Acórdão nº 5747/07.8TMSNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução31 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: “A” e mulher, “B”, intentaram a presente acção contra “C” e “D”, pedindo que seja declarado nulo um contrato promessa que identificam ou, subsidiariamente, seja declarado prescrito qualquer direito dos réus emergente do mesmo contrato, e, em qualquer caso, sejam os réus condenados a restituírem aos autores o 1° andar esquerdo a que se refere tal contrato, livre e desocupado de pessoas e bens sem qualquer contrapartida para os réus, e a pagarem aos autores 300€ mensais a contar da citação até efectiva entrega do andar.

Alegaram para o efeito que em 1986 prometeram vender ao réu e este prometeu comprar-lhes aquele 1º andar por 600.000$; o edifício foi construído sem licença; a escritura de venda teria lugar 60 dias após regularização da situação; o contrato dava ao réu o direito de habitar o andar; o edifício até à presente data não tem licença de construção nem de utilização; entendem que tal configura um contrato promessa válido para a hipótese de a prestação se tornar possível por ocorrência da condição suspensiva, mas que se convolou num contrato nulo porque a condição jamais se verificou e, em consequência, o objecto da prestação permaneceu sempre um objecto legalmente impossível (invocam neste sentido o ac. do STJ publicado na CJ.XIV, tomo 2, pág. 50…), sendo que qualquer eventual direito dos réus já teria prescrito por terem decorridos mais de 20 anos desde a data da celebração do contrato. Por fim, dizem que o valor de uso do 1º andar em causa não é inferior a 300€ mensais.

Os réus contestaram em 26/09/2007, entre o mais dizendo que ainda decorrem diligências para o licenciamento do edifício; e que de 1983 a 1994 habitaram no 1º andar em causa e a partir de 1994 o arrendaram a terceiros, sempre na convicção de que são seus proprietários, por o terem prometido comprar aos anteriores proprietários e por terem já pago todo o preço. Por isso, consideram que o adquiriram por usucapião, o que pedem, em reconvenção, seja declarado, pedindo ainda que seja declarado cancelado o registo relativamente a ele logo que constituída a propriedade horizontal do edifício e feitos os registos da cada unidade habitacional; por outro lado, dizem que o 1º andar em causa vale hoje não menos de 77.007.21€, pelo que, na hipótese de o contrato vir a ser julgado sem efeito, os autores devem ser condenados a pagar aos réus este valor; dizem ainda que as condições exigidas para a formalização do contrato definitivo dependem dos autores, pelo que a invocação delas para obter a nulidade do contrato seria um abuso de direito; por fim, a declaração de nulidade determinaria a obrigação de restituição do preço não podendo por isso considerar-se caducos quaisquer direitos; terminam a contestação dizendo que, para a hipótese de o contrato promessa vir a ser considerado nulo, deve declarar-se que: a) os réus adquiriram o andar por usucapião e b) constituída a propriedade horizontal do edifício, ordenando-se o cancelamento do registo a favor dos autores no tocante à fracção que vier a ser constituída por esse 1º andar; a não se entender assim, c) devem os autores ser condenados a pagar aos réus os tais 77.007,21€ ou d) pelo menos a restituir aos réus os 6.000€ (sic) pagos.

Os autores responderam às excepção e reconvenção, impugnando o essencial da respectiva matéria e invocando a compensação de eventual direito de crédito dos réus contra os autores, com o direito destes contra os réus.

O autor entretanto faleceu e foram habilitados em seu lugar, a mulher e os dois filhos, “E” e “F”.

No saneador, o tribunal conheceu dos pedidos dos autores julgando-os improcedentes.

Os autores interpuseram recurso deste saneador-sentença – para que seja revogado e substituído por outro que julgue procedentes os pedidos - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O contrato promessa em apreço versa sobre um objecto impossível e contrário à lei, mas a obrigação de celebrar o contrato prometido foi assumida na condição de legalização camarária do prédio, pelo que deverá qualificar-se tal contrato como de promessa sujeito a condição suspensiva, válido para a hipótese de a prestação se tornar possível pela verificação de tal condição, o que não aconteceu, pelo que o contrato válido se convolou em nulo.

  1. Dado a prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva só começar a correr depois da condição se verificar, uma vez que a mesma não se verificou, tal prazo começa a correr a partir da data em que o direito puder ser exercido, ou seja a data da celebração do contrato promessa, pelo que os direitos dos réus emergentes do contrato em apreço prescreveram.

  2. O despacho saneador-sentença fez errada interpretação e aplicação do disposto nos arts 401/1 e 2, 270, 280, 309 e 306/1 e 2, CC, sendo o acima expresso o sentido que as normas jurídicas violadas devem ser interpretadas e aplicadas (invocam ainda o ac. do STJ de 03/11/2009, dgsi…).

    Depois de realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou procedente a reconvenção, reconhecendo a aquisição pelos réus do direito de propriedade sobre a parte do edifício correspondente ao 1° andar esquerdo, por via de usucapião, declarando os mesmos titulares do direito de propriedade sobre a mesma e determinando o cancelamento do registo de propriedade inscrito a favor dos autores, absolvendo estes dos restantes pedidos (entre eles o da declaração de constituição da propriedade horizontal do edifício).

    Os autores interpuseram recurso desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que os absolva do pedido reconvencional – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Os réus peticionaram em reconvenção a aquisição, por usucapião, do 1º andar, lado esquerdo do prédio... A sentença recorrida reconheceu o direito de propriedade sobre a parte do prédio correspondente ao 1° andar esquerdo do prédio..., condenando assim em objecto diverso do pedido, pelo que é nula.

  3. A natureza da posse do beneficiário da tradição da coisa no âmbito de um contrato promessa de compra e venda, depende fundamentalmente de uma operação casuística que valore adequadamente os termos e o conteúdo do negócio, as circunstâncias que o rodearam e as vicissitudes que se seguiram à sua verificação. Face à prova produzida, constata-se na posse exercida pelos réus a inexistência de animus, bem como do requisito da publicidade, não tendo sequer sido alegados factos consubstanciadores da inversão do título de posse. 3. Antes da constituição do regime de propriedade horizontal, não é legalmente possível um prédio urbano constituído por vários andares, ser divisível. Antes da constituição de tal regime não existem fracções autónomas, mas sim andares ou pisos, os quais estão fora do comércio jurídico, pelo que o direito de propriedade do andar em causa, não pode ser adquirido por usucapião, para alem de que tal ofenderia normas de interesse e ordem pública, ofendendo igualmente a característica de inerência própria dos direitos reais, bem como a tipicidade ou numerus clausus de tal categoria de direitos.

  4. A sentença recorrida confunde descrição predial com inscrição predial, ao determinar o cancelamento do registo de propriedade a favor dos autores.

  5. Violou a sentença recorrida, por erro de julgamento, o disposto no art. 668/1e) in fine do CPC, arts. 1287, 1251, 1293a), 1297, 1262 e 1300/1, 1265, 209 e 1306/1 do CC e 79 e 91 Código Registo Predial, sendo o acima expresso o sentido que deve ser atribuído às normas jurídicas violadas.

    Os réus contra-alegaram ambos os recursos defendendo a improcedência dos mesmos.

    * Questões que importa solucionar: se o contrato-promessa devia ter sido considerado nulo; se eventuais direitos dos réus deviam ter sido considerados prescritos; se a sentença condenou em objecto diverso do pedido; se os réus não deviam ter sido considerados possuidores, em termos de direito de propriedade, de parte do edifício; se, sem que se demonstrem os requisitos legais da constituição desse edifício em propriedade horizontal, pode ser reconhecida a...

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