Acórdão nº 1362/08.7TAVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelJOÃO ABRUNHOSA
Data da Resolução12 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º .1.362/08.7TAVNF.P1 Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: No 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, por sentença de 03/11/2011, constante de fls. 388 a 401, foi a Arg.[1] B…, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 208[3]) absolvida pela seguinte forma: “Quanto à parte criminal: Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, julgo improcedente, por não provada, a acusação pública deduzida e, consequentemente, absolvo a arguida B… dos factos que lhe eram imputados e, consequentemente, do ilícito pelo qual vinha acusada.

Sem custas (artigos 513.º, n.º1, do CPP, a contrario).

Declaro extinta a medida de coação que lhe foi imposta – art. 376.º, n.º1, do CPP.

Quanto à parte civil: Julgo improcedente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante C…, e, nessa medida, absolvo a demandada B… do pedido formulado.

Nos termos do disposto nos arts. 305.º e seguintes do Código de Processo Civil, ex vi do art. 4.º do CPP, fixo à lide o valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) – fls. 266.

Custas a cargo do Demandante que deu causa à lide e nela ficou vencido – art. 446.º do Código de Processo Civil.

…”.

*Não se conformando, a Exm.ª Magistrada do MP[4] interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 408 a 424, com as seguintes conclusões: “… 1. O Tribunal a quo, ao decidir nos termos constantes da sentença sub judice, incorreu em erro notório na apreciação da prova, violando, de forma manifesta e inequívoca, os juízos hipotéticos de conteúdo genérico assentes na experiência comum, uma vez que a prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente as declarações da arguida e os documentos constantes dos autos, apreciada à luz das regras da experiência comum, impunha que não se desse como provado que o comportamento da arguida foi motivado, única e exclusivamente, pela vontade do menor em ficar com ela na Suíça (alínea E dos factos provados), e se desse como provado (e não como não assente) que a arguida tinha consciência que actuava contra a decisão proferida no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidade parentais, contra a vontade da avó paterna e do progenitor do menor D…, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ponto 2 e 3 dos factos não provados).

  1. No dia 09/07/2008, por acordo judicialmente homologado no âmbito do processo n.º 8/08.8TJVNF, do 1.º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, ficou estabelecido o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais referentes ao menor D…, nos termos do qual este ficou entregue à guarda e cuidados da avó paterna, cabendo a ambos os pais o exercício das responsabilidades parentais, podendo a arguida passar o período de 10/07/2008 a 15/08/2008 com o menor, levando-o, designadamente, para a Suíça para alí passar férias com ela, devendo, nesse período, manter os contactos do menor com o pai e com a avó paterna.

  2. Aos 16/08/2008, a arguida não entregou o menor à avó paterna, a fim do progenitor, residente na Suíça e que, nessa data, estava em Portugal a gozar férias, poder, também ele, estar com o seu filho e, a partir dessa data, até final do mês de Agosto, a progenitora não deu quaisquer notícias do menor à avó paterna e ao progenitor, impedindo-os de contactar com o mesmo, apesar dos diversos telefonemas por estes realizados com esse intuito.

  3. A arguida bem sabia que, ao agir deste modo, incumpria o regime estabelecido quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais.

  4. A arguida tinha conhecimento/consciência de que o simples facto de levar o menor para fora de Portugal, durante um período determinado de tempo, estava sujeito a autorização do Tribunal, pelo que, por maioria de razão, bem sabia que a sua não entrega, no prazo estipulado, apenas seria lícita com o consentimento desse mesmo Tribunal.

  5. Caso a arguida entendesse não estar a actuar contra a decisão proferida pelo Tribunal português não teria (certamente) necessidade, como teve, de, por intermédio do seu mandatário, dar entrada, no dia 20/08/2008, no processo de regulação das responsabilidades parentais, de um requerimento, no qual comunica a não entrega do menor, nem tão pouco teria necessidade de intentar, como o fez, um procedimento cautelar no Tribunal de Lausanne, na Suíça, a fim de obter a guarda do menor D….

  6. Aliás, em sede de audiência de julgamento, a arguida declarou saber que estava a desobedecer ao acordo judicialmente homologado de regulação das responsabilidades parentais (cfr. declarações gravadas na sessão de 27/10/2011 (acta fls. 381 a 387), início: 00h13min03s e termo: 00h13min22s (20111027121302) e início: 00h04min26s e termo: 00h04min36s (20111027123038).

  7. A decisão da arguida foi tomada antes desta partir para a Suíça de férias com o menor – no dia imediatamente a seguir à diligência realizada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais - e não nos quatros dias antes da sua entrega porque este pretendia ficar com a progenitora.

  8. Com efeito, a arguida declarou, em sede de audiência de julgamento, ter comprado o bilhete de avião de ida do menor para Suíça, mas nunca de volta, não apresentando para o efeito qualquer explicação (cfr. declarações gravadas na sessão de 27/10/2011 (acta fls. 381 a 387), início: 00h13min45s e termo: 00h15min06s, (20111027121302).

  9. É de conhecimento público e resulta das regras da experiência comum que, no mês de Agosto, mês escolhido pela maioria dos portugueses para o gozo de férias de verão, designadamente pelos nossos emigrantes, é grande a procura de voos de avião entre o nosso país e a Suíça, pelo que é imprescindível a sua compra antecipada.

  10. Sendo a arguida emigrante na Suíça, tinha conhecimento dessa necessidade, pelo que não tendo comprado o bilhete de avião de regresso do menor a Portugal, resulta clara a intenção da arguida de não proceder à sua entrega na data estabelecida para o efeito.

  11. O Tribunal a quo na exposição da motivação da sua convicção conclui nesse sentido quando refere que o menor “(…) Está escolarizado desde o mês de Agosto de 2008” (alínea J) da matéria assente); “Este desejo do menor (…) não ficou/fica prejudicado pelo facto de a B…, de forma antecipada/expedita, tentar criar na Suíça condições para aquele se adaptar (inscrevendo-o na escola, no futebol …) ou mesmo, prevendo esse desejo, já se encontrar preparada para ali o manter”.

  12. A arguida, quando confrontada com outras situações ocorridas no passado – o menor vivia com a avó paterna desde o ano de 2006 - durante as quais o menor terá chorado na hora da despedida da mãe e, contudo, terá ficado em Portugal com a avó paterna, a mesma declarou que, no caso sub judice, era seu desejo ficar com o menor (cfr. declarações gravadas na sessão de 27/10/2011 (acta fls. 381 a 387) início: 00h02min47s e termo: 00h02min52s (20111027123038).

  13. Se o menor alegadamente expressou a sua vontade de ficar junto da arguida, nunca se negou a manter qualquer contacto com a avó paterna e seu progenitor.

  14. Ora, apesar dos diversos telefonemas efectuados por estes, a arguida impediu o menor de falar com eles (alínea E) dos factos assentes), bem sabendo que a tal estava obrigada nos termos do regime provisório estabelecido pela regulação das responsabilidades parentais.

  15. Assim, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, sendo que não deveria ter dado como assente que o menor não foi entregue “porque o D… pretendia ficar junto dela” (primeira parte da alínea E) da matéria assente) e deveria ter dado como assente os factos constantes dos pontos 2) e 3) da matéria considerada pela sentença sub judice como não provada.

  16. A versão introduzida ao artigo 249.º do Código Penal pela Lei n.º 61/98, de 31/10, publicada no Diário da República, 1ª série, n.º 212, aos 31/10/2008, é a que se aplica aos factos ora em apreço.

  17. O Tribunal a quo entendeu que não se verifica um dos elementos do tipo objectivo do sub-tipo do crime de subtracção de menores, designadamente o carácter “injustificado” da conduta da arguida, uma vez que: “O comportamento da arguida foi determinado pela vontade do menor D…”.

  18. Ora, ao considerar o respeito pela vontade do menor como causa de justificação do incumprimento do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, o Tribunal a quo errou na interpretação do elemento do tipo objectivo “modo…injustificado”, constante na alínea c) do n.º 1, do artigo 249.º, do Código de Processo Penal.

  19. Com efeito, ao introduzir o elemento do tipo objectivo ora em apreço, o legislador não pretendeu abranger situações de respeito pela vontade do menor, “tanto mais que, várias vezes, a mesma não é totalmente «livre», dado que os progenitores em contenda utilizam os filhos de ambos como «armas» no conflito”, mas sim “sinalizar (…) outras factualidades que comportem a virtualidade de diminuir ou mesmo excluir a imagem global ilícita da conduta”, v. g. “um atraso do menor que vem de frequentar uma actividade escolar, desportiva ou de lazer e que, por via disso, comparece mais tarde ao encontro com o progenitor não guardião, excepto naqueles casos em que se prove ter sido a situação intencionalmente provocada pelo progenitor que exerce as responsabilidades parentais (…) o progenitor (…) tem comportamentos violentos para com o menor” (cfr. cfr. André Lamas leite, in O Crime de Subtracção de Menor – Uma leitura do reformado Artigo 249.º do Código Penal, Julgar, n.º 7, 2009, pág. 125 e 126).

  20. Na verdade, sendo o bem jurídico protegido pelo ilícito criminal em causa o direito ao exercício sem entraves ilícitos dos conteúdos ínsitos às responsabilidades parentais e, de modo reflexo, o interesse do próprio menor “no adimplemento de uma decisão que, nos termos da lei, surge – ou deve surgir – como aquela que melhor acautela...

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