Acórdão nº 503/10.9GBSSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | ABRUNHOSA DE CARVALHO |
Data da Resolução | 10 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Tribunal Judicial Sesimbra, por sentença de 13/03/2012, constante de fls. 141 a 150, foi o Arg.
[1] T…, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 6[3]) condenado pela seguinte forma: “…Em face do exposto, o tribunal decide: a) Condenar o arguido T…l, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40°, n.° 2, do DL 15/93, ocorrido em 15.07.20l0, na pena de 27 (vinte e sete) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 189,00 (cento e oitenta e nove euros); b) Condenar ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de lustica em 1 UC, nos termos do art. 8°, n.° 4, do RCP e tabela III anexa ao RCP; …”.
* Não se conformando, o Arg.
interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 153 a 174, com as seguintes conclusões: “…1. O Tribunal A quo fez um incorrecto enquadramento jurídico-penal dos factos provados.
-
O Tribunal recorrido interpretou erroneamente e violou o disposto no n.º 1 do artigo 10º da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.
-
O Tribunal A quo interpretou erroneamente e violou o disposto no n.º 3, alíneas c) e e) da tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.
-
O Tribunal recorrido considerou que se vem discutindo se é de considerar o peso líquido ou o princípio activo da substância estupefaciente para efeitos de aplicação da Portaria n.º 94/96 de 26 de Março, quando o n.º 1, do artigo 10º da referida Portaria, afirma que no exame toxicológico têm de vir identificados e quantificados ambos, peso líquido e princípio activo ou substância de referência.
-
O Tribunal A quo considerou que o peso líquido da substância estupefaciente era suficiente para efeitos de aplicação da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, quando o recurso àquela lhe estava vedado, por não constar do exame toxicológico de fls. 26, nem de qualquer outro a identificação e quantificação do princípio activo ou da substância de referência da Canabis.
-
O Tribunal recorrido quis fazer crer ao recorrente que a substância activa da Canabis era Canabis e que o conceito de substância activa era idêntico ao conceito de substância de referência, quando a substância activa ou princípio activo da Canabis é o Tetraidrocanabinol que não se confunde com a substância de referência da Canabis que é uma concentração média de 10% de Delta Nove Tetraidrocanabinol, conforme consta das alíneas c) e e), do n.º 3, da tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.
-
O Tribunal A quo quis fazer crer ao recorrente que a norma não refere que tem que ser quantificado o princípio activo da substância estupefaciente, apenas indicado, quando o n.º 1, do artigo 10º, da Portaria 94/96, de 26 de Março afirma que tem de ser identificado e quantificado o princípio activo ou substância de referência.
-
Do exame toxicológico junto aos autos a fls. 26 não consta a identificação e quantificação da substância activa ou princípio activo, nem tão pouco da substância de referência, ambos da Canabis, o que não permite saber qual o seu grau de pureza, que por sua vez não permite o recurso aos valores contantes da tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, já que tais valores indicam a quantificação do princípio activo de cada substância.
-
O Tribunal recorrido não podia socorrer-se dos valores contantes da tabela supra mencionada e, não fazendo uso do critério jurisprudencial, não podia afirmar que a quantidade de substância estupefaciente que o ora recorrente detinha na sua posse era correspondente ao consumo para 12 dias, excedendo em duas doses o limite máximo para a imputação de contra-ordenação.
-
O Tribunal A quo desconhecendo se a quantidade de Canabis detida pelo ora recorrente era ou não superior para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, deveria ter absolvido o recorrente da prática do crime de consumo de estupefacientes.
-
O Tribunal recorrido deveria ter qualificado a conduta do recorrente como contra-ordenação de consumo, que já se extinguiu por efeito da prescrição decorrido um ano sobre a sua prática.
Nestes termos e nos melhores de direito, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, Revogando-se e substituindo-se a douta sentença proferida, …”.
* A Exm.ª Magistrada do MP[4] respondeu ao recurso, nos termos de fls. 200 a 207, concluindo da seguinte forma: “…3.1. Prescrevia o artigo 40º, nº1 e 2, do Decreto-Lei nº15/93 de 22 de Janeiro, que: «1.Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias. 2. Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.» 3.2.
Contudo, o artigo 28º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, derrogou o disposto no artigo 40º do Decreto-Lei nº15/93 de 22 de Janeiro, com excepção da parte referente ao cultivo, e o artigo 2º da supra referida lei passou a consagrar que «1.O consumo, a aquisição e a e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação 2.Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».
3.3.
Atentas as questões suscitadas por tais normativos legais, o Acórdão do S.T.J., de 8/2008, de 25 de Junho, publicado no D.R. I, n.º 150, de 25 de Agosto, fixou a seguinte jurisprudência: «Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto -Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só ‘quanto ao cultivo’ como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».
3.4.
No que concerne ao consumo médio individual dispõe o 71º, nº1, alínea c), do Decreto-Lei nº15/93 de 22 de Janeiro que: «Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria, os limites quantitativos máximo do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente» e dispõe o n.º 3 do supra referido normativo legal que «O valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.º 1 é apreciado nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal».
3.5.
Assim, segundo o seu artigo 9º, da Portaria nº94/96 de 26 de Março «Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante».
3.6.
Nessa tabela e no que respeita à cannabis (resina) é indicado o valor de 0,5 gramas, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do TIIC existente nos produtos da Cannabis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9TIIC”.
3.7.
No presente caso, resulta do exame pericial efectuado que o arguido detinha cannabis (resina), com o peso líquido de 6,236 gramas e com um grau de pureza desconhecido.
3.8.
No seguimento da jurisprudência maioritária, designadamente a constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/12/2011, proferido no âmbito do processo nº5/11.6GACLD-A.L1.-3, e disponível em www.dgsi.pt, consideramos que «Só se pode ver se uma determinada porção desse produto excede ou não um determinado limite depois de ter sido determinado o seu peso líquido e o grau de pureza.» 3.9.
Concordamos, assim, com o recorrente, quando afirma que, atenta a ausência de apuramento da concentração média da substância activa, não é possível aplicar o mapa a que alude o artigo 9º da Portaria 94/96 de 26 de Março.
3.10.
Contudo, o facto de o exame pericial não determinar a percentagem de produto activo da substância estupefaciente em causa e determinar apenas o seu peso líquido, não impede que se conclua qual o número de dias de consumo a que corresponde tal quantidade.
3.11.
Conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03/03/2010, proferido no âmbito do processo nº10/08.0 SFPRT.1.P1, disponível em www.dgsi.pt, «Resta, pois, como alternativa, preencher tal conceito através do caso concreto, socorrendo-nos para tal do tipo de estupefaciente em análise, do grau de adição do consumidor e do próprio modo como é consumido, critério este tido como mais consentâneo com o actual quadro legislativo (…)».
3.12.
Para tal, importará ter em conta o grau de adição do consumidor, apurado em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente que o mesmo referiu consumir, em média, um “charro” de dois em dois dias, apenas aumentando tal consumo em dias de festa para dois, três ou quatro “charros”, e conjugar tais elementos com os restantes factos dados como provados e regras de experiência comum.
3.13.
Contudo, caso se considere que tal não é suficiente e que o grau de pureza do produto estupefaciente apreendido é um elemento essencial à boa decisão da causa, importa, salvo melhor opinião, concluir que a sentença recorrida enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº 2, al. a) do Código de Processo Penal, por preterição do princípio da descoberta da verdade material, e proceder-se ao envio do processo para novo...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO