Acórdão nº 2763/08.6TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução16 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

Os réus, A… e cônjuge P… apelaram da sentença da Sra. Juíza de Direito do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, que, julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, contra eles proposta por J… e cônjuge, M…, os condenou a: A) - Reconhecer que os AA. J… e esposa, M… são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 1.º da petição inicial.

  1. - Reconhecer que a faixa de terreno identificada a vermelho na planta topográfica de fls. 107, com as características descritas na Matéria de Facto Provada, em especial nos seus pontos 12) e 13), configura uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família a favor do prédio dos AA., descrito no artigo 1º da petição inicial e que onera o prédio dos RR., descrito em 1) da Matéria de Facto Provada.

  2. - Retirar todos os objectos e materiais por si colocados naquela faixa de terreno que constitui servidão de passagem constituída a favor do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial.

  3. - Repor o leito daquela servidão de passagem no estado em que se encontrava à sua intervenção na configuração da mesma até Abril de 2007, de forma a torná-la transitável em toda a sua extensão e largura; E) - Absterem-se de, no futuro, a lavrar ou por qualquer meio destruir o leito da servidão de passagem constituída com a configuração descrita.

  4. - Absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem ou impeçam o livre acesso, por parte dos AA. ao seu prédio descritos no artigo 1º petição inicial.

  5. - Indemnizarem os AA. por todos os prejuízos relevantes, já previsíveis mas ainda não determináveis, nem passíveis de contabilização, que resultaram e venham a resultar da dificuldade de acesso ao seu prédio, por via da conduta dos RR., sendo esta a liquidar em execução de sentença.

Os recorrentes pedem, no recurso, que se revogue a sentença recorrida, substituindo-a por outra que reconheça os direitos dos RR., condenando os AA. a absterem-se de praticar condutas ofensivas dos direitos de propriedade dos RR., deixando de passar a sul do seu terreno e acedendo à sua propriedade pelo caminho público, que confina a norte com a Travessa de Santo António ou caso assim não se entenda, acederem os AA. à sua propriedade, pela dita faixa de terreno, mantendo-se a largura do seu leito, da curva de entrada da faixa de terreno e a largura da restante extensão ser de 3,50m e de 3,00m, respectivamente, adequada aos fins que pretendem.

Os apelantes extraíram da sua alegação estas conclusões: … 2.

Factos provados.

O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os seguintes factos: … Não foi oferecida resposta.

3.

Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684º, nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

O objecto do recurso é, portanto, triplamente delimitado. Antes de mais, esse âmbito é desde logo determinado pelos casos julgados formados na instância recorrida. Assim, é claro que o recurso ordinário não pode incidir sobre matéria sobre a qual se formou caso julgado, pelo que se, por exemplo, transitou em julgado a decisão da 1ª instância que não atendeu a arguição da ineptidão da petição inicial, nenhum tribunal de recurso pode voltar a pronunciar-se sobre essa excepção dilatória[1]. O objecto do recurso é constituído por um pedido e um fundamento: o pedido consiste na revogação da decisão impugnada e o fundamento na invocação de uma vício de procedimento – error in procedendo – ou no julgamento – error in iudicando.

Na espécie do recurso, os recorrentes não se limitam a pedir a revogação da decisão recorrida: eles propõem-se mesmo obter, no recurso, desta Relação, outros efeitos jurídicos – o reconhecimento dos seus direitos, e a condenação dos AA. a absterem-se de praticar condutas ofensivas dos direitos de propriedade dos RR., deixando de passar a sul do seu terreno e acedendo à sua propriedade pelo caminho público, que confina a norte com a Travessa de Santo António ou caso assim não se entenda, acederem os AA. à sua propriedade, pela dita faixa de terreno, mantendo-se a largura do seu leito, da curva de entrada da faixa de terreno e a largura da restante extensão ser de 3,50m e de 3,00m, respectivamente, adequada aos fins que pretendem.

Notamos, porém, que os recorrentes já haviam formulado no articulado em que deduziram a sua defesa tais pedidos que configuram, nitidamente, uma verdadeira reconvenção (artº 274º, nº 1 do CPC). Realmente, os recorrentes remataram o seu articulado de contestação pedindo a condenação dos autores a absterem-se de praticar condutas ofensivas dos seus direitos de propriedade, deixando de passar a sul do terreno dos réus e acendendo à sua propriedade pelo caminho público que confina a norte com o seu terreno, pela rua da Cavada, ou, caso assim se não entenda, acederem pelo terreno dos réus, abstendo-se de praticar actos ilícitos lesivos dos direitos de propriedade dos réus, com a extensão e largura que tem actualmente.

