Acórdão nº 2006/09.5TTPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA SOARES
Data da Resolução24 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2006/09.5TTPNF.P1 Relator: M. Fernanda Soares – 1031 Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa – 1615 Dra. Paula Leal de Carvalho Acordam no Tribunal da Relação do PortoIB… instaurou, em 28.10.2009, no Tribunal do Trabalho de Penafiel, acção emergente de contrato de trabalho contra Junta de Freguesia … pedindo dever ser considerada nula a cláusula do contrato de trabalho inicialmente celebrado entre a Autora e Ré, e convertido em contrato de trabalho sem termo certo ou incerto. A improceder tal pretensão pede a Autora dever ser convertido o contrato de trabalho celebrado em 15.09.2003 em contrato de trabalho sem termo, por nula a cláusula que estipulou o termo e respectivas renovações e a Ré condenada a proceder à reintegração da Autora no seu posto de trabalho e a pagar-lhe 1. A quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais; 2. Os salários devidos desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão final. Para o caso de se entender que o contrato de trabalho não se converteu em contrato de trabalho sem termo, pede a Autora, em alternativa, a condenação da Ré a pagar-lhe uma compensação pela não renovação, no valor de € 3.600,00.

Alega a Autora, em síntese, que no dia 01.10.2002 celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 10 meses, para exercer as funções de auxiliar de cozinha no C…, cumprindo o horário de segunda a sexta-feira, das 10H às 18H, com uma hora de intervalo para almoço e mediante a retribuição mensal de € 375,00. Em 15.07.2003 terminou o ano escolar e o C… encerrou, pelo que a Autora permaneceu em casa até que o mesmo reabrisse. No dia 15.09.2003 a Autora e a Ré celebraram novo contrato de trabalho, com termo em 15.07.2004, para exercer as mesmas funções e auferindo igual remuneração mensal. No final do ano lectivo, 15.07.2004, o C… fechou e reabriu em 15.09.2004 tendo a Autora permanecido em cada durante esse período. A Ré nunca comunicou à Autora a caducidade dos contratos de trabalho a termo certo celebrados em 01.10.2002 e em 15.09.2003. Em 15.09.2004 a Autora retomou as suas funções. Em 15.07.2005 o ano escolar terminou e o C… encerrou, e a Autora permaneceu em casa até 15.09.2005, data em que retomou o seu trabalho, exercendo sempre as mesmas tarefas, no mesmo horário de trabalho e com a mesma remuneração mensal. Tal situação repetiu-se ao longo dos anos sendo certo que a partir de 15.07.2004 a Autora nunca assinou qualquer contrato de trabalho escrito com a Ré. Acontece que em 19.05.2009 a Ré remeteu à Autora carta a comunicar-lhe a não renovação do contrato de trabalho celebrado em 15.09.2008. No entanto, as cláusulas constantes dos contratos de trabalho e que estipulam o termo são nulas, e a carta remetida à Autora a comunicar a não renovação do contrato configura um despedimento ilícito.

A Ré contestou arguindo a incompetência material do Tribunal do Trabalho. Mais alegou a prescrição dos créditos laborais – relativamente aos contratos verbais ou escritos referentes aos anos de 2002 até 2007 – a validade dos contratos a termo certo celebrados com a Autora, concluindo pela procedência das invocadas excepções e pela total improcedência da acção. Requereu ainda a intervenção acessória do Município ….

A Autora veio responder concluindo pela improcedência das invocadas excepções.

A Mmª. Juiz a quo indeferiu a requerida intervenção acessória provocada e designou dia para a realização de uma audiência preliminar. Proferiu ainda despacho saneador onde julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta material do Tribunal do Trabalho. De seguida, consignou os factos já assentes e elaborou a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal, respondeu-se aos quesitos e foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, foi declarado a nulidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré e condenada esta a pagar-lhe a compensação correspondente ao valor das retribuições que a Autora deixou de auferir desde o dia 28.09.2009 até 14.12.2009, compensação essa à qual terão de ser deduzidas as quantias que a trabalhadora haja recebido a título de subsídio de desemprego no referido período temporal, as quais deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social, a liquidar em incidente de liquidação. Dos mais pedidos foi a Ré absolvida.

A Autora veio recorrer da sentença – na parte em que não considerou nulas as cláusulas que estipularam o termo dos diversos contratos de trabalho a termo certo, com a consequente conversão em contrato sem termo – e requerer o reenvio prejudicial para o TJUE a fim de se pronunciar quanto à interpretação da Directiva Comunitária nº1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante aos acordo quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos a termo, transposta para o nosso ordenamento jurídico pela Lei nº99/2003, de 27.08 – pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que condene a Ré a reconhecer a contratação a termo certo como ilegal, condenando-a a reintegrar a Autora no posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir até à data da sentença, com a consequente procedência da acção, concluindo do seguinte modo: 1.

