Acórdão nº 457/08.1TMSNT.L2-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS MARINHO
Data da Resolução25 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO Vítor e Helena, com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram acção declarativa de condenação com processo sumário contra Graciete e Fernando, neles melhor identificados, pedindo, em tal sede: a) que fosse declarada a caducidade do contrato de arrendamento referido no artigo 3.º da petição inicial, por óbito da mãe da Ré; b) que os Réus fossem condenados a entregar-lhes o andar objecto do mesmo contrato, livre e devoluto de pessoas e bens; c) que os Demandados fossem condenados a indemnizá-los pelos danos causados pela não entrega do andar, os quais, à data da instauração da acção, ascendiam a € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), devendo acrescer a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) por cada mês de atraso, a contar desde a data de interposição da acção até à entrega efectiva da fracção, sendo tais montantes adicionados de juros legais desde a citação até efectivo pagamento, bem como da quantia de € 50,00 (cinquenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega do andar, descontada de qualquer quantia que os Réus demonstrem ter sido por eles paga aos Demandantes.

Alegaram, para o efeito, que: o Rés-do-chão do prédio de que são proprietários, melhor descrito no primeiro articulado, foi dado de arrendamento a Júlio por contrato escrito datado de 9/8/59; por óbito deste, tal contrato transmitiu-se a Mariana, com a qual o mesmo era casado; esta faleceu no dia 16.12.2006; a Ré, que participou ao Autor o óbito da mãe – a aludida viúva – sustentou ter direito à transmissão do arrendamento por ter sempre vivido na sua companhia, o que não foi aceite pelo Demandante, sendo que não foi feita prova do preenchimento de qualquer condição pressuponente da transmissão pretendida; os Réus, interpelados para o efeito, não entregaram o imóvel aos Autores; se a fracção lhes tivesse sido restituída após o óbito da mãe da Ré, obteriam a renda mensal de € 500,00.

A Demandada contestou a acção sustentando a respectiva improcedência e pedindo a sua absolvição de todos os pedidos. Alegou, em tal âmbito, que: só o Autor é dono da fracção autónoma mencionada na petição inicial; residiu com a sua mãe na aludida fracção, o que comunicou aos Autores; vem vivendo na mesma desde há cerca de cinquenta anos; tem incapacidade funcional que foi fixada por Junta Médica em 68%; a habitação encontra-se em total estado de degradação, nunca podendo ser arrendada pela renda de 500,00 Euros mensais.

Foi homologada por sentença a desistência do pedido relativamente ao segundo Réu.

Foi proferida sentença que viria a ser anulada por este Tribunal em sede de recurso, tendo o mesmo determinado a ampliação da matéria de facto constante da base instrutória.

Foi realizada a instrução, discussão e julgamento da causa, tendo sido proferida sentença contendo a seguinte parte decisória: “Pelo exposto julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em conformidade: 4.1 Declaro caducado o contrato de arrendamento de que os Autores são senhorios, relativo ao rés-do-chão e anexo, do prédio urbano sito na (…) Queluz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz, sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º; 4.2 Condeno a Ré, Graciete, a entregar aos Autores o referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens; 4.3 Condeno a Ré a pagar aos Autores as retribuições mensais devidas, até ao trânsito em julgado desta sentença ou até à entrega da fracção se essa entrega for anterior à data do trânsito da decisão; 4.4 Condeno a Ré a pagar aos Autores, a título de indemnização, o valor da retribuição mensal em vigor na data da extinção do contrato, por cada mês que decorra entre a data do trânsito em julgado da sentença e a data em que a Ré entregue o locado; 4.5 Condeno a Ré no pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos, contados às taxas legais supletivas, desde a data de vencimento de cada retribuição não paga, até efectivo e integral pagamento; 4.6 No mais, absolvo a Ré do pedido.» É desta sentença que vem o presente recurso interposto por Graciete, que alegou e apresentou as seguintes conclusões: «A) A Ré, ora Apelante, impugna neste recurso, a resposta negativa à matéria de facto constante dos arts. 12º que foi aditado por esse Tribunal Superior, ou seja, a matéria relativa à prova do facto de que a Ré, desde criança sofre de uma incapacidade permanente global de 68%; B) Entende a Ré e ora Apelante, que o tribunal a quo deveria ter fundamentado a sua decisão não só no Relatório Pericial e Atestado Multiuso mas também nos documentos requeridos na base probatória que aquela juntou atempadamente aos autos; C) Além de que, no referido Relatório Pericial nada consta quanto a tais elementos probatórios que a Ré, ora Apelada requereu que fossem juntos para análise do referido Perito; D) Erradamente também, aquando da realização da peritagem médica foi aplicada a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, o D. L. nº 352/2007 de 23 de Outubro que entrou em vigor em 23 de Janeiro de 2008.

