Acórdão nº 105/08.0TBRSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelLUÍS LAMEIRAS
Data da Resolução07 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo nº 105/08.0TBRSD.P1---1.ª apelação . apelante B…, SA (sucursal em Portugal), antes designada C…, Companhia de Seguros SA; . apelada D….

  1. apelação . apelante D...

; . apelada B..., SA (sucursal em Portugal), antes designada C..., Companhia de Seguros SA.

--- SUMÁRIO: I – Não exercendo o lesado, em acidente de viação, qualquer actividade remunerada, à data do infortúnio, deve ainda sim ser indemnizado pelo dano futuro consistente na perca da aptidão para o exercício dessa actividade, de que se viu despojado por força das lesões; a qual comporta um indiscutível alcance patrimonial; II – A fixação de uma indemnização em renda ao lesado é devida desde que os danos apresentem um carisma sucessivo e constante, e ele assim o requeira; como é o caso de se evidenciar a carência, para toda a vida, do apoio de uma terceira pessoa, a quem se terá de pagar (artigo 567º, nº 1, do Código Civil); III – Na fixação do volume da renda, e na falta de outros mais sólidos elementos, deve o tribunal sustentar-se em juízos de equidade, dentro daquilo que seja expectável, dentro de um critério de sensata probabilidade, que deva vir a ser gasto (artigos 564º, nº 2, início, e 566º, nº 3, do Código Civil) IV – As portarias nºs 377/2008, de 26 de Maio, e 679/2009, de 25 de Junho, publicadas a pretexto de estabelecerem critérios orientadores para efeitos de indemnização, em certos casos, a lesados por acidente automóvel, mesmo não sendo estritamente aplicáveis, podem ser ponderadas como instrumentos de apoio na procura de uma concretização indemnizatória capaz de superar o dano; V – Se, em certa hipótese concreta, testados os índices facultados por tais instrumentos, o resultado a que se chegue for um que o senso de justiça e os padrões habitualmente seguidos nos tribunais não permitam enquadrar, deve esse resultado ser corrigido para moldes mais adequados e ajustados, dentro do que permita e induza o critério da equidade (artigo 566º, nº 3).

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. A instância da acção.

1.1.

D… propôs, em 19 de Maio de 2008, acção declarativa, na forma ordinária, contra B…, SA (sucursal em Portugal), então chamada de C…, Companhia de Seguros SA, pedindo a condenação a entregar-lhe (1) a quantia de 125.250,00 €, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, (2) a renda mensal vitalícia de 750,00 € com início em Junho de 2008, acrescida de iguais importâncias em Julho e Dezembro de cada ano, tudo anualmente actualizado em Abril por aplicação do índice de variação de preços no consumidor, do continente, fixado pelo INE, para o ano imediatamente anterior, e juros desde o vencimento de cada prestação, e (3) o que ela venha no futuro a despender em tratamentos, medicamentos e transportes para tratamentos “indemnização … a liquidar em execução de sentença”.

Alegou que no dia 12 de Dezembro de 2007 o veículo automóvel de matrícula ..-BN-.., seguro na ré, foi deixado estacionado pelo seu condutor numa rua de acentuado declive descendente, e mal travado; o veículo soltou-se e deslocou-se, ganhando velocidade por força do seu peso e do declive da rua; progrediu em marcha desgovernada; e galgou o passeio onde ela (autora) estava. Ao tempo, ela seguia por aí, a pé, de costas para o veículo; foi por este embatida e projectada contra um muro de pedra que no local delimitava o passeio; e ficou entalada entre o veículo e o muro.

Ora, por causa de tudo isto, ficou gravemente ferida, com esmagamento do membro inferior esquerdo; foi transportada para o hospital; submetida a intervenção cirúrgica no serviço de urgência; esteve internada e em tratamentos; em 8 de Janeiro e em 19 de Fevereiro voltou ao bloco para limpeza cirúrgica; e só em 9 de Abril teve alta. O serviço de ortopedia aconselhou a continuação dos tratamentos e o acompanhamento. Devendo manter-se a assistência em consulta externa do hospital. A autora encontra-se desde o acidente em situação de total incapacidade para o trabalho; com necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, dia e noite; situação que se prevê a continuar. O membro inferior esquerdo está gravemente afectado por deformações e debilidade. Há impedimento de, no futuro, ser exercida qualquer actividade ou sequer as tarefas da lide doméstica. Ora, a autora era, antes do sucedido, uma mulher saudável, activa e alegre; tinha 58 anos; recebia 250,00 € por mês de uma sua filha pelo encargo de cuidar da neta, então com 10 anos, que consigo residia; era alegre e feliz por ter a neta consigo. Vive em casa arrendada gastando 250,00 € por mês; e mais 50,00 € que paga ao banco por uma dívida antiga. A neta passou a residir em casa de uma tia; com perda económica e afectiva da autora. Era de prever que a neta ficasse consigo mais oito anos; deixando de poder cuidar dela deixará de receber da sua filha 24.000,00 €. Desde a alta hospitalar, não pode estar só e necessita em permanência de ajuda de terceira pessoa, que tem vindo a contratar mediante o pagamento de 4,00 € por horas; encargo para que precisa, pelo menos, de dispor de 750,00 € por mês. A ré deve entregar-lhe, entre 9 de Abril de 2008 e Maio de 2008, a quantia de 1.250,00 €; e a partir de Junho de 2008 a renda mensal vitalícia de 750,00 € e igual importância em Julho e Dezembro de cada ano, a título de subsídio de férias e de Natal, tudo actualizado em Abril de cada ano, de acordo com o índice de variação de preços fixado pelo Instituto Nacional de Estatística. Além disso, a autora sentiu dores intensas e persistentes que perdurarão no futuro; está e continuará gravemente incapacitada; limitada nos movimentos e confinada a uma vida dentro de casa e imediações; sem companhia da neta; incapaz de prover ao sustento, à execução de tarefas da vida doméstica; carecendo de ajuda para os actos da sua vida diária; desgostosa por motivo da deformidade com que ficará na perna; angustiada e preocupada com o futuro; deprimida e triste. Os danos não patrimoniais, incluindo o estético, são avaliáveis em 100.000,00 €. Entretanto, acaba de ser novamente internada no hospital; e precisa de nova cirurgia; e é de prever que no futuro venha a realizar despesas com tratamentos, medicamentos e transportes para os tratamentos; quantia que só a “liquidação em execução de sentença” poderá concretizar.

