Acórdão nº 749/10.0TTPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Setembro de 2012
Magistrado Responsável | FERREIRA DA COSTA |
Data da Resolução | 17 de Setembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Reg. N.º 912 Proc. N.º 749/10.0TTPRT.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B...
instaurou em 2010-04-25 ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C...
, A.C.E.
, pedindo que a R. seja condenada a: a) Reconhecer que na remuneração base do A. se compreende a atribuição de uma viatura automóvel para uso pessoal, constituindo tal atribuição remuneração em espécie, no montante equivalente em dinheiro, no valor de € 1.188,68 líquidos mensais; b) Repor o montante da remuneração mensal do A., correspondente à utilização de viatura para uso pessoal e profissional, entregando-lhe uma viatura nova (0 Km.s) de categoria e valor correspondente à que lhe foi retirada ou, em alternativa, a repor o montante de remuneração mensal do A., aumentando o seu salário mensal, no montante de € 1.188,68 líquidos mensais, valor esse correspondente ao valor mensal antes referido; c) Pagar ao A. o valor correspondente à falta de utilização de viatura, durante o tempo em que esteve e esteja privado do seu uso, calculado desde o dia imediato ao da entrega do veículo anterior – 2010-01-29 - até entrega de novo veículo ou início de integração do montante peticionado no salário do A., no montante de € 1.188,68 líquidos mensais; d) Pagar ao A., a título de indemnização, por danos não patrimoniais, a quantia de € 3.500,00.
Alegou o A. que foi admitido ao serviço do C1..., S.A. em 1998-11-18, tendo sido acordado que a retribuição do A. era integrada pela atribuição de uma viatura para uso pessoal, sendo certo que em 2003-03-02, entre o A., a R. e o C1... foi celebrado um acordo de cedência de posição contratual, mediante o qual o A., sem qualquer perda de direitos ou garantias, foi cedido por tempo indeterminado à R. Mais alegou que desde o início lhe foi atribuída uma viatura para uso total, profissional e pessoal e que em janeiro de 2010 a R. ordenou ao A. que entregasse a mesma viatura, não lhe atribuindo outra em sua substituição, apesar de o A. lho ter pedido. Mais alegou o A. que teve que adquirir uma viatura em substituição da que lhe foi retirada, sendo que esse facto não estava nos planos e orçamento do seu agregado familiar e que, entre o momento da entrega à R. da viatura que esta lhe havia atribuído e a aquisição da viatura usada que comprou, teve que reorganizar os seus tempos de lazer, na medida em que deixou de ter a disponibilidade da viatura para passear com a família aos fins de semana e férias. Por último, alegou que após a devolução da viatura que a R. lhe atribuíra, o seu agregado familiar ficou sem qualquer viatura para se deslocar, tendo abdicado das suas atividades de lazer, dando primazia ao acompanhamento da filha do casal.
A R. contestou, alegando que foi por mera tolerância que atribuiu uma viatura ao A., a qual podia ser retirada a qualquer momento, pelo que ela não integra a sua retribuição em espécie.
O A. respondeu à contestação.
Foi proferido despacho saneador tabelar.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal produzida, tendo-se assentado a matéria de facto pela forma constante do despacho de fls. 148 a 157, sem reclamações conhecidas.
Proferida sentença, o Tribunal a quo: “I - Condenou a R. a pagar ao A. o montante de € 8.274,24 (oito mil, duzentos e setenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), a título de equivalente monetário à parte da retribuição em espécie (automóvel de serviço também para uso pessoal) que a R. pagou ao A. até 29.JAN.10, desde essa data até 31.MAI.ll.
II - Condenou a R. a pagar ao A. mensalmente - a partir de 01.JUN.11 - o valor de € 517,14 (quinhentos e dezassete euros e catorze cêntimos), correspondente a essa parte da retribuição que lhe é devida.
III - Relegou para liquidação a parte dessa retribuição correspondente à utilização pessoal em portagens.
IV - Absolveu a R. dos outros pedidos deduzidos pelo A.”.
Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs recurso de apelação, invocando a nulidade da sentença e pedindo que se a revogue, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1ª A Douta sentença recorrida em crise está viciada de nulidade nos termos dos artigos 7º e 18º da CRP, 201º do CPC e 1º do CPT; 73º do CPT e 668º, nº 1, al. d) do CPC.
Existindo nítida violação da lei por omissão de pronúncia - 73° e 77° do CPT, 660º nº 2 e 668º nº 1 aI. d) do CPC.
-
Isto porque tendo o autor feito um pedido em valores certos e líquidos, a sentença é omissa quanto a tal qualidade de liquidez.
-
Ainda, com tal omissão a sentença não dá cumprimento ao estatuído no artigo 75º do CPT, que estatui que a sentença deve ser orientada por forma a fixar a quantia certa da importância devida.
-
Dando origem a interpretações dúbias em sede de cumprimento da mesma, pois descurando o dever acima prescrito, condena a Ré numa quantia certa, omitindo a sua liquidez.
-
Pelo que, face à procedência da nulidade invocada deverá ser a sentença alterada com o aditamento de que a condenação da Ré é em montantes líquidos.
-
A sentença de que se recorre, faz uma incorreta aplicação do direito face aos factos dados como provados, quando não reconhece que o autor, tendo em conta o provado em 2., 3., 4., 6., 9., 10. e 22., a entrega de uma viatura era a única forma legal de repor a retribuição do autor.
-
Na medida em que provando que a utilização total de uma viatura automóvel fazia parte da retribuição do autor, porque consabida no conceito do art. 249º do CT e contratualizada entre as partes; 8ª Conclui que só a parte de utilização profissional fazia parte de tal.
-
Ao decidir assim, viola o princípio da irredutibilidade da retribuição, na medida em que retira da sua composição a sua parte em espécie, alterando a estrutura salarial do autor.
-
Devendo, em consequência e em obediência à boa aplicação do direito, ser a Ré condenada a entregar uma viatura automóvel ao autor de acordo e nas condições em sede de pedido.
-
Ainda, ao ignorar o pedido alternativo, legitimamente feito pelo autor a sentença viola o disposto nos art. 543º do CC, 468º e 661º do CPC, volta a haver uma incorreta aplicação do direito.
-
Pois tendo o autor formulado o pedido em alternativa real - ou a entrega de uma viatura ou a respetiva equivalência em dinheiro -, a condenação que consta da sentença consubstancia condenação em objeto diverso do pedido.
-
Assim, a sentença em análise padece de erro na aplicação do direito, por violação dos acima citados artigos, bem como dos artigos 549º e 661º do CPC.
-
Bem como dos artigos 129º e 258º do CT, uma vez que, ao arrepio do conceito de retribuição e de liberdade contratual, não considera a atribuição da viatura em termos totais como forma de retribuição em espécie; 15ª Pelo que, corrigindo tal erro, deverá a sentença ser substituída por outra que considere que a atribuição de uma viatura em espécie para uso total, faça parte da retribuição do autor.
-
E, em consequência condene a Ré, alternativamente, a entregar uma viatura ao autor ou, em alternativa e em prazo a fixar, repor o montante mensal correspondente em dinheiro.
-
Nunca o tribunal a quo poderia ter, dando como provado que a viatura entregue ao autor fazia parte da retribuição, estabelecendo que o custo/vantagem da mesma atribuição tinha o valor de 1.090,00 euros; 18ª Para depois restringir o montante em dinheiro correspondente a essa atribuição somente à vertente pessoal de utilização.
-
A disponibilização da viatura foi-o contratual e de forma total, não tendo a Ré alegado ou provado a ligação do uso da viatura à atividade profissional do autor.
-
O proveito próprio que o autor fazia da viatura era sem qualquer dependência do exercício da sua atividade profissional e de forma total como ficou provado.
-
Logo, face ao atrás concluído, ao direito aplicável, sem conceder, caso a sentença não determinasse a entrega da viatura ao autor, deveria, no seguimento de toda a argumentação nela expendida; 22ª Deveria ter condenado a Ré a aumentar a retribuição do Autor, em substituição à entrega do carro, no montante do valor fixado em 5.2., de 1.090,00 euros.
-
Ainda, sem conceder, o Meritíssimo Juiz a quo, chegando a um conceito de uso pessoal da viatura para calcular o valor da retribuição em espécie, considera que a vida pessoal do autor se reduz a fins de semana e férias.
-
Tendo elaborado um juízo conclusivo não apoiado em quaisquer factos diretamente relacionáveis e imputados à Ré ou ao Autor.
-
Salvo melhor e mais douta opinião, afigura-se-nos que tal juízo se expressou numa conclusão sobre matéria de facto, sem se alicerçar em factos concretos que o revelem e que a parte haveria de alegar, por se tratar de factos essenciais à procedência da sua pretensão, em desobediência ao disposto no artº 264º do C.P.Civil. 26ª Sequer as regras do bom senso nos levariam a tal conclusão, quer as regras da experiência quer a jurisprudência citada na sentença nos dizem que a vida pessoal se estende para fora do horário de trabalho, durante a semana.
O raciocínio deveria ter sido efetuado por exclusão, desconsiderando o uso profissional durante 37 horas semanais, na medida em que todas as outras horas são pessoais! 27ª O mesmo resulta da prova gravada, que confirmam tal tese, nomeadamente dos depoimentos transcritos das testemunhas D... e E....
-
Cometendo, assim a sentença, erro de julgamento, quer face à matéria dada como provada, quer perante os depoimentos acima transcritos, violando os artigos 659°, n.º 3, in fine; 712°, n.º 1, als. a) e b), e art. 490°, n.º 1, todos do CPC.
-
Devendo, em consequéncia ser a sentença, na parte em que efetuou o cálculo da parte pessoal da retribuição em substituição da viatura ser alterada por forma a incluir a parte de uso fora do horário de trabalho de segunda a sexta-feira.
-
Ainda, andou mal a sentença em crise ao não condenar a Ré ao pagamento dos danos não patrimoniais peticionados.
-
Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, na medida em que deveria ter o tribunal dado como provado que o autor, com a retirada da sua viatura para uso...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO