Acórdão nº 136/10.0GBAND.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução23 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Ponderando recurso interposto pelo Ministério Público relativamente à primitiva sentença proferida nestes autos [fls. 183/189] que, então, eximiu a arguida A...

, da prática que o mesmo Ministério Público lhe assacava de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, conjugadamente p. e p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, este Tribunal ad quem prolatou Aresto [fls. 246/257], cujo excurso decisório se mostra com o seguinte teor: «Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, na procedência do recurso, em declarar nula, ao abrigo do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, por insuficiência de fundamentação, a sentença recorrida, determinando, em consequência, que os autos baixem à primeira instância, devendo, pelo mesmo tribunal, ser sanada a identificada nulidade, através da prolação de nova sentença.» “Nulidade” que, decorre da economia do mesmo Acórdão, foi assim precisada: «Reportando-nos ao caso concreto, não decorre com clareza da decisão em que prova se baseou o tribunal a quo para dar como assente o que vem consignado em 1 e 2 dos factos não provados, tanto mais que a arguida na sua única resposta declarou que “no Hospital não lhe foi perguntado se dava consentimento para a colheita de sangue seu para efeito de detecção do estado de influenciada pelo álcool.” Acresce que suscita dúvida razoável, perante o acervo factual considerado, em que medida relevaram os documentos indicados na fundamentação.

Conclui-se, pois, pela insuficiência da fundamentação, em violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, o que determina a nulidade da sentença – artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP.» Remetidos os autos à 1.ª instância, consignando que o fazia por acatamento ao Aresto indicado, decidindo por forma precisamente idêntica à antes já exarada [fls. 189], sentenciou agora o M.mo Juiz a quo [fls. 276/282]: «1) Declarar nula a prova pericial quanto à T.A.S. porque efectuada com sangue obtido mediante ofensa à integridade física para a qual não se provou ter existido prévio consentimento da arguida (art.º 126.º, n.º 1, do C.P.Penal).

2) Absolver a arguida A...

da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal, pelo qual vinha acusada.» 1.2. Persistindo irresignado com o decidido, recorre, de novo, o Ministério Público, extraindo da motivação através da qual minutou a discordância, esta ordem de conclusões: 1. A arguida foi acusada por ter conduzido na via pública um veículo automóvel com uma T.A.S. de 2,82 g/l em virtude da ingestão de bebidas alcoólicas, dando origem a um acidente de viação, o que integra a comissão do crime de condução em estado de embriaguez, p.p. nos art.ºs 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

  1. Recebida a acusação e feito o julgamento, veio a ser absolvida por sentença de 24 de Fevereiro de 2011, a qual declarou nula a prova pericial obtida através da recolha de sangue, porque alegadamente ofensiva da sua integridade fisica (cfr. art.º 126.º/1 do CPP), a qual supostamente não consentira naquela recolha, sendo objecto de recurso pelo Ministério Público.

  2. Por acórdão da 2.ª Instância, de 30 de Novembro de 2011, foi afirmada a nulidade daquela sentença por insuficiente fundamentação, não se percebendo (nem nós...) a não prova dos factos 1 e 2 dos não provados em face do acervo probatório produzido e examinado em audiência, ou seja, que a arguida conduzia com a T.A.S. de 2,82 g/l e que agira de modo livre e consciente, sabendo que incorria em responsabilIdade criminal, ordenando-se por isso a elaboração de nova sentença.

  3. Por sentença de 1 de Fevereiro de 2012, reiterou o Tribunal a quo a absolvição nos precisos termos da anterior sentença, escorando-se na alegada não prova do consentimento da arguida para a recolha de sangue nos HUC, o qual seria decisivo, pelo que a T.A.S. obtida é nula e violadora da sua integridade física.

  4. A persistênca desta decisão esvaziaria a tutela penal em matéria tão sensível como é a condução em estado de embriaguez, na qual são cada vez mais prementes as exigências de prevenção geral e especial.

  5. Regista-se, ao menos, a honestidade intelectual do Tribunal ao afirmar agora que, em face da evolução da Jurisprudência, hoje teria julgado e decidido de modo diverso e valoraria a T.A.S. obtida (assim condenando a arguida), o que só não fez porque entendeu (mal) não ter margem de manobra para tal em face dos termos do que lhe ordenou o acórdão de 30 de Novembro de 2011, o que, convenhamos, já representa “meia condenação”...! 7. Ao contrário do alegado na sentença recorrida, a mais recente Jurisprudência é uniforme no sentido de que não é necessária a prova do consentimento da arguida para a recolha de sangue, em vista da aferição da T.A.S. [v.g. os Acs. da RC de 20.12.2011, Relator Jorge Dias, Proc. 408/09.6 GAMMV.C1: da RC de 10.11.2010, Relator Calvário Antunes, Proc. 35/09.8 PTFIG.C1; da RC de 26.1.2011, Relator Jorge Jacob, Proc. 52/1 0.5 GAANS.C1 e da RP de 19.10.2011, Relator Moisés Silva, Proc. 294/10.3 PTPRT.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.].

