Acórdão nº 306/12.6TTVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 306/12.6TTVFR.P1 Apelação Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 623) Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto Des. António José Ramos Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, litigando com o benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, apresentou requerimento de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (art. 98º-C do CPT, na redação do DL 295/2009, de 13.10) contra Associação Humanitária Bombeiros Voluntários …, juntando decisão escrita do alegado despedimento com invocação de justa causa de 25.02.2012[1].

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento (art. 98º-J do CPT), invocando a exceção da incompetência em razão da matéria do Tribunal do Trabalho, mais alegando, pelos fundamentos que invoca, a existência de justa causa para o despedimento e deduzindo ainda oposição à reintegração.

Relativamente à incompetência material do tribunal, alegou que, “aos bombeiros, logo, ao contrato de trabalho que ligava o Autor e a Ré” se aplica o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, constante da Lei 58/2008, de 09.12, dispondo o seu art. 59º que os atos proferidos em processo disciplinar são judicialmente impugnáveis, nos termos dos arts. 63º a 65º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.

Juntou o procedimento disciplinar.

O A. apresentou contestação/reconvenção.

Quanto à invocada exceção da incompetência material do Tribunal do Trabalho, dela discordando, alega em síntese que: aos 01.02.2007 celebrou com a Ré contrato de trabalho a termo certo, no qual se estabelecia que era celebrado de harmonia com o estipulado na Lei nº 99/2003 de 27 de agosto, data a partir da qual, embora desempenhando as funções de bombeiro, passou a ser trabalhador da Ré, sendo-lhe por esta paga a respetiva retribuição mensal e efetuando descontos para a Segurança Social; os bombeiros assalariados regem-se pelo Código do Trabalho, na medida em que o vínculo que está na origem da relação laboral, é um contrato individual de trabalho e não um contrato de trabalho em funções públicas; simultaneamente, e já desde 1996, passou a ser bombeiro voluntário da Ré; a esta relação de voluntariado aplica-se o Decreto-Lei nº 247/2007, de 27 de junho, bem como a Portaria nº703/2008, de 30 de julho e que os Bombeiros Voluntários têm dois vínculos com a Associação: um de direito privado, a relação laboral propriamente dita, sendo competente o Tribunal do Trabalho e a Lei Laboral; outra de direito público, enquanto voluntários, sendo em última instância, o Tribunal Administrativo o competente, concluindo que um bombeiro não pode ser punido duas vezes pela mesma conduta e que segundo o enquadramento da Ré, os factos vertidos na motivação, ter-se-ão verificado quando o Autor se encontrava a exercer as suas funções como assalariado da AHBV … e não quando integrado nas escalas de voluntariado organizadas pelo Comandante do Corpo de Bombeiros para o serviço de voluntariado; os factos imputados na nota de culpa culminaram no despedimento com invocação de justa causa, regendo-se pelo Código do Trabalho e sendo o Tribunal do Trabalho o tribunal materialmente competente para apreciação da impugnação judicial desse despedimento.

No mais, e em síntese, alega que o contrato de trabalho celebrado aos 01.06.2009 o foi quando o A. se havia tornado trabalhador efetivo, pelo que deve ser considerado “inexistente”, devendo, por maioria de razão, ser dada sem efeito a comunicação, efetuada pela Ré aos 23.02.2012, da caducidade desse contrato.

O despedimento dever ser considerado ilícito quer por nulidade do procedimento disciplinar, quer por caducidade do exercício da ação disciplinar, quer por inexistência de justa causa.

Termina formulando os seguintes pedidos: “a) Ser declarado competente este Tribunal do Trabalho; b) Ser declarada a ilicitude do despedimento, nos termos dos artigos 20º a 68º do presente articulado; ou caso assim não se entenda, c) Ser declarada a ilicitude do despedimento; d) Ser declarado inexistente, e sem nenhum efeito legal, o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a Ré e o A. em 01/06/2009; e) Ser a Ré condenada a pagar-lhe, por opção do A., a indemnização por despedimento; f) Ser a Ré condenada a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde Fevereiro de 2012 até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo do artigo 98º-N, nºs 1 a 3 do CPT; g) A pagar ao A. as prestações pecuniárias vencidas desde 30 dias antes da data da propositura da acção no montante de € 617,40.

Ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar ao A.: a) A quantia de € 7.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; b) As custas e procuradoria.” A Ré respondeu alegando, em síntese, que: nos termos da Portaria 703/2008 e art. 37º, nº 1, do DL 241/2007, os bombeiros voluntários, ainda que com contrato individual de trabalho celebrado com a entidade detentora do corpo de bombeiros, estão no que se reporta às infrações cometidas no exercício da atividade de bombeiro, sujeitos ao Estatuto Disciplinar dos Bombeiros Voluntários, aprovado pela mencionada Portaria e subsidiariamente, ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas; o último contrato celebrado com o A. é o contrato válido à data da cessação da relação laboral por facto imputável ao A., sendo que o anterior cessou por acordo das partes com a celebração do contrato de Junho de 2009; o A. tinha dois vínculos com a R., um como voluntário, outro como profissional, os quais são distintos e independentes um do outro.

No mais, refuta o alegado pelo A..

Após, a Mmª Juíza proferiu decisão a declarar a incompetência material do Tribunal do Trabalho e a absolver a Ré da instância.

Inconformado, veio o A. recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: 1. Afigura-se ao recorrente que há outros factos pertinentes para a apreciação da questão em apreço, comprovados documentalmente, que são: a) O recorrente foi admitido ao serviço da Ré em 01.02.2007 mediante a celebração de contrato individual de trabalho a termo certo, celebrado de harmonia com o estipulado na Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (Código do Trabalho vigente à data); b) Tendo sido atribuída ao recorrente a categoria profissional de motorista; c) Depois de se ter tornado efectivo, em 01.06.2009 é celebrado novo contrato individual de trabalho a termo certo entre a recorrida e o recorrente, como bombeiro profissional assalariado, integrado numa EIP; d) Na cláusula 7º do segundo contrato de trabalho consta expressamente que “o presente contrato terá o seu início no dia 01.06.2009 e terá a duração de um ano, nos termos do Código de Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro …”.

  1. Na cláusula 10º do contrato de trabalho referido em 3., consta ainda que “no omisso regem as pertinentes disposições do Código do Trabalho ..”.

  2. o recorrente foi alvo de processo disciplinar enquanto voluntário - processo instruído pelo Comandante …, C… -, no âmbito do qual lhe foi aplicada pelo Comandante da Ré a pena de demissão, pelos factos constantes da nota de culpa junta aos autos; g) pelos mesmos factos, e em simultâneo, foi instaurado ao recorrente, enquanto trabalhador assalariado e com base no vínculo laboral, instruído pelo mandatário da recorrida, outro processo disciplinar que culminou com a aplicação pela Direcção da Ré, da sanção de despedimento daquele.

  1. Estabelece o artigo 118º, alínea b) da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais que compete ao Tribunal do Trabalho “as questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”.

  2. A noção de contrato de trabalho contida no artigo 1152º do CC, define-o como “um contrato pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.

  3. Também o artigo 11º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “noção de contrato de trabalho”, define este como sendo “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

  4. Ora, de acordo com esta noção de contrato de trabalho e os factos constantes dos autos, não podem restar quaisquer dúvidas quanto à existência de uma relação laboral entre as partes, pois que se constata que o recorrente estava sob a subordinação jurídica da Ré, que exercia a sua actividade profissional por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização daquela, mediante o recebimento de uma contrapartida pecuniária certa, prédeterminada e mensal, com períodos e horários de trabalho antecipadamente definidos, isto é, de um verdadeiro e genuíno contrato de trabalho subordinado celebrado com a Associação humanitária dos Bombeiros Voluntários …..

  5. De facto, desde 01.02.2007, o recorrente sempre exerceu funções de motorista (conduzindo viaturas e transportando pessoas e objectos) ao serviço e sob a direcção da Ré, ainda que no âmbito da sua qualidade de bombeiro profissional. Porque as funções de motorista efectivamente exercidas pelo recorrente se inseriam na sua qualidade de Bombeiro, é que se alegou na contestação, que aquele sempre desempenhou funções de Bombeiro (enquanto motorista)! 7. Sendo certo que, em momento algum se alega que o recorrente não exercia efectivamente funções inerentes à categoria profissional de motorista, ao serviço da Ré! Pretendeu-se salientar apenas que, apesar de ser motorista, o recorrente exerceu sempre funções de bombeiro! E mesmo após a celebração do segundo contrato de trabalho a termo certo, o recorrente continuou, ainda que tenha cumulado com outras tarefas, a...

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