A reconvenção consiste, tipicamente, numa acção declarativa – condenatória, constitutiva ou de mera apreciação – proposta através da contestação, pelo réu contra o autor, e que provoca, no caso de ser admissível, uma acumulação, no processo pendente, de acções cruzadas ou sincrónicas – a acção inicial e a acção reconvencional.

Numa palavra: a reconvenção é a demanda do demandado (artº 274º, nº 1 do CPC).

Simplesmente, instados, na audiência preliminar, pela Sra. Juíza de Direito, a esclarecer se efectivamente pretendiam deduzir reconvenção e, em caso afirmativo, a aperfeiçoar o seu articulado, através da indicação do valor do pedido reconvencional, e a pagar a taxa de justiça respectiva, os réus declararam que não pretendiam aperfeiçoar o seu articulado nem pagar a taxa de justiça.

Acto, contínuo, a Sra. Juíza de Direito, decidiu que se considerava que não foi deduzida formalmente reconvenção, pelo que se consideravam não escritos desde já, os supra indicados pedidos no sentido da condenação dos autores.

Esta decisão não foi nem é no único recurso interposto – aquele que foi interposto da sentença final – objecto de impugnação, e, por isso, transitou em julgado (artº 677º do CPC).

Ergo, está irrepetivelmente decidido, neste processo, por força do caso julgado formal que se formou sobre aquela decisão, que os réus não deduziram reconvenção e que aqueles pedidos se consideram não escritos – e como tal, inexistentes (artº 672º do CPC).

Portanto, os apontados pedidos dos recorrentes não constituem objecto admissível do recurso. E esta conclusão permanece inteiramente exacta mesmo que se devesse entender – o que não é, decididamente, o caso – que os pedidos formulados no recurso pelos recorridos são distintos dos deduzidos na instância recorrida.

Uma vez que o direito português consagra o modelo de recurso de reponderação, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente delimitado pelas questões colocadas ao tribunal recorrido, pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa, tal como foi apresentada na 1ª instância.

Como o pedido e a causa de pedir apenas podem ser alteradas na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – o recurso para a Relação só pode visar a reapreciação do pedido ou pedidos oportunamente formulados na 1ª instância (artº 272º do CPC). Isto significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre pedidos que não foram formulados na 1ª instância.

Os recorrentes afirmam, aliás, repetidamente, nas conclusões com que remataram a sua alegação, que o tribunal recorrido incorreu num error in iudicando – mas num erro de julgamento apenas da questão de direito: no seu ver, a sentença impugnada, fez uma incorrecta aplicação do Direito aos factos dados como provados, equivocou-se na subsunção dos factos ao direito. Quer dizer: a impugnação não tem por objecto – de harmonia com declaração expressa dos próprios recorrentes - a questão de facto. Em todo o caso, deve notar-se que os impugnantes não pedem a reponderação do julgamento da matéria de facto e, o que é mais, ainda que fosse esse o caso, não cumpriram o ónus de impugnação da decisão dessa matéria a que a lei de processo é terminante em adstringi-los (artº 695º-B, nºs 1, 2 e 4 do CPC).

A sentença impugnada foi peremptória na declaração de que os recorridos são titulares do direito real menor de servidão de passagem – com início na R. de Santo António, numa extensão de 5,50m, com a largura inicial de 4,20 m, que depois sofre um alargamento em virtude da curva da mesma quando flecte para poente, retomando na linha recta a meio, a largura de cerca de 4,20 m, numa extensão de 18m - que, a benefício do seu prédio, grava o prédio dos recorrentes. Servidão de passagem que, segundo a decisão recorrida, foi constituída por destinação do pai de família ou, caso assim se não entenda, por usucapião.

Os recorrentes discordam, sustentando, de um aspecto, que o prédio dos recorrentes nunca esteve encravado – dado que tinham acesso a ele pelo lado norte – e de outro que a servidão, com a extensão com que foi declarada pela sentença apelada, excede as necessidades normais do prédio dominante – o dos recorridos – sendo suficiente a extensão definida no negócio jurídico processual, concluído entre as mesmas partes, com que, provisoriamente, foi composta a providência cautelar que correu termos sob o...

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