Acórdão nº 248/08.0TYVNG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelRUI MOREIRA
Data da Resolução16 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. N.º 248/08.0TYVNG-A.P1 Do 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia REL. N.º 07 Relator: Rui Moreira Adjuntos: Henrique Araújo Fernando Samões*ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1 - RELATÓRIO Por apenso ao processo em que, por sentença de 19 de Setembro de 2008, foi declarada insolvente a sociedade “B…, Lda.”, a administradora da insolvência nomeada veio apresentar parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, requerendo que essa mesma qualificação afectasse o respectivo sócio gerente, C….

Também o Ministério Público se pronunciou pelo caráter culposo da insolvência, e pela extensão dos efeitos dessa qualificação ao referido gerente.

O referido C…, citado, veio deduzir oposição, salientando a caracter simplista do referido parecer e enunciando factores que determinaram a insolvência da empresa, em face dos quais a mesma deve qualificar-se como fortuita.

Analisados novos elementos oferecidos, a Sra. Administradora da insolvência apresentou novo parecer e reiterou o seu entendimento quanto à natureza culposa da insolvência.

Realizada audiência de julgamento, foi produzida sentença onde, por simples remissão, foi fixada a matéria de facto provada e onde, após ponderação dos mesmos, a insolvência da B…, Lda foi qualificada como fortuita.

É dessa sentença que vem interposto recurso pelo MºPº que, além de comentar o curso do processo, salienta a divergência entre os seus pressupostos factuais e a soa solução jurídica, para a qual ainda afirma ter contribuindo a ponderação de outros factos que nem estiveram em discussão.

Formulou, nesse acto, as seguintes conclusões: “1. Resultando provado, no âmbito de incidente de qualificação da insolvência que, dentro dos três anos anteriormente à instauração da insolvência requerida por credor, o gerente da devedora transferiu € 347.421,31 a favor de outra sociedade comercial da qual era gerente e € 342.400,00 a favor de uma outra gerida por sua mulher, também ela sócia da insolvente, verificam-se os factos base previstos nas presunções de culpa das alíneas a), b), d) e f) do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE.

  1. Tais disposições patrimoniais apenas poderão ser qualificadas de consideráveis provando-se que, dentro dos três anos anteriormente à instauração da insolvência, os resultados do exercício oscilaram entre os € 9.148,23 positivos e um prejuízo de €19.179,21.

  2. Em tal contexto disposições patrimoniais desta natureza traduzem opção de gestão voluntária, dolosa e ruinosa, mesmo se animadas de supostas intenções de obter acesso a um importante cliente da primeira das sociedades beneficiadas ou de compensar o trabalho desenvolvido em prol da devedora pela gerente da segunda das sociedades beneficiadas.

  3. A mera prova de tais circunstâncias é de molde a desencadear a imediata presunção de culpa na verificação da insolvência, responsabilizando o gerente único que as determinou, tendo em conta o elevado impacto patrimonial das mesmas no conjunto dos ativos da empresa que, entretanto, vem a ser declarada insolvente na forma limitada, por presumida insuficiência da massa.

  4. Traduz culpa grave e contribui para o agravamento das consequências da insolvência a atitude do gerente da devedora que, sabendo da existência de dívidas fiscais e à segurança social, recorre a procedimento extrajudicial de conciliação em 09-01-2007 e fracassado este, deixa penhorar os ativos da empresa sem que se apresente à insolvência, vindo esta a ser declarada por iniciativa, volvido mais de um ano sobre a data referida, de credor que havia sido trabalhador da insolvente.

  5. A prova das mesmas circunstâncias, mesmo na falta das presunções legais referidas, sempre fundaria decisão quanto ao carácter culposo da insolvência, agora por força da norma do artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, por se extrair da sua reiteração, gravidade e impacto na sobrevivência dessa unidade produtiva, que a situação de insolvência tinha resultado apenas, ou se agravara de forma significativa, pela actuação do gerente nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, actuação animada de forçosa culpa grave ou dolo, atentando nas circunstâncias do caso concreto, desde logo a coincidência temporal entre a prática dos actos lesivos do património (reiterado incumprimento fiscal e contributivo, disposição de ativos consideráveis da empresa a favor de terceiros) e o eclodir do estado de insolvência.

  6. Não pode ser considerada causal do estado de insolvência de uma empresa o mero recurso por um credor à penhora para procurar cobrar os créditos que aquela não satisfaça tempestivamente.

  7. Na verdade, a causa de uma penhora radica no incumprimento das obrigações e este é legalmente proibido (406.º, 1 CC).

  8. A sentença recorrida viola ampla lista de normativos legais, sendo os mais flagrantes os artigos 186.º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b), d), f), n.º 3, alínea a), todas do CIRE; 3.º, n.º 3 e 664.º do CPC; 342.º, n.º 2; 344.º, n.º 1 e 350.º, todos do Código Civil.” O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos do incidente e com efeito devolutivo.

A insolvente juntou contra-alegações, onde salientou a insuficiência da alegação do recorrente quanto ao elenco das normas jurídicas violadas, a parcialidade dos factos invocados, extraídos exclusivamente do parecer da administradora da insolvência e a justeza da solução sentenciada, que ponderou para além desses os elementos de facto trazidos por si, em sede de oposição. Concluiu pela manutenção da sentença recorrida.

Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.

Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.

Assim, a questão a resolver, extraída de tais conclusões, é a de verificar se se identificam, no processo económico e financeiro que culminou na insolvência da B…, Lda, elementos que conduzam à qualificação deste resultado como culposo e, sendo caso disso, se tal deve afectar o seu gerente.

Sem prejuízo, desde já se afirma inexistir qualquer vício formal na alegação do apelante quanto indicação dos preceitos que considera violados, já que, apesar de aludir a diversos outros não concretizados, acaba por individualizar aqueles que considera desrespeitados pela decisão recorrida: os artigos 186.º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b), d), f), n.º 3, alínea a), todas do CIRE; 3.º, n.º 3 e 664.º do CPC; 342.º, n.º 2; 344.º, n.º 1 e 350.º, todos do Código Civil.

A pertinência e adequação desta indicação será objecto de análise em momento ulterior, mas é inequívoco que a mesma satisfaz o ónus processual imposto ao recorrente pelo art. 685º-A, nº 2, al. a) do CPC. Não colhe, por isso, a crítica do apelado a esse propósito.

A solução da questão importa que se considerem os seguintes elementos, dados por provados na sentença recorrida: Sócios e quotas – C… - 160.000€ D… – 40.000€.

Foi designado gerente o sócio C…, sendo que a forma de obrigar a sociedade é pela assinatura de um gerente.

Os dois sócios acima identificados são casados entre si no regime de bens de comunhão de adquiridos.

Pelo exame dos documentos apresentados, verifica-se o seguinte: Quadro 1 Conforme se pode constatar, desde o ano de 2003 ao ano de 2007, o volume de negócios da insolvente sofreu um aumento substancial na ordem dos 51,7%.

Quadro...

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