  6. Pois que essa recolha emerge, não de uma faculdade ou acto de vontade dos condutores ou peões mas, antes, de um dever jurídico que a eles se impõe, cuja violação ou oposição a lei comina com o crime de desobediência, assim obstando aos exames coercivos [cfr. art.ºs 152.º e ss. do Código da Estrada, e a Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que aprova o Regulamento de fiscalização da condução com álcool e drogas].

  7. Mas, ainda que fosse necessário o consentimento, e não é, o Tribunal a quo, ao inverso do que disse na sentença na qual se refugiou num non Iiquet probatório inexplicável, dispôs em julgamento de um manancial probatório pericial, documental e testemunhal abundante para, sem esforço algum, dar como provado que a arguida consentiu (pelo menos de modo presumido) na recolha de sangue para aferição da T.A.S., nos HUC, onde esteve sempre consciente e lúcida, embora queixosa, a cuja operação nunca manifestou qualquer oposição [cfr. art.º 39.º, do Código Penal, e neste sentido o Ac. da RC. de 14.7.2010, Proc. 113/09.3 GBCVL. Cl, Relator Mouraz Lopes].

  8. Enferma, consequentemente, a sentença recorrida do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, pois que, ainda que fosse necessário (e não é) o consentimento para a recolha de sangue, então, se na óptica do Tribunal (mal) não se fez prova do mesmo nem da sua falta, isso não significa que ele não tenha existido como vimos, pelo que não estava o Tribunal habilitado a concluir, como concluiu, ou seja, que a T.A.S. foi obtida ilícitamente e com ofensa da integridade física (…!), como se houvesse prova efectiva da oposição da arguida, o que se mostra, no mínimo, anacrónico.

  9. Com efeito, e na linha da Jurisprudência citada, a lei não exige que se formule um pedido expresso de consentimento na recolha de sangue para aferição da T.A.S., nem ele tem que ficar formalizado em auto, em atestado médico ou em alvará, como parece emergir da sentença.

  10. Aliás, a arguida, como condutora que era, conhece ou deve conhecer a obrigação legal de aferição da T.A.S. pelos condutores, tanto mais que interveio em acidente de viação, pois conduziu na via pública um veículo automóvel depois de ingerir bebidas alcoólicas, esteve nos HUC e perante pessoal médico e de enfermagem e ainda perante a GNR com o Kit respectivo e nunca esboçou qualquer oposição à colheita de sangue para aquele efeito, pois que, se o fizesse, ser-lhe-ia comunicada a respectiva cominação criminal.

  11. A arguida não pode pretender o melhor de dois mundos: por um lado, não se opôs à recolha de sangue e, com isso, cumpriu o dever jurídico que sobre ela impendia e afastou a responsabilidade criminal inerente á oposição e, por outro, vir agora invocar a sua alegada falta de consentimento para neutralizar/boicotar a T.A.S. obtida e a fiscalização à condução em estado de embriaguez, o que seria anacrónico e que o Tribunal parece ter acolhido..! 14. Bem se percebe a restrição aos direitos, liberdades e garantias, prevista no art.º 18.º, da Constituição da República, em homenagem ao interesse público superior que subjaz à segurança na circulação rodoviária e aos valores que lhe estão imanentes, sendo fortíssimas as exigências de prevenção geral nessa matéria, desde logo pelas consequências catastróficas potencialmente resultantes da condução em estado de embriaguez..! 15. Donde, tal quadro probatório é linear e cristalino no sentido de que houve pelo menos consentimento presumido nessa recolha, não tendo a sentença gasto uma única linha para justificar porque arredou tal forma de consentimento no caso concreto, o que é inadmissível [cfr. art.ºs 38.º e 39.º, do Código Penal].

  12. E, ainda que a arguida estivesse inconsciente nos HUC, e não esteve, como vimos, ao contrário do que diz a sentença, nem por isso a colheita de sangue deixaria de se fazer.

  13. Na verdade, em caso de inconsciência ou de morte dos condutores ou dos peões sujeitos à fiscalização, não podendo eles prestar consentimento nem expressar a recusa, nem por isso a fiscalização deixa de ser feita, através da colheita de sangue, como sucede habitualmente [cfr. art.ºs 152.º; 153.º e 156.º, todos do Código da Estrada].

  14. Pelo contrário, a acolher a tese da sentença nesta parte, bastaria que um peão ou um condutor simulassem um estado de inconsciência para estarem a salvo da dita fiscalização, o que seria absurdo, com o mesmo respeito se boicotaria a previsão legal onde é tão premente a sua observância, como vimos! 19. Em suma, nada nos autos, mesmo nada, inquina a plena validade da prova pericial legalmente obtida [cfr. art.º 163.º, do Código de Processo Penal], traduzida na T.A.S. de 2,82 g/1 que a arguida era portadora enquanto condutora, pelo que os factos não provados 1 e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT