Acórdão nº 467/11.1GBAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Junho de 2013
Magistrado Responsável | CACILDA SENA |
Data da Resolução | 26 de Junho de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO No processo supra identificado, foi submetido a julgamento, A...
, completamente identificado nos autos, e condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos arts 153º nº1 e 155º, nº1, l. a) por referência ao artº 131º do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz um quantitativo global de €850,00 (oitocentos e cinquenta euros).
* Inconformado com o assim decidido, veio o arguido recorrer, extraindo da respectiva motivação as seguintes * Conclusões: 1 – A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao decidir como decidiu os factos considerados como provados nos números 1, 2 e 3. Efectivamente: 2 – Quanto ao ponto 1, deveria ter sido dado como provado que: a) No dia 25 de Maio de 2011, cerca das 14 horas o arguido não efectuou qualquer chamada do telemóvel com o cartão nº (...) para o telemóvel com o nº (...); b) o telemóvel com o cartão nº (...) não é propriedade do Arguido.
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o assistente não é proprietário do telemóvel com o nº (...); d) o assistente não recebeu nos aludidos dia e hora qualquer chamada do arguido, O que se impõe, Face à inexistência de qualquer documento que prove que o assistente seja titular do número de telemóvel (...), bem como também da existência de qualquer documento que prove que o arguido tenha efectuado nos aludidos dia e hora a chamada através do numero (...), sem esquecer, que não estando a alegada chamada documentalmente provada, não está demonstrado que a mesma tivesse sido efectuada, tudo aliado e conjugado com os depoimentos prestados pelo Assistente ao 7m e 17 s: De imediato começou a tratar mal pousei o telefone e coloquei e coloquei em alta voz…”: Meritíssima Juiz: Qual o momento da conversa em que colocou o telemóvel em alta voz? Resposta do Assistente (ao minuto 8,55ss): “Já estava de orelha guiada, como é que se vai provar isto…” e da testemunha C...
ao minuto 4 e 13s e ss refere: “… toca o telefone e o Sr. B...… colocou e telefone em alta voz”, e, a instâncias do Mandatário do Arguido: Há quanto tempo conhece o arguido? Testemunha: Sr. A...? Não conheço (minuto 9 e 45s); Mandatário do Arguido: Quem fez a chamada? Conhece a voz dele? Testemunha: Não afirmei que foi o Sr. A...…não conheço a voz do Sr. A..., … nunca vi o Sr. A...…não sei se era ele.
3 – Pelo que o Tribunal “A quo” por manifesta insuficiência de prova documental e contradição da testemunhal, não podia ter dado como provado o ponto 1 incorrendo assim em manifesto erro na apreciação da prova produzida, e violação dos princípios do direito probatório e do princípio “in dubio pro reo”, o que acarreta a nulidade da douta sentença nos termos do disposto nos artigos 379º nº1, alínea b) e c) e 374º nº2 ambos do CPP.
4 – Deve por sua vez, e face ao depoimento do assistente e declarações das testemunhas ser dado como provado que o assistente accionou o sistema de alta voz sem o consentimento do arguido.
5 – Tal prova e sua valoração é nula.
6 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal “A quo” violou entre outras as normas previstas nos artigos 26º nº1, 32º nº8 da Constituição da Republica Portuguesa, e artigos 125º, 126º e 127º do Código de Processo Penal e artigo 194º do Código Penal.
7 – Ao decidir como decidiu o douto Tribunal “A quo” cometeu um erro notório na apreciação da prova carreada para os autos, designadamente da prova documentada e gravada, dando como provados factos e outros como não provados que se consideram incorrectamente julgados, tudo sem esquecer uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, enfermando pois a douta Sentença também do vício previsto no artigo 410º nº2, alíneas a), b) e ) e, ainda, em clara violação do disposto nos artigos 374º nº2, o que acarreta a sua nulidade nos termos do disposto no nº 1, alíneas al. b), todos do C.P.P.
8 – Não se encontrando assim preenchido o tipo legal do crime pelo qual o Arguido vinha acusado.
9 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal “A quo” não se encontra devidamente fundamentada, ou seja, peca por uma incorrecta interpretação e análise crítica da prova produzida em Audiência de Julgamento, de acordo com o princípio de livre apreciação da prova, e em absoluta inobservância dos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, nomeadamente quanto aos factos dados como provados e não provados, à sua fundamentação, à convicção formada e à aplicação do direito, enfermando, consequentemente, erro no julgamento da matéria de facto ao decidir como decidiu.
10 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal “ A quo” não fez uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada e não provada, pelo que, obviamente, devia ter decidido de forma diversa.
11 – O Tribunal “A quo” ao não fazer uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada violou (nomeadamente) o disposto nos artigos 153º nº1 e 155 nº1 alínea a), ambos do Código Penal e artº 374º nº2 do Código Penal.
Termos em que, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser dado provimento ao presente Recurso, e em consequência ser a douta Sentença revogada e substituída por outra que absolva o Arguido, pela prática do crime de ameaças agravadas, previsto e punido pelos artigos 153º nº1 e 155º nº1 alínea a), do Código Penal, tudo com as legais consequências.
* O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, concluindo que a sentença não padece de qualquer vício nem invalidade e que a prova foi julgada de acordo com a regra do artº 127º do CPP, não merecendo a decisão recorrida qualquer reparo.
* O recurso foi recebido.
Já neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto a quem os autos foram continuados, emitiu fundado Parecer, no sentido do improvimento.
* Corridos os vistos e realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.
* II – FUNDAMENTAÇÃO Após a realização da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 25 de Maio de 2011, cerca das 14h o arguido ligou do telemóvel com o cartão n.º (...) para o telemóvel com o n.º (...), propriedade do ofendido B...
quando este se encontrava nas instalações do restaurante X..., sito em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal.
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Após o ofendido ter atendido a chamada, o arguido disse-lhe, de forma séria e convicta: “Oh B..., eu devo-te alguma coisa? Mandaste para aqui uma carta de um advogado… Tu vais aparecer morto numa valeta, com formigas nos olhos. E eu vou contratar um cigano para te dar dois tiros nos cornos”, querendo com isso dizer que lhe havia de tirar a vida.
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O arguido agiu com a intenção de provocar receio e inquietação no ofendido, pretendendo condicionar-lhe a sua liberdade e sabendo ser o seu comportamento previsto e punido por lei.
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O arguido não tem antecedentes criminais.
* Foram estes os factos provados, mais nenhum outro se provou com relevância para a decisão da causa.
* Os demais factos, não especificamente dados como provados ou não provados estão em oposição ou constituem a negação de outros dados como provados ou não provados, ou contém expressões conclusivas ou de direito, ou são irrelevantes para a decisão da causa.
* O tribunal fundamentou a sua convicção acerca da matéria de facto, nos seguintes termos: A convicção do tribunal para dar tais factos como provados alicerçou-se na análise e ponderação crítica de toda a prova produzida em sede de julgamento.
Assim, relativamente aos factos dados como provados no que concerne à localização, data e recepção da chamada telefónica, o tribunal valorou as declarações do próprio ofendido (constituído assistente) e das testemunhas que com ele se encontravam a almoçar: C..., D...e E... as quais foram unânimes em descrever e situar tais factos. A propriedade do número de telefone encontra-se documentada a fls. 145 e 156 dos autos. Ademais, o próprio assistente declarou que aquele número de telefone sempre foi por si utilizado para falar com o arguido, como gerente da empresa “ A..., empreiteiros, Lda.”, ao longo de 10 anos de relações comerciais havidas entre ambas as empresas (pois que o assistente é também gerente de uma empresa).
Já no que tange ao conteúdo da conversa telefónica a mesma foi relatada, de uma forma circunstanciada, pelo assistente, com pormenor e exactidão, esclarecendo o contexto das relações comerciais havidas entre as empresas que ambos gerem (assistente e arguido) – a existência de uma dívida da empresa do arguido e da emissão de uma factura, não paga pela empresa do arguido e respectiva devolução e subsequente envio de uma carta cobrança pelo advogado da empresa do assistente – contexto esse que tem inteira correspondência com o teor do diálogo do arguido e que o assistente soube descrever. Por outro lado, o assistente relatou as expressões proferidas pelo arguido com segurança e certeza, de uma forma coerente e séria, adoptando uma postura franca e sincera em julgamento, motivo pelo qual mereceu a credibilidade do tribunal.
Quanto aos depoimentos das testemunhas sobre o teor da conversa telefónica entendemos que, dada a forma como as testemunhas adquiriram tal conhecimento (o assistente colocou a chamada em “alta voz” sem o consentimento do arguido) as mesmas se intrometeram numa conversação telefónica sem que o interlocutor (arguido) tivesse conhecimento e houvesse consentido na escuta por terceiras pessoas pelo que este tipo de conhecimento, assim adquirido, por constituir uma intromissão indevida...
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