Acórdão nº 6914/10.2TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA AMÁLIA SANTOS
Data da Resolução11 de Abril de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 6914/10.2TBMTS.P1 – Apelação 2ª Tribunal Judicial de Matosinhos Relatora: Maria Amália Santos 1º Adjunto: Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida 2º Adjunto: Desembargador José Amaral* Acordam no Tribunal da Relação do Porto: *B......., residente na Avenida …., n.º …, …, …, … Matosinhos veio intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário contra "C......., Lda", com sede na Travessa …., n.º …, …, …., …. Matosinhos, e estabelecimento comercial na Rua …, n.º …, …, …. Matosinhos, pedindo a condenação da Ré a eliminar os defeitos construtivos da fracção “R”, sita na Av. …., n.º …, 2º esq. Frente, Matosinhos, descritos no articulado inicial. Em alternativa, pede a condenação da Ré a pagar à Autora uma indemnização para eliminação dos defeitos a apurar em execução de sentença. Independentemente, pede a condenação da Ré a eliminar ou suportar os prejuízos decorrentes do agravamento dos defeitos construtivos descritos no petitório.

Alega para o efeito que é legítima dona e proprietária da fracção autónoma “R”, correspondente a uma habitação no segundo andar esquerdo frente e na cave a um lugar de estacionamento e arrumos, com entrada pela Avenida …. n.ºs ..1 e ..3, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número 2137.

A Ré dedica-se à construção de imóveis e, no exercício da sua actividade construiu o prédio sito na Avenida …. nºs ..1 e ..3 e Rua …. nºs ../.., na freguesia e concelho de Matosinhos, doravante designado por “Edifício D.......”.

O referido prédio foi constituído em regime de propriedade horizontal, sendo que após tal operação a Ré vendeu à Autora a fracção autónoma acima identificada.

Sucede que a fracção “R” apresenta graves defeitos de construção que foram comunicados à Ré em 5 de Novembro de 2009 por carta registada com aviso de recepção. A Ré acusou a recepção da carta a 9 de Novembro de 2009 e requereu que a Autora indicasse dia e hora para enviar um responsável para verificar e analisar tecnicamente os problemas denunciados.

No dia 06.01.2010, um técnico visitou a fracção, tendo constatado a existência dos defeitos reclamados pela Autora e assumido a obrigação de os reparar. Mais transmitiu à Autora que se iniciariam as obras de reparação na próxima Primavera e que esta seria contactada pela Ré para agendarem a data do inicio das obras de reparação.

Como em Junho ainda não tinha sido contactada pela Ré, a Autora enviou nova missiva, dando conta de que aguardava que se iniciassem as obras. Essa carta veio devolvida, pelo que a Autora voltou a enviar nova missiva a 2 de Julho de 2010, insistindo para que se iniciassem as reparações. Apesar de recepcionar essa carta, a Ré não voltou a contactar a Autora.

Em toda a fracção da Autora se verifica que o pavimento de madeira foi deficientemente aplicado, posto que as réguas de madeira apresentam espaçamentos anormais e irregulares entre si. Na cozinha constata-se a existência de uma fissura no tecto, bem como fissuras nos azulejos junto à porta da marquise.

Na sala verificam-se infiltrações sob a janela e marcos descolados, fissuras nos tectos e paredes, bem como uma falha no funcionamento da porta janela que não corre devidamente. No quarto menor verifica-se a existência de defeito no “black out” que abre apenas até meio. Na suite o pavimento está manchado e os tectos e paredes encontram-se fissurados. No hall de entrada existem fissuras nas paredes e reboco deficientemente aplicado. Na varanda constata-se a existência de tijoleiras na parede partidas.

*Regularmente citada a Ré apresentou contestação.

Alega que a fracção "R" obteve licença de utilização em 16 de Junho de 2005, tendo sido entregue à Autora em 23 de Agosto de 2005, no acto da outorga da escritura de compra e venda. Antes da entrega a Autora verificou o estado de construção e acabamentos da fracção, sendo que a aceitou sem reserva ou reclamação.

Concretamente, antes de 23 de Agosto de 2005, a Autora verificou como estava aplicado o pavimento de madeira, e espaçamento entre réguas, a colocação da madeira desse pavimento e o resultado da aplicação do reboco nas paredes. No pavimento da suite e na data da entrega não existia qualquer mancha. A Autora não denunciou estes alegados defeitos nem no acto da entrega – 23 de Agosto de 2005 – nem até 5 de Novembro de 2009. A Autora apenas denunciou estes defeitos bem como os demais por carta datada de 5 de Novembro de 2009 e só interpôs a presente acção em 3 de Novembro de 2010, sendo que a Ré vistoriou a citada fracção em 6 de Janeiro de 2010 para poder concluir se eram defeitos de construção ou estruturais ou, ainda, se derivaram de falta de cuidado no uso ou de omissão de necessária conservação.

Por outro lado, a Ré não construiu o prédio que integra a fracção, antes adjudicou essa construção a terceiro, mediante contrato de empreitada, limitando-se a ser a promotora imobiliária do prédio e a vendedora das fracções.