1.2.

A ré contestou; e concluiu que a acção deve “ser julgada improcedente ou parcialmente procedente, de acordo com a prova que vier a ser produzida em julgamento quanto ao acidente e quanto aos danos sofridos pela autora”.

Disse, ao que mais importa, não estar ciente da responsabilidade do segurado na eclosão do sinistro; ademais, que a indemnização deve cingir-se às lesões que se apurem em exame médico-legal; além de que, importará obedecer a critérios orientadores para a fixação de quantum doloris, eventuais incapacidades e cálculo de indemnizações; e haverá que fazer abatimentos a quantias reclamadas, sob pena de enriquecimento indevido. Por fim, que é pouco perceptível o meio de sobrevivência da autora, do que vivia para o seu sustento e da neta; sendo até provável que exercesse alguma actividade remunerada; e que a filha mantivesse (e mantenha) a ajuda monetária; aspectos que ela (autora) deve clarificar.

1.3.

A autora clarificou que não exercia actividade remunerada; e que eram os filhos que a ajudavam a fazer face aos seus encargos e gastos.

1.4.

A instância declaratória desenvolveu-se; e com vicissitudes.

1.4.1.

A autora, em 6 de Janeiro de 2009, ampliou o pedido em mais 50.000,00 € e juros, desde a notificação à ré. Relembrou que no dia 15 de Maio foi outra vez internada; que apresentava infecção grave na perna esquerda, e outras complicações. Corria risco de vida e receava-se a propagação da infecção. No dia 21 de Maio de 2008 foi submetida a intervenção cirúrgica consistente a amputação do membro inferior esquerdo. No pós-operatório teve infecção; e fez terapêutica. Em finais de Junho de 2008 iniciou fisiatria e reeducação funcional. Em 16 de Julho manifestou-se nova infecção no coto de amputação e necessidade de novos tratamentos; em 4 de Setembro efectuou-se limpeza cirúrgica. E a autora padeceu. Em 10 de Setembro foi transferida para outro hospital. E neste ficou internada, em tratamento de recuperação, até ao dia 7 de Outubro de 2008; data em que teve alta para o domicílio. Persistiram dificuldades de cicatrização do coto de amputação. Já no domicílio continua a ser diariamente assistida por enfermeiro, com dispêndio diário de 20,00 €. Gastando mensalmente, em transportes para as consultas, não menos de 100,00 €. E 250,00 € em medicação. Paga ainda 300,00 € por mês a cada uma das duas senhoras que, dia e noite, a ajudam e acompanham em casa e nas deslocações para tratamentos, bem como a substituem nas tarefas das lides domésticas e auxiliam nos actos da vida diária. A situação clínica exige ainda uma alimentação cuidada e um acréscimo de custo mensal de 100,00 €. Além de tudo, a autora padece de dores; manifesta acentuada angústia, preocupação e depressão. A dificuldade de cicatrização do coto de amputação faz prever a necessidade de nova raspagem. A autora vai ficar com uma IPP que se prevê na ordem dos 70%, com incapacidade total e absoluta para o trabalho e para a execução das tarefas de lide doméstica, com necessidade permanente de ajuda de terceiras pessoas. Neste contexto, justifica-se a valoração dos danos não patrimoniais em mais 50.000,00 € do que o reclamado na petição.

1.4.2.

A ré respondeu à ampliação. Referiu como única novidade de relevo a “alegada amputação do membro inferior esquerdo”; e que o novo valor de 50.000,00 € já se devia entender “de algum modo, implícito no valor inicialmente peticionado”. Ademais, que haverá de equacionar critérios orientadores; que os valores agora referidos, como gastos, se não coadunam com o que na petição a autora dissera ser o seu meio de subsistência. Por fim, ao que importa, que a ampliação deve “ser julgada improcedente ou parcialmente procedente, de...

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