Acórdão nº 7875/05.5TBCSC.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução29 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO “A”– COMPANHIA DE SEGUROS, S.A com sede na Rua …, em Lisboa, intentou contra “B”, COMÉRCIO, REPARAÇÃO DE VEÍCULOS MOTORIZADOS, UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua …, a acção declarativa sob a forma de processo comum sumária, através da qual pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.816,61 acrescida de juros de mora, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de o seu segurado ter deixado o veículo seguro para reparação na oficina da ré e que, quando o mesmo foi levado para experimentar por um funcionário da ré, este deixou o veículo estacionado na rua e foi almoçar, tendo tal veículo sido furtado, com o que teve de indemnizar o seu segurado pelos danos, de harmonia com o que com este havia sido acordado.

Citada, a ré contestou, admitindo que o veículo foi levado para experimentar, mas alegou que tal ocorreu por indicação do seu proprietário que o autorizou, sendo alheia aos danos sofridos pelo veículo que foram causados por um terceiro.

Proferido que foi o despacho saneador, abstendo-se o Exmo. Juiz a quo de fixar, quer a matéria assente, quer a base instrutória, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Face ao exposto, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a R. “B”, COMÉRCIO, REPARAÇÃO VEÍCULO MOTORIZADOS, UNIPESSOAL, LDA. a pagar à A. “A” – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a quantia de €10.816,61 (dez mil, oitocentos e dezasseis euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos desde a citação (24-4-2006) e vincendos até integral pagamento.

Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i. A recorrente não se conforma com o entendimento perfilhado pelo douto tribunal a quo, uma vez que, ao contrário do entendido, logrou a Ré provar que o sinistro não ocorreu por culpa sua, ilidindo assim a presunção que sobre si recaía.

ii. Devendo, desse modo, considerar-se exonerada a Ré da obrigação de guarda e restituição da coisa depositada, nos termos do disposto na alínea c) do art. 1187.º do Código Civil.

iii. A discórdia com o sentido da sentença proferida pelo douto tribunal a quo iniciasse com a interpretação por este efetuada na subsunção dos factos dados como provados às normas legais aplicáveis.

iv. Na sua fundamentação, a sentença recorrida acaba por retirar dos factos provados, conclusões que os mesmos não permitem. Assim: v. Ficou provado que “6. A dada altura, parou para almoçar, no Centro Comercial …, onde estacionou o veículo, no passeio exterior daquele Centro Comercial.” vi. Tendo a sentença recorrida concluído que “(…) o empregado da R. deixou o veículo na rua, sem vigilância, enquanto parou para almoçar (…)”– sublinhado nosso.

vii. Do mesmo modo, ficou provado que “5. (…) o funcionário da Ré foi dar uma volta com o motociclo, para o experimentar, com vista a verificar se este se encontrava em boas condições, levando-o para o exterior da oficina da R.” – sublinhado nosso.

viii. Tendo a douta sentença concluído que “(…) o veículo não saiu da oficina para ser experimentado e voltar de imediato. Pelo contrário, foi utilizado por funcionário da R. que nele se deslocou para almoçar aproveitando a circunstância de o experimentar.” ix. Ora, dos factos provados não resulta materialidade suficiente para se poder concluir nos termos em que o fez a sentença recorrida.

x. O funcionário da Ré utilizou a coisa depositada com autorização do depositante, pelo que neste ponto não existe qualquer comportamento merecedor de censura.

xi. Conforme ficou provado, o que levou à utilização do veículo e sua deslocação para o exterior da oficina foi a necessidade de experimentar o veículo para verificar se o mesmo se encontrava em condições, e não a necessidade de almoçar.

xii. Encontrando-se o mesmo no exercício das suas funções quando se aproximou a hora de almoço, acabou por almoçar, sem que daí se possa retirar qualquer comportamento suscetível de negligenciar o dever de guarda e/ou facilitar o sinistro ocorrido.

xiii. Não existe nos factos provados materialidade suficiente para na douta sentença se ter fundamentado que o veículo foi utilizado para o funcionário ir almoçar, ou ainda que o deixou na rua sem vigilância.

xiv. Não se verifica aqui um comportamento do funcionário negligente ou diverso do que empregaria um bom pai de família.

xv. Na utilização que fez do veículo, o funcionário, não usou de qualquer comportamento negligente de condução ou violação das normas do Código da Estrada.

xvi. Ao estacionar o veículo junto ao Centro Comercial …, fê-lo nos mesmos termos exigidos para um bom pai de família, tendo-o deixado em segurança, desligado e sem a chave.

xvii. Abstendo-se ainda de o estacionar numa rua deserta ou com menor movimento, tendencialmente mais propícia à ocorrência de um furto.

xviii. O furto, é um acontecimento imprevisível, não devendo a R. ter atuado com outra diligência, senão aquela com que atuou.

xix. Ao demonstrar ter empregue o zelo e cautelas que seriam exigíveis a quem fosse colocado na posição do funcionário, ilidiu a Ré a presunção de culpa que lhe competia.

xx. As conclusões constantes da fundamentação não encontram suporte material nos factos provados, pelo que não poderia a sentença terminar decidindo como decidiu.

xxi. Conforme se pode ler em Galvão Telles, Obrigações, 3, 313, in Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 24.10.1995, processo n.º087094, na exoneração de culpa da Ré, é necessário provar, “(…) pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa diligente".

xxii. E, as circunstâncias que mediaram o furto ocorrido no presente caso são assertivas e demonstram com clareza que não houve um comportamento negligente do funcionário da R., tendo o mesmo atuado com a diligência imposta pelo bonus pater familias.

xxiii. De tudo o que se expôs não pode deixar de se concluir que errou a sentença recorrida na apreciação dos factos provados, tendo retirado dos mesmos conclusões superiores àquelas que os mesmos permitem, tendo consequente e erradamente, efetuado um juízo de censura sobre a conduta do funcionário da Ré.

xxiv. Razões pelas quais não poderá ser outro o sentido da sentença senão o de absolver a Ré do pedido contra si efetuado.

xxv. Sem prejuízo do que se expôs, só por si o furto é considerado um acontecimento de força maior que, atenta a sua imprevisibilidade, tem...

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