  1. Devendo assim tal peritagem médica ter aplicado a tabela de incapacidades prevista no referido D.L. 341/93 de 30 de Setembro, legislação que se encontrava em vigor à data do decesso da mãe da ora Apelante; F) Devendo assim aceitar-se que a ora Apelante possui um Atestado que comprova a sua incapacidade superior a 60% como exige a lei e tal atestado foi comunicado ao Senhorio ainda dentro do prazo legal ou a Perícia Médica teria que ser realizada com todos os dados médicos da ora Apelante e ainda à luz da Tabela de Incapacidade à data dos factos que se pretende caracterizar.

  2. Ao aplicar como o fez a aliás douta Sentença o artº 57º do RNAU ao caso da Ré ora Apelante, veio frustrar de modo intolerável as expectativas da transmissão do arrendamento a favor das pessoas que face ao art.º 85º do RAU, legitimamente esperavam a materialização desse direito, designadamente os descendentes, fora das situações previstas nesse artigo; H) É assim a ora Apelante de opinião de que ocorre inconstitucionalidade do referido artº 57º do RNAU, por ofensa aos princípios da confiança e da igualdade dimanados pelos artºs 2º, 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa.

  3. Deverá assim declarar-se a transmissão do arrendamento para a Ré ora Apelada.

  4. Deverá assim alterar-se a douta Sentença de acordo com a fundamentação supra referida, só assim se fazendo JUSTIÇA».

Vítor e outra responderam a estas alegações concluindo que: «1.° - A decisão recorrida encontra-se fundamentada, nomeadamente no relatório pericial, no atestado multiuso e em todos os documentos e exames clínicos constantes dos autos, em especial os enviados pelo Centro Nacional de Pensões e pelo Hospital de Sant'Ana; 2.° - O relatório pericial incidiu e examinou toda a documentação constante dos autos, nomeadamente a referida na conclusão anterior, tendo-o feito à luz da lei aplicável; 3.° - A resposta ao quesito 12.° encontra-se fundamentada, devendo por isso manter-se; 4.° - O relatório pericial aplicou o regime legal em vigor nesse momento, por ser este o seu dever, sendo certo que, mesmo que assim não fosse, seria, para efeitos da perícia, juridicamente irrelevante a aplicação do regime constante do Decreto-Lei n.º 352/2007 ou do Decreto-Lei n.º 341/93, já que o grau de incapacidade apurado seria, em qualquer dos casos, o mesmo e que o essencial é que a perícia se reporte ao núcleo fundamental da questão ou questões que se pretendem ver esclarecidas através dela, o que, no caso presente, foi plenamente atingido; 5.° - Não pode aceitar-se, para efeitos de transmissão do direito ao arrendamento, que a Recorrente possua, à data do óbito da mãe, anterior arrendatária, uma incapacidade superior a 60%, muito menos com base no atestado multiuso, o qual deve ser considerado juridicamente irrelevante e insuficiente para efeitos da transmissão do direito ao arrendamento; 6.° - A Recorrente não é titular de expectativas que legitimem o direito à transmissão do arrendamento, mas antes de meras expectativas destituídas de protecção legal e constitucional, não constituindo, nomeadamente, qualquer direito fundamental; 7.° - O ónus da prova de que, à data do óbito da anterior arrendatária, possuía um grau de deficiência superior a 60% cabia exclusivamente à ora...

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