Ora, quanto aos defeitos não aparentes, a Autora devia ter interposto a presente acção no prazo de 6 meses a contar da data em que conheceu o defeito – 5 de Novembro de 2009 - ou, quando muito, da data da vistoria que a Ré efectuou – 6 de Janeiro de 2010 -, face ao que dispõe o art. 917 do CC.

Quanto aos defeitos aparentes - necessariamente conhecidos na data da entrega da fracção - deveria a Autora ter interposto a acção no prazo de 6 meses a contar da entrega - 23 de Agosto de 2005 - face à omissão de denuncia, atento o disposto no art. 917 do CC – caso não se entenda que se aplica, por interpretação extensiva ou analógica, o art. 1219 do CC a determinar a não imediata responsabilidade da Ré.

Por fim, a Ré deveria ter interposto a acção até 23 de Agosto de 2010, porquanto o prazo de garantia quanto à eliminação de defeitos é de 5 anos conforme se prescreve no n.º 3 do art. 916 e no art. 1225 do mesmo texto legal, por interpretação extensiva ou analogia.

Assim, caducou à Autora o direito à pretendida eliminação de defeitos, bem como caducou o direito à peticionada indemnização.

Mais alega que os defeitos aparentes invocados pela Autora nunca poderiam ser de construção, se fossem visíveis apenas após 4 anos da entrega, ou seja à data da referida denúncia. Neste caso, sempre seriam estruturais, ou seja, teriam sido executados e aplicados segundo as boas técnicas construtivas, mas sujeitos a comportamentos normais face ao tempo, ao arejamento ou ausência dele, aos movimentos telúricos e à matéria de que eram compostos.

Os demais defeitos não aparentes, à excepção das fissuras no tecto e paredes, foram provocadas exclusivamente pelo uso menos cuidado e pela omissão de actos de conservação da Autora.

Quanto àquelas fissuras trata-se de defeito estrutural, motivado somente pelo tempo, textura do material, movimentos telúricos, isto é, não se trata de defeito construtivo, porquanto as paredes e tecto foram construídos e acabados segundo as melhores práticas de execução e com os materiais adequados.

A Ré nunca reconheceu o denunciado como defeitos construtivos e nunca assumiu qualquer encargo de os reparar.

*Notificada da contestação, a Autora apresentou resposta.

Alega que só constatou a existência dos defeitos na data em que procedeu à sua denúncia, sendo que, a existirem em data anterior, no que não se consente, tratavam-se de defeitos ocultos, não detectáveis por qualquer pessoa normal, não especializada na área, mesmo usando de normal diligência.

Alega que a Ré é responsável nos termos do art. 1225 n.º 4 do CC, aplicando-se o prazo do art. 1225 n.º 2, pelo que acção foi instaurada antes do decurso do prazo.

Finalmente, alega que a Ré reconheceu a existência dos defeitos de construção reclamados pela Autora, constituindo a invocação da caducidade um verdadeiro abuso de direito, que se manifesta num “venire contra factum proprium”.

* Foi proferida Decisão que julgou a acção totalmente procedente por provada e, em consequência: a) condenou a Ré a eliminar os defeitos construtivos da fracção "R", sita na Avenida …., n.º …1, ….., Frente, em Matosinhos, descritos nos números 14 a 25 da "Fundamentação de Facto"; e, b) condenou a Ré a eliminar o agravamento do defeito descrito no número 24 da "Fundamentação de Facto".

* Não se conformando com a decisão proferida, veio a ré dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: 1.A presente acção caducou.

  1. Caducou porque foi interposta depois de decorrido o prazo de 6 meses a contar da data em que a Autora denunciou os defeitos à Ré relativos à fracção dos autos.

  2. E, caducou porque se presume que a Autora não denunciou os defeitos no prazo de um ano a contar do conhecimento deles.

  3. Em qualquer caso de caducidade, o douto Acórdão recorrido não aplicou, como devia ter aplicado, o n.º 4 do art. 921º do C. Civil.

  4. Ao invés, aplicou erradamente o consignado nos art. 917º e 1225º-4 do C. Civil.

  5. Temos como assente que a Ré promoveu a construção do prédio do qual faz parte a fracção dos autos que vendeu e entregou à Autora em 23 de Agosto de 2005, que a denúncia dos defeitos foi feita em 5 de Novembro de 2009, que esses defeitos se extraem das fotografias juntas aos autos nessa época, que essa denuncia foi recebida pela Ré em 9 de Novembro de 2009, que a acção foi interposta em 3 de Novembro de 2010 e que não se provou a data exacta em que a Autora teve conhecimento dos defeitos.

  6. Atendendo à qualidade em que a Ré interveio no negócio, como promotora da construção e não como empreiteira, aplicam-se os normativos referentes à venda de coisas defeituosas.

  7. Face ao disposto no art. 916º do C. Civil, a denúncia pode ser feita no prazo de 5 anos desde que dentro do período de um ano a contar do inicio do conhecimento deles.

  8. E, perante o consignado no n.º 4 do art. 921º do C. Civil, a acção para a eliminação dos defeitos caducou por não ter sido interposta no prazo de 6 meses a contar da data em que a denúncia foi efectuada.

  9. ...

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