Acórdão nº 0812435 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução21 de Maio de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 2435/08-1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO 1. No processo comum (com intervenção de tribunal singular) nº ../03.5TAPFR que corre termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, em 9/1/2008, foi proferida a seguinte decisão (fls. 57 a 67 destes autos de recurso): "B.........., condenado nos presentes autos, em cúmulo jurídico, na pena de dezoito meses de prisão, veio dizer o seguinte: • No dia 13 de Janeiro de 2008 completará seis meses da referida pena que cumpre no Estabelecimento Prisional do Porto, sendo que tem tido um comportamento exemplar que pode ser atestado pelos serviços; • O art. 58 do Código Penal (novo) determina, mediante as condições ali inscritas, o que não acontecia anteriormente que, "Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição"; • Também o art. 44/1, b) (novo) do mesmo diploma é límpido ao afirmar que "O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito" pode ser executado em "regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância..." • Por fim, o art. 50 (novo) do CPP veio, no seu n.º1, alargar o âmbito da suspensão da pena de prisão até aos 5 anos.

Concluiu pedindo, nos termos dos arts. 5.º; 371-A do CPP e dos arts. 44/11, b) e 2; 50, 51, 52, 53, 54 e 58/1 do Código Penal, a reabertura da audiência de julgamento «por forma a ver o requerente ponderada a sua situação, à luz dos novos preceitos legais e da filosofia que lhes subjaz».

O Ministério Público promoveu, a fls. 354, o indeferimento do requerido, pelo facto de a abertura da audiência prevista no art. 371-A do CPP, na actual redacção, apenas se mostrar possível caso a decisão em causa tivesse já transitado em julgado antes da data de entrada em vigor do novo CP, o que não é o caso, uma vez que a decisão de fls. 312 - 316 transitou em julgado em data posterior à da entrada em vigor do CP. Mais referiu que ainda que no momento em que foi proferida a decisão era legalmente possível o recurso à suspensão da execução da pena de prisão, instituto que não foi aplicado, conforme se retira claramente da fundamentação expendida para o efeito em tal decisão, por não se justificar.

*Cumpre apreciar, partindo da seguinte factualidade:

  1. O requerente sofreu as seguintes condenações: (1.ª) Nos presentes autos (processo comum singular n.º ../03.5TAPFR), por sentença de 15.X.2004, transitado em julgado a 26.XI.2004, por factos ocorridos no dia 4.III.2003: (i)) como autor material de dois crimes de ameaça, ps. e ps. pelo art. 153/1 do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão por cada um deles; (ii)) como autor material de dois crimes de injúria agravada, ps. e ps. pelos arts. 181/1 e 184, com referência ao art. 132/2, j), do Código Penal, na pena de 2 meses de prisão por cada um deles; (2.ª) No processo comum singular n.º .../03.4GAPFR, do ..º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, por sentença de 30.III.2004, transitada a 28.VI.2004, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, pela prática, em 19.VII.2003, de um crime de condução sem habilitação legal; (3.ª) No processo comum singular n.º .../02.1GAPFR, também do ..º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, por sentença de 19.XI.2003, transitada a 18.XI.2004, nas seguintes penas: 4 meses de prisão por cada um de dois crimes de condução sem habilitação legal, praticados nos dias 15 de Abril de 2002 e 7 de Maio de 2002; 8 meses de prisão, por cada de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, praticados nos dias 15 de Abril de 2002 e 7 de Maio de 2002; e 5 meses de prisão, por um crime de coacção, praticado no dia 15 de Abril de 2002. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 20 meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de dois anos.

  2. Para além das condenações referidas, foi ainda condenado (4.ª) Sentença de 20 de Maio de 2002, transitada em julgado a 8 de Julho de 2002, no processo comum singular n.º .../01.0GAPFR, do ..º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, na pena de 190 dias de multa, pela prática, de um crime de detenção ilegal de arma de defesa; (5.ª) Sentença de 9 de Abril de 2003, transitada em julgado a 6 de Maio de 2003, no processo comum singular n.º .../02.4GBVLG, do ..º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Valongo, na pena de 110 dias de multa, pela prática, em 7 de Setembro de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal; (6.ª) Sentença de 11 de Abril de 2003, transitada a 6 de Maio de 2003, no processo comum singular n.º .../02.9GAPFR, do ..º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, na pena de 150 dias de multa, pela prática, em 22 de Junho de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal.

    (7.ª) Sentença de 20 de Janeiro de 2004, transitada a 29 de Março de 2004, no processo comum singular n.º .../03.4GAPFR, do ..º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, na pena de 140 dias de multa, pela prática, em 15 de Março de 2003, de um crime de condução sem habilitação legal.

  3. Por sentença proferida no