Acórdão nº 4679/11.0TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução06 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 4679/11.0TBMAI.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 6 de junho de 2012, o seguinte AcórdãoI - RELATÓRIO 1. No recurso de contraordenação n.º 4679/11.0TBMAI, do 2º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal da Comarca da Maia, a arguida B…, S.A. (com a denominação comercial de C…) impugnou judicialmente a decisão do Diretor Regional do Norte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que lhe aplicou uma coima no valor de € 27.915,50 pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 6.°, 1 e 202.º, 3 da Lei n.° 23/07, de 4 de Julho. Na sequência de tal impugnação foi proferido despacho judicial que decidiu [fls. 246]: «(…) Pelo exposto, A) (…), B) Julgo totalmente improcedente o recurso de impugnação interposto por "B…, S.A.", e consequentemente, condeno-a pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 6.° 1, 202.º, 3 e 204º,1 da Lei n.° 23/07, de 4 de Julho, no pagamento à recorrida de uma coima no montante de € 27.915,50 (vinte e sete mil, novecentos e quinze euros e cinquenta cêntimos).

(…)» 2. Inconformada, a arguida recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 257 vº a 263º]:

  1. Concluiu o Tribunal a quo pela improcedência do argumento da Impugnante da inexistência da responsabilidade objectiva da pessoa colectiva/Recorrente, tendo concluído pela impossibilidade do afastamento da responsabilidade contra-ordenacional da Recorrente.

  2. Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Meritíssimo Juiz a quo não fez uma correcta interpretação e aplicação do Direito no caso concreto, como adiante se pretende demonstrar.

  3. Recorrente e o Mmo. Juiz a quo estão de acordo, no sentido em que entendem que: (i) as pessoas colectivas podem ser responsabilizadas em sede penal (e, em especial, em sede de Direito de Mera Ordenação Social), quando as contra-ordenações sejam praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções (o que decorre, de resto da lei, e directamente do artigo 7.º n.º 2 do RGCO); (ii) a responsabilidade das pessoas colectivas não tem carácter objectivo nos termos do artigo 6.º n.º 1 conjugado com o artigo 202,º n.º 3 ambos da Lei 23/2007 de 4 de Julho; e (iii) em consequência, estas (pessoas colectivas) só poderão ser responsabilizadas por actos praticados pelos seus órgãos no exercício das suas funções; (iv) no conceito de “órgãos” terão de incluir-se as pessoas singulares que actuem em nome e interesse da pessoa colectiva, como seus representantes e em substituição dos “órgão”.

  4. Diverge, no entanto, o entendimento que o Tribunal a quo tem sobre o conceito de “órgãos” e em que medida é que a actuação das pessoas singulares que praticam actos em representação das primeiras se trata de actuação imputável a tais “órgãos”.

  5. Assim, no que se refere ao conceito de “órgãos”, deverá entender-se que estes abrangem as pessoas singulares que exercem os poderes funcionais das pessoas colectivas, mas tão-somente quando essas mesmas pessoas (singulares) actuem em nome da pessoa colectiva, em sua representação directa, ou seja, quando a sua actuação vincule juridicamente a pessoa colectiva por lhe se imputável a respectiva “vontade” ou as suas “decisões” (decisões estas que sempre serão decisões de gestão da actividade daquela pessoa colectiva).

  6. Ou seja: não é qualquer acção de cada um dos trabalhadores da pessoa colectiva que a vincula e responsabiliza (e neste sentido, não é qualquer acção de um funcionário ou agente seu que a responsabiliza, objectivamente, sem maior análise e independentemente das próprias decisões individuais dessas pessoas (agentes e funcionários no exercício das respectivas funções laborais)).

  7. Só haverá vinculação da pessoa colectiva pelos actos da pessoa singular quando a segunda actua em execução das decisões dos “órgãos” da primeira, pois só nesse caso a sua vontade é imputável à da pessoa colectiva; caso contrário, estaremos a postular responsabilidade (penal/contraordenacional) objectiva da pessoa colectiva.

  8. O erro da trabalhadora da Recorrente (Senhora D…), teve lugar exactamente porque esta não cumpriu as normas e procedimentos da pessoa colectiva/Recorrente - tivera a D… feito o print daquele voo em sistema … quando teve a dúvida sobre a origem do voo, como tinha instruções para, ao invés de perguntar a informação correspondente ao TTAE de placa, que não é responsável pela mesma, não teria dado a informação errada ao motorista do autocarro que foi fazer o acolhimento e que desembarcou aqueles passageiros na porta errada. I) Mais: prescrevem o artigo 11.º, nºs 6 e 7, do CP, aplicáveis subsidiariamente ao RGCO por via do seu artigo 32.

