Acórdão nº 289/12.2TJPRT-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelRUI MOREIRA
Data da Resolução09 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. N.º 289/12.2TJPRT-C.P1 Do 3º Juízo Cível do Porto.

REL. N.º 05 Relator: Rui Moreira Adjuntos: Henrique Araújo Fernando Samões*ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1. RELATÓRIO B…, S.A., com sede na …, …, credora/requerente em processo de insolvência de pessoa singular em que é requerido C…, residente na R. …, nº …., 1º esq., …, no Porto, veio recorrer da decisão que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, ali formulado pelo devedor/insolvente na sequência da sua citação para o processo.

Ao requerer a insolvência de C…, a B… invocou que o mesmo, juntamente com o seu pai D…, foi administrador de uma empresa denominada E…, S.A., que tinha perante si uma dívida comercial cuja regularização o requerido garantiu, avalizando uma letra de câmbio com o valor de 763.900€. Face ao seu não pagamento no âmbito de uma execução que instaurou contra esses dois administradores da E…, apurou então não só que o requerido não tinha património que viabilizasse esse pagamento, mas também que alienara o que tinha, designadamente uma metade indivisa de um prédio urbano. Tal alienação, não deixou de ser enganosa, mas frustrou a cobrança parcial do crédito, alegando inexistir outro património que o garanta. Por outro lado, aquela E… já foi declarada insolvente e o outro executado D… também não tem património apto ao pagamento da dívida.

O requerido foi citado, tendo admitido os factos e pedido a exoneração do pedido restante, por preencher os requisitos legais para esse efeito.

Por apenso, a requerente B… pretendeu a qualificação da insolvência como culposa, assinalando, entre outros factos, que apesar de o requerido ter vendido a sua metade indivisa de um prédio urbano que estava onerado por uma hipoteca, se manteve quer a sua dívida, quer essa hipoteca, pelo que esse negócio visou apenas impedir qualquer acção dos credores sobre esse bem. Outro facto semelhante ocorreu em relação ao stock de uma empresa de que era sócio, que admite ter sido transferido para outra empresa, pertencente à sua companheira, que ficou a laborar no mesmo local, sendo que foi também a esta que foi vendida aquela metade indivisa do prédio urbano. Por outro lado, também se não apresentou à insolvência no prazo de seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, o que prejudica a pretensão de exoneração do passivo restante.

O Administrador da Insolvência, apresentou relatório, propondo o encerramento do processo por inexistência de património e, em Assembleia de Credores, a pretensão de exoneração do passivo restante mereceu a sua concordância, mas também a discordância dos credores presentes.

Depois de ter sido determinado o encerramento do processo com esse fundamento, veio o Tribunal, em decisão de 29/5/2012, admitir liminarmente aquele pedido de exoneração do passivo restante do requerido, por considerar não só estarem preenchidos os pressupostos para tal, mas também não terem os credores alegado factos tendentes a impedi-lo, sem deixar de assinalar a provisoriedade da decisão, por esta poder ser alterada antes do termo do período de cessão.

É desta decisão que vem interposto recurso, que foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos, e com efeito devolutivo.

Nas suas alegações de recurso, a recorrente argumenta que o Tribunal estava habilitado com factos que permitem verificar a falta de pressupostos e a existência de impedimentos para o deferimento da pretensão do requerido, desde logo porque alegados no apenso da qualificação da insolvência como culposa. Tais factos respeitariam, em suma, à alienação da metade indivisa do imóvel, à alienação do património de uma sociedade por ele administrada em favor de outrem esvaziando o seu valor, à não apresentação à insolvência dessa sociedade (devedora da requerente e avalizada pelo requerido) e de si próprio ao verificar a incapacidade de satisfação do crédito da requerente, antes actuando de forma a frustrar essa satisfação.

Formulou, a esse propósito, as seguintes conclusões: 1. (…) 2. (…) da factualidade demonstrada nos autos devidamente subsumida ao Direito, resulta inevitável a não concessão da exoneração do passivo restante, na medida em que não existe motivo para o deferimento liminar do pedido.

