Acórdão nº 357/10.5TAAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 357/10.5TAAMT.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No termo do inquérito que, com o nº 357/10.5TAAMT, correu termos nos serviços do MºPº do Tribunal Judicial de Amarante, o MºPº deduziu acusação contra B… e C…, devidamente identificados nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material de um crime de peculato de uso p. e p. pelo art. 376º nº 1 do Cód. Penal.

Tendo sido requerida a abertura da instrução pelo arguido B…, o Sr. Juiz de Instrução, depois de efetuadas as diligências requeridas, proferiu despacho de não pronúncia.

Inconformado com a decisão instrutória, dela interpôs recurso o Ministério Público pedindo que seja revogada tal decisão e substituída por outra que pronuncie os arguidos pela prática do crime de que foram acusados, formulando as seguintes conclusões: 1. A prova produzida no decurso do inquérito e da instrução permite preencher todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de peculato de uso; 2. De uma correta apreciação da prova produzida em sede de inquérito e de instrução, de acordo com as regras da experiência comum, resulta fortemente indiciado que os arguidos não atuando como possuidores zelosos e não respeitando os fins a que o veículo em causa se destinava, lhe deram destino diverso, utilizando-o em proveito próprio contra as disposições legais e ordem expressa de superior hierárquico; 3. No presente caso foi recolhida, quer em sede de inquérito, quer em sede de instrução, prova bastante da prática do crime de peculato de uso, indiscutivelmente na forma consumada, que vinha imputado aos arguidos, o utilizaram em proveito próprio um veículo automóvel, propriedade do Estado, sendo irrelevante “in casu” que tenham logrado, ou não, o seu propósito de adquirir sapatos, na vizinha comarca de Felgueiras, por onde circularam com o já identificado veículo; 4. A douta decisão recorrida, por ter feito incorreta interpretação e aplicação dos preceitos legais acima referidos, deve ser revogada.

*O arguido C… respondeu às motivações de recurso, pugnando pela bondade da decisão recorrida e pela negação de provimento do recurso.

*O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 835, em que se sustentou o decidido.

*Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer em sentido concordante com o recurso interposto pelo Mº Público na 1ª instância.

*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.

*Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

* *II – FUNDAMENTAÇÃO É do seguinte teor a decisão instrutória objecto de recurso, no excerto que, ao caso, importa: (transcrição) «A instrução que tem carácter facultativo, visa, in casu, a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídicos da acusação pelo M.P., nos termos do artigo 286º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Constitui, portanto, uma fase preparatória e instrumental em relação ao julgamento.

Assim, a prova produzida em sede de instrução tem carácter meramente indiciário, no sentido em que não se pretende através dela a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só indícios, sinais de ocorrência do crime, donde se pode formar a convicção, para a decisão de pronúncia, de que existe uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (cfr. artigos 308º nºs 1 e 2; 283º, nº 2 e 301º nº 3 do Código de Processo Penal), visando-se assim apurar se, em face das diligências probatórias realizadas, foram ou não recolhidos indícios suficientes da prática pelo arguido de factos que constituam crime [cfr. Germano Marques da Silva, in “Curso de Direito Processual Penal”, Editorial Verbo, 1994, páginas 182/183].

O que sejam indícios suficientes procurou o legislador definir no artigo 283º nº 2 do Código de Processo Penal, quando estatui “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Não basta assim a existência de meros indícios para submeter um arguido a julgamento, mas é também necessário que esses indícios permitam um juízo de prognose póstuma, no sentido de haver probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança. Por outras palavras, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1/3/2005 (Processo nº 1481/04.1, acessível em www.dgsi.pt/jtre): «Para que os indícios sejam suficientes, ou seja, para que os indícios tenham um valor probatório é necessário que sejam precisos, graves e concordantes».

Assim, «o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime de que o não tenha cometido, havendo por isso uma probabilidade mais forte de condenação do que absolvição» (cfr. Acórdão de 05/06/1996 do Tribunal da Relação do Porto, disponível em www.dgsi.pt).

Constitui assim, a existência de indícios suficientes, que para terem valor probatório, terão de ser precisos, graves e concordantes (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01/03/2005 acessível em www.dgsi.pt), um verdadeiro pressuposto para a prolação do despacho de pronúncia.

Conforme referido, a suficiência dos indícios está intimamente ligada com um juízo de prognose sobre a aplicação, em sede de julgamento, de uma pena ou de uma medida de segurança ao arguido, sendo que na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2002 (acessível em www.tribunalconctitucional.pt/acórdãos) temos por certo que o princípio da presunção de inocência não pode ser visto como uma «presunção meramente teórica da inocência, que na prática não redunda em qualquer posição processual vantajosa para o arguido, mas o coloca ilimitadamente à disposição da acusação, a qual pouco terá de demonstrar para que o julgamento se realize».

Não é plausível que, num Estado de Direito fundado sobre o princípio da presunção de inocência, havendo dúvidas sobre a culpabilidade de uma pessoa se opte por submeter a mesma a um julgamento e, assim, quer se queira quer não, à censura pública. Por isso, entendemos que, mesmo nesta fase da instrução, há que aplicar o princípio in dubio pro reo.

Em suma, há que fazer um juízo de prognose, apreciando criticamente as provas existentes nos autos, sempre com pleno respeito pelo princípio da presunção de inocência.

Contudo, além de avaliar da existência de indícios suficientes, o Juiz de Instrução deve também aferir da verificação dos pressupostos de punibilidade no caso concreto.

Enquadramento factual e jurídico: De acordo com o prescrito no nº 1 do artigo 283º do Código do Processo Penal, o Ministério Público deduz acusação quando, em fase de inquérito, hajam sido recolhidos indícios suficientes da verificação da prática de um crime e de quem foram os seus agentes.

No presente caso, o Ministério Público...

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