Acórdão nº 270-G/2001.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Julho de 2012
Magistrado Responsável | RUI MOURA |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Apelação Processo nº 270-G/2001.P1 vindo do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.
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Adj.: Des. Anabela Cesariny Calafate 2º Adj.: Des. José Eusébio Almeida 317-P-imp-pauliana-11-270G Acordam os Juízes na 5ª Secção Judicial do Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO A “B…, S.A.”, em liquidação, através do seu Liquidatário Judicial, e por apenso ao processo de falência, supra identificado, veio a 27 de Julho de 2006 intentar acção pauliana com processo comum sob a forma ordinária, contra -C… e esposa D…, residentes em …, …, Barcelos; -E… e esposa F…, residentes em …, …, Barcelos; -G… e esposa H…, residentes em …, …, Barcelos.
Pede se declare ineficaz, em relação à Massa falida, o negócio de transmissão titulado pela escritura de 06.08.2001, efectuado entre a falida e os RR. maridos, do prédio urbano sito em …, freguesia de …, concelho de Barcelos, descrito na competente conservatória sob o nº 253 e inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o art. 490º, pedindo se ordene a sua restituição à dita massa, nos termos do art. 159º, n.º 1 do CPEREF e se ordene o cancelamento do registo de propriedade efectuado a favor dos Réus maridos, constante da inscrição G-4 reportada à descrição predial referida.
Alega em resumo que: 1. Por sentença com trânsito em julgado, proferida em 12/03/2002 e constante a fls. 490-497 dos autos, foi declarada a falência de “B…, S.A.”, sociedade anónima com sede na Rua …, …, freguesia de …, concelho da Maia.
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Por sentença igualmente transitada, esta proferida em 12/11/2004, a fls. 419-425 do apenso A deste processo, foram reconhecidos e graduados todos os créditos reclamados sobre a falida, em número de 24, no montante global de € 2.879.645,34.
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A falida B… foi constituída em 27/08/1984, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Maia sob o nº 39.026 (cfr. certidão a fls. 7-16 dos autos principais).
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À data da sentença que decretou a falência, tinha como único administrador I… (cfr. acta de deliberação datada de 05/11/2001, a fls. 17-23 dos autos principais).
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No âmbito do processo falimentar, foram apreendidos para a massa falida os bens que constam de fls. 3-6, 14 e 60 do Apenso B, no valor global atribuído de € 106.300,00 (informação datada de 03/11/2002, integrada a fls. 160 do Apenso A de reclamação de créditos).
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Tais bens são manifestamente insuficientes para pagamento dos créditos reclamados.
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Antes de decretada a falência, e até 06/08/2001, a B… dona e legítima proprietária de um prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão e andar, destinado a indústria, e logradouro, sito no … ou …, freguesia de …, concelho de Barcelos, a confinar de norte e nascente com J…, sul com K… e poente com caminho vicinal, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 253 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 490 (docs.1 e 2) 8. Tal prédio esteve registado a favor da falida através da inscrição G-3 reportada àquela descrição predial (doc.1).
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Por escritura de 06/08/2001, exarada a fls. 23-24 do livro 801-D do 1° Cartório Notarial de Barcelos, a agora falida declarou vender aos Réus maridos, em comum e partes iguais, e estes declararam comprar, pelo preço de 20.000.000$00 (€ 99.759,58), o prédio urbano atrás referenciado (doc.3).
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Os Réus maridos realizaram tal negócio consigo mesmos, no uso de procuração irrevogável datada de 01/08/2001, emitida pela falida B…, nesse acto representada pelos seus administradores I… e L… (doc. 4) 11.Os Réus maridos registaram a seu favor a aludida aquisição, conforme consta da inscrição G-4 reportada à dita descrição predial nº 253 de … (doc.1).
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Porém, o preço da venda daquele prédio (€ 99.759,58), nunca entrou realmente no património ou nos cofres da falida “B…”.
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Acresce que o valor de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) declarado na escritura pública de 06/08/2001 não tem (nem tinha, à data da venda) qualquer correspondência com o real valor do prédio.
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Tal imóvel constituía a unidade industrial destinada ao fabrico de calçado onde a falida desenvolvia a sua actividade, tem a área coberta de 604,5 m2 e descoberta de 543,5 m2, é de construção recente e encontra-se bem localizada, não valendo - à data da venda e a preços correntes de mercado - menos do que 75.000.000$00 (€ 374.098,42).
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Os Réus maridos, mancomunados com os então administradores da agora falida, realizaram o descrito negócio de compra e venda com o único e reiterado propósito de frustrarem, como frustraram, o recebimento dos créditos (ou parte dos créditos) detidos pelos credores da “B…”.
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Com a intenção de diminuírem ou enfraquecerem gravemente o património da dita falida.
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Tal acto foi realizado com acentuado dolo, estando os Réus maridos (e bem assim os legais representantes da “B…”) bem conscientes do prejuízo que a sua conduta causaria e causou aos credores desta sociedade.
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Ao transaccionarem entre si o sobredito prédio, os administradores da “B…” e os Réus maridos não ignoravam que assim dissipariam (em detrimento dos credores) as instalações fabris daquela falida, o único imóvel e o bem mais valioso que esta então possuía, subtraindo-o da respectiva massa.
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Tanto mais que, à data da compra e venda (06/08/2001), já a “B…” se encontrava impossibilitada de solver as suas obrigações vencidas e compromissos correntes, devendo a fornecedores mais de meio milhão de contos, ostentando um passivo muito superior ao activo.
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Estava já nessa altura financeiramente estrangulada, revelando acentuada quebra de vendas, sem qualquer crédito na Banca, e até desapossada das máquinas e viaturas adquiridas através de locação financeira.
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À data do negócio ora impugnado de 06/08/2001, a “B…” encontrava-se já em estado de insolvência manifesta (confrontar a petição inicial de fls. 2 e seguintes dos autos principais).
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A transmissão do prédio, ainda que por forma onerosa, operou-se com evidente má fé dos Réus maridos e dos administradores da “B…”, que aliás se presume face à data da venda (realizada apenas 4 meses antes da abertura do processo que conduziu à falência) e em função da notória divergência entre o valor real do imóvel e o declarado na escritura (artigo 158°, alínea d) do CPEREF).
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Envolve a frustração da possibilidade de recebimento dos créditos reconhecidos por sentença de 12/11/2004, na sua origem, anteriores ao referenciado negócio de transmissão.
Juntou documentos e procuração.
Os Réus, uma vez citados, contestaram, por impugnação, concluindo pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Fundamentalmente alicerçam a sua contestação nos seguintes argumentos: Aceitam que a “B…” era proprietária do prédio urbano sito em …, …. Aceitam que os RR maridos o adquiriram por compra por escritura de 6-8-2001 - fls. 14 e ss.
Mas já não aceitam que os RR maridos estivessem mancomunados com os administradores da “B…, SA” com o propósito de frustrarem o recebimento dos créditos por parte dos credores da “B…”, ou que os RR tenham tido conhecimento da situação económica da “B…”.
Explicam que os RR maridos entre 1995 e 1996 pretendiam adquirir um pavilhão industrial para o desenvolvimento da sua actividade, ligada ao fabrico de calçado; que tiveram conhecimento do imóvel de ,,,, que possuía pavilhão e logradouro; e que por isso encetaram negociações com os administradores da falida com vista à respectiva aquisição.
Acordaram então que: 1- a “B…” venderia o imóvel aos RR maridos por 37 milhões de escudos; 2- os RR pagariam à “B…” em dinheiro 17 milhões de escudos; 3 a restante parte do preço seria paga através da permuta de dois prédios rústicos que as partes avaliaram em 20 milhões de escudos; “B…, SA” e RR maridos celebraram então um contrato promessa de compra e venda, cujo documento juntam, datado de 5-9-1996.
Os RR maridos entregaram então à “B…” na data da celebração do contrato promessa a quantia de 10 milhões de escudos. Em 15 de Dezembro de 1999 foi entregue ainda 7 milhões de escudos para reforço de sinal.
As partes não puderam realizar de imediato a escritura do contrato definitivo uma vez que “o prédio” à data do contrato promessa se encontrava por legalizar. Então as partes acordaram que seriam os RR maridos a tratar da legalização do pavilhão, embora elaborando os requerimentos em nome da “B…”, por ser a proprietária do mesmo, de modo a escritura pudesse ser efectuada.
Acordaram logo na data da celebração do contrato promessa que a posse do prédio de … passava para os promitentes compradores, e que a posse dos dois prédios rústicos - … e … – assava para a promitente vendedora.
Alegam que desta forma os RR maridos ficavam com total liberdade de celebrar a escritura de compra e venda do prédio de … logo que tivessem o licenciamento terminado.
Retiram daqui que quer a intenção de vender quer a intenção de comprar o prédio de … datam de 1996, muito tempo antes da decretação da falência da ora Autora.
Retiram daqui que o preço combinado e efectivamente pago pelos compradores correspondia ao valor real do prédio de … à data em que o contrato promessa se realizou.
Negam a existência de dolo por parte dos RR em diminuírem a garantia patrimonial dos credores da “B…, SA”, em diminuir o activo da sociedade.
Impugnam a presunção da intenção das partes – “B…, SA” e RR – em de alguma forma descapitalizar ou diminuir os activos da sociedade – artigo 28º da contestação – pág. 59 dos autos – em detrimento dos credores da sociedade. Isto acontece porque a Autora na sua petição inicial faz apelo ao disposto no artigo 158º, al. d) do CPEREF – cuja redacção republicada em anexo ao Dec.-Lei nº 315/98, de 20 de Outubro, dispõe: Presumem-se celebrados de má fé pelas pessoas que neles participam, para os efeitos da impugnação pauliana: (…) d- Os actos a título oneroso realizados pelo falido dentro dos dois anos anteriores à data da abertura do processo conducente à falência, em que as obrigações por ele assumidas excedem manifestamente as da contraparte-, alegando que a venda se realizou apenas quatro meses...
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