  1. O Tribunal a quo fundamenta a seu despacho de deferimento no facto de o pedido ter sido pedido tempestivamente, e a questão a decidir, face á posição assumida pelos credores, é a de saber se verifica a situação prevista da al. d) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE.

  2. Incumbia aos credores que se opuseram ao deferimento do beneficio da exoneração do passivo restante, invocar factos que integrassem esses requisitos.

  3. A recorrente invocou diversos factos, no apenso de incidente de qualificação da insolvência como culposa, alguns constam do relatório do administrador de insolvência pelo que não se compreende como pode o Tribunal a quo invocar que nenhum credor invocou factos que demonstrem a posição assumida dos credores de indeferimento liminar do pedido.

  4. Pelo que dos autos resulta a verificação de diversa situações que servem de fundamento ao indeferimento liminar.

  5. Conforme art.º 186º n.º 1 do CIRE a insolvência é culposa quando a situação tiver sido agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor, nos três anos anteriores ao inicio do processo de insolvência, destacando-se a este preceito o facto de em 15/02/20111 o devedor ter vendido à comproprietária, sua companheira, e mãe da sua filha, a sua metade indivisa pelo preço declarado na escritura de setenta mil euros, do qual apenas declarou ter recebido seis mil metade, a verdade é que o vendedor no fundo nada vendeu à sua companheira, mas tão só quis salvaguardar esse património dos seus credores, sendo este o único bem que existia em seu nome.

  6. O devedor e a sua família já fez parte de inúmeras sociedades, todas dentro do mesmo objecto social venda de bebidas alcoólicas, sendo que fecham umas e abrem outras, deixando os credores sem receber os seus créditos. O Insolvente conduziu o negócio até uma situação de grave crise bem sabendo que apesar de assumir a dívida com a Recorrente nunca foi seu propósito saldar a dívida.

  7. Apesar da sua situação nunca se apresentou à insolvência nem a si nem às sociedades das quais era gerente, dispôs dos bens das sociedades que detinha e dissipou o seu próprio património através da venda da parte indivisa do imóvel.

  8. O devedor assumiu obrigações para com a Recorrente que sabia que jamais iria cumprir, pelo que o seu comportamento não se pautou pela rectidão exigível, presumindo-se a culpa nos termos do art.º 186.º n.º 2 al. d) do CIRE.

  9. O Tribunal a quo teve conhecimento dos factos antes de proferir a sua decisão, pelo que não é verdade quando no despacho de deferimento a fls. … se diz “os credores não invocaram factos que integrassem estes requisitos.”.

  10. Outra razão para o indeferimento referida na assembleia de credores, também anterior ao despacho do Tribunal a quo, foi a inobservância da apresentação à insolvência por parte do devedor que importa a qualificação da insolvência como culposa conforme art.º 186.º n.º 3 e 4 além de privar o devedor, pessoa singular do beneficio de “exoneração do passivo restante.”, nos termos do art.º 238.º n.º 1 al. d) do CIRE.

  11. O devedor, pessoa singular não está obrigado a apresentar-se à insolvência mas caso pretenda beneficiar desse “fresh start” deve fazê-lo no prazo de seis meses conforme art.º 18º n.º 2 e 238.º n.º 1 al. d), o que o devedor não fez.

  12. Fica assim demonstrado que consta no processo elementos que indiciam com toda a probabilidade a culpa do devedor na criação e agravamento da sua situação, através da sua actuação dolosa ou com culpa grave, e da sua não apresentação à insolvência no espaço de seis meses desde o conhecimento da sua débil situação económica.

  13. Em face do exposto, e em sede de conclusão, forçoso será concluir pela não concessão da exoneração do passivo restante, na medida em que não existe motivo para o deferimento liminar do pedido, nos termos doas artigos 238.º n.1 al. d) e e), e 186.º n.º 1 e 2 al. a) e d) todos do CIRE, pelo que mal foi o Tribunal a quo ao conceder...

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