horas da tarde, hora em que o trânsito é bastante intenso na estrada em questão, o que não permitia que o Autor circulasse com excesso de velocidade (conferir resposta ao art. 29 da b. i.), sendo que, após o embate, o veículo Mercedes ficou imobilizado dentro da sua faixa de rodagem.

  11. O tribunal a quo considerou credível o depoimento da testemunha E…, o qual, com todo o respeito, vai no sentido de desculpabilizar a condutora do veículo VO, afirmando que este se encontrava a cerca de meio metro da faixa de rodagem, quando o veículo ZJ saiu fora da sua faixa de rodagem e embateu naquele; sendo que a testemunha E… circulava imediatamente atrás do condutor do veículo ZJ, não se compreende que a única coisa que diga é que o veículo ZJ circulava de forma desgovernada, mas não saiba dizer porquê nem se já o fazia a alguma distância.

  12. Também não se compreende como uma testemunha que diz ser imparcial e afirma não conhecer a condutora do veículo VO, telefonava sistematicamente para a companhia de seguros, querendo saber como estava a situação, assim demonstrando interesse no desfecho da mesma.

  13. Como é possível que a testemunha E… afirme que o condutor do veículo conduzia de forma completamente desgovernada, mas depois não saiba dizer se já conduzia assim há muito ou pouco tempo e acabe por afirmar que estava bastante trânsito àquela hora. Se estava bastante trânsito, não seria normal que o condutor do veículo ZJ, se vinha assim tão desgovernado, tivesse embatido noutros veículos ou no passeio? 15. De acordo com as declarações das testemunhas e deslocação ao local, a manobra de mudança de direção à esquerda requer especial cuidado e, para facilitar tal manobra, a condutora do veículo VO teria naturalmente de se deslocar até à intersecção da E.N.

  14. Atente-se que a testemunha E… até disse que não viu resíduos na via e que o carro ficou onde levou a pancada! Ora, se isto não é pura violação das regras da experiência é, pelo menos, passar a todos os sujeitos processuais um atestado de menoridade e incompetência, pelo que, nenhum juízo de bom senso e serenidade poderá conferir credibilidade ao depoimento da testemunha E….

  15. Apesar da disparidade das declarações recolhidas, é possível ter uma certeza: estava bastante trânsito na EN nº .. na hora em que se deu o embate e a mudança de direção à esquerda por parte da condutora do veículo VO de forma alguma seria uma manobra fácil e teria de ser feita com alguma precaução.

  16. A condutora do veículo VO poderia ter agido de outro modo, de forma a evitar o embate, uma vez que se afere do depoimento de grande parte das testemunhas que a manobra de mudança de direção à esquerda não era uma manobra fácil de executar, pelo que, se a condutora tivesse efetuado a manobra de direção à direita e contornado a rotunda mais abaixo o embate não teria sucedido.

  17. Deve, assim, o tribunal dar como provada a matéria de facto dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 7.º da base instrutória e como não provada a dos artigos 25.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º e 32.º da mesma.

  18. Se assim não se entender, sempre estaremos perante duas versões distintas do sinistro e mostram-se preenchidos os requisitos de que depende a responsabilidade pelo risco, sendo que o tribunal a quo deu como provado que a condutora do veículo VO tinha a direção efetiva do veículo, conduzindo-o no seu interesse, apesar de não ser a sua proprietária, pelo que, nos termos do nº 1 do artigo 503.º do CC, impenderia sobre a mesma a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados...

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