    º, que “(…) A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. (…)”. Daqui sai reforçada a ideia de que as vontade e actuação das pessoas singulares que agem em representação das pessoas colectivas nem sempre estão “coladas” com as desta e nem sempre coincidem ou sequer são confundíveis. J) Pelo que não interpretou bem o Tribunal a quo quando decidiu fazer uma interpretação do preceito contido no artigo 202.º n.º 3 em conjugação do artigo 6.º n.º 1 da Lei 23/2007 de 4 de Julho ao arrepio das normas de interpretação quer do RGCO, quer do CP (entendendo que a melhor interpretação a fazer no caso em apreço será a de considerar que a responsabilidade da Recorrente decorre “directamente” no artigo 202.º n.º 3 em conjugação do artigo 6.º n.º 1 da Lei 23/2007 de 4 de Julho, como se esta estabelecesse uma responsabilidade objectiva da pessoa colectiva).

  9. Também não interpretou correctamente o Tribunal a quo quando pugnou pelo recurso à analogia das regras contidas na Lei n.º 99/2009 de 4 de Setembro, que aprova o regime quadro das contra-ordenações no sector das comunicações para o caso concreto, no âmbito da Lei 23/2007 de 4 de Julho, pois fê-lo ao arrepio das regras de interpretação da Lei (impossibilidade de aplicação analógica nas normas excepcionais e impossibilidade de ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal (vide, artigos 9.º n.º 2 e 11.º do Código Civil (“CCiv.”)).

  10. Igualmente, parece-nos pouco claro (salvo devido respeito) o encadeamento do raciocínio contido nos parágrafos 2 a 4 da página 12 da Douta Sentença recorrida, porquanto, por um lado, pugna pela não aplicação da previsão ou abrangência do artigo 7.º n.º 2 do RGCO e, por outro, volta a expor o que entende ser a correcta interpretação daquele mesmo artigo, aplicando-a ao caso concreto.

  11. Por outro lado, considerar que só os funcionários da Recorrente tinham o domínio de facto para poder proceder ao desembarque daqueles passageiros e que, por esse facto, qualquer actuação sua vinculava a Recorrente é contraditório com o preceito do artigo 11.º n.º 7 do CP, nos termos do qual “(…) A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes (…)” (sublinhados nossos). De facto, não nos parece correcto aquele raciocínio por nele estar implícito que, independentemente da responsabilização concreta das pessoas singulares, a pessoa colectiva/Impugnante teria sempre de ser responsabilizada.

  12. Aliás, o entendimento do Douto Tribunal Judicial da Maia (2.º Juízo de Competência Criminal) na sentença proferida em sede do Processo 8748/10/10.5TBMAI (Recurso de contra Ordenação) em que eram partes a ora Recorrente e o SEF, na qualidade de Recorrido, é coincidente com a argumentação e defesa/recurso da ora Recorrente, como se segue: (…) O) Já o Tribunal a quo, em sede de Sentença Recorrida, embora reconheça e tenha considerado provado (i) que a Recorrente explanou as instruções dadas os funcionários responsáveis pelo desembarque de passageiros no Manual de Passageiros para o Aeroporto do Porto (Capítulo C”), que existia e foi distribuído aos funcionários e; (ii) que aqueles funcionários, embora com negligência, contrariaram as instruções contidas no Manual de Passageiros para o Porto, acaba por concluir que daquele Manual não se pode retirar um comando concreto dirigido aos funcionários, pelo que a sua existência e divulgação não são, por si só, aptos a afastar a responsabilidade contra-ordenacional da Recorrente.

  13. Sobre o mesmo Manual pronunciou-se do Douto Tribunal Judicial da Maia (2.º Juízo de Competência Criminal) na sentença proferida em sede do Processo 8748/10/10.5TBMAI (Recurso de contra Ordenação) como se segue: Q) De facto, os factos 4 e 8, considerados provados pelo Tribunal a quo, permitem fazer esse raciocínio (sendo tais factos como se segue): (…) R) Parece-nos, assim, que as perguntas que deverão ser colocadas para descortinar se as instruções contidas naquele Manual consubstanciavam, ou não, um comando concreto dirigido aos funcionários são: a) Os funcionários sabiam, por intermédio daquele Manual, claramente, quais as acções correctas a executar aquando do desembarque daqueles passageiros (ou seja, sabiam que Voos com proveniência do Reino Unido eram voos Não Schengen e, em consequência, o desembarque teria de se fazer de forma (e pela porta) pela qual os passageiros fossem forçados a passar pelos postos de controlo de fronteiras qualificados para o efeito)? --- Ora, por todo o exposto quer na defesa da Recorrente, quer na Douta Sentença recorrida, à primeira questão teremos de responder afirmativamente: os funcionários da Recorrente têm pleno e actualizado conhecimento das regras aplicáveis aquando do desembarque de passageiros e sabem, a todo o tempo, e naquele acto, que voos com proveniência do Reino-Unido são voos classificados como Não Schengen.

    1. A Recorrente (pessoa colectiva) poderia e...

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