A decisão recorrida incorreu no erro de considerar que o entendimento do TJ sobre a questão em apreço viola a CRP, nomeadamente o artigo 47º, nº2.

  1. A jurisprudência do TJ é unânime em considerar que o direito da U.E. se impõe aos direitos nacionais, consagrando por isso o primado do direito da U.E.

  2. E se alguma dúvida ainda pudesse existir com o Tratado de Lisboa ficou claro o primado do direito da União.

  3. Os Tratados Constitutivos da União assimilaram dos diversos ordenamentos jurídicos os seus princípios fundamentais, pelo que o disposto no artigo 8º da CRP., mais não é do que um excesso de zelo da nossa Constituição da República, pois quando se está a referir aos princípios fundamentais, os mesmos dizem respeito ao princípio da soberania popular, princípio do pluralismo de expressão e organização democrática, princípio do respeito, garantia e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, princípio da separação e interdependência dos poderes e a independência dos Tribunais.

  4. Tais princípios estão acautelados nos Tratados Constitutivos da União, pelo que não há conflito com esses princípios.

  5. Portugal, com a sua integração na então Comunidade Económica Europeia, actual, União Europeia, está vinculado aos compromissos que assumiu e que constam dos Tratados.

  6. O Tribunal de 1ªinstância é o primeiro aplicador do Direito da União Europeia e da Jurisprudência do TJCE.

  7. A questão de facto em apreço já foi julgada em Tribunais Nacionais que adoptaram o entendimento sufragado pelo TJCE, diga-se a título de exemplo: acórdão proferido em 04.07.2006, publicado na CJ do STJ de 2006, tomo2, página 11/22; o acórdão do STJ de 24.05.2006.

  8. Dispõe o artigo 4º do Tratado de Lisboa que a União Europeia e os Estados Membros, se respeitam mutuamente, no cumprimento das obrigações decorrentes dos Tratados. Os Estados estão, por isso, obrigados a adoptar medidas necessárias para atingir os objectivos dos Tratados, e estão obrigados a não adoptar medidas que coloquem em causa esses objectivos. É a consagração do Princípio da Lealdade Europeia.

    Os Estados respeitam-se mutuamente e obrigam-se a adoptar medidas necessárias a atingir os objectivos comuns e, dessa forma, acautela-se o efeito útil das normas comunitárias.

  9. Dispõe o artigo 53º da CRP que «É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Este direito surge no Capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores, é por isso, um direito fundamental, consagrado igualmente na DUDH, artigo 23º e na Convenção nº158 da OIT.

  10. A protecção desse direito fundamental na União Europeia decorre da justaposição de três esferas jurisdicionais: a que decorre da Constituição de cada Estado Membro, dos tratados constitutivos da União Europeia e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  11. Não restam dúvidas que a contratação a termo, tal como se encontra descrita na petição inicial, e nos factos dados como provados, viola o princípio da segurança no emprego, pois estamos a falar de uma trabalhadora que durante sete anos trabalha para a recorrida, no mesmo local de trabalho, as mesmas funções, e ao fim de sete anos, é comunicada a caducidade do contrato, e simultaneamente, a recorrida contrata outras trabalhadoras para fazerem o que a recorrente fazia.

  12. E foi comunicada a caducidade, que o mesmo é dizer despedimento, apenas e tão só porque a recorrente intentou um processo judicial contra a recorrida, razão pela qual só esta trabalhadora e uma outra que igualmente intentou um processo judicial contra a recorrida, dizia, só estas duas trabalhadoras, foram despedidas.

  13. O TJCE é competente para apreciar os actos jurídicos europeus com base na violação dos direitos fundamentais, com fundamento no artigo 6º/2 do Tratado da União.

  14. A sentença recorrida, ao considerar que não é possível a conversão em contrato sem termo, acarretando simplesmente a nulidade do contrato, esta posição seria subverter os objectivos da Directiva Comunitária, retirando-lhe qualquer efeito útil que não exclui do seu âmbito de aplicabilidade as relações de trabalho no âmbito das entidades públicas, A prevalência da Directiva não ofende os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático – artigo 8º, nº4 da CRP.

  15. É dever do Juiz Nacional – no cumprimento da lealdade europeia prevista no artigo 10º do Tratado da Comunidade e agora no artigo 4º, nº3 do Tratado de Lisboa – recorrer às normas do direito privado que se harmonizem com o estabelecido na Directiva, a significar que o contrato de trabalho é um contrato de trabalho por tempo indeterminado na medida em que se destinou a satisfazer necessidades permanentes e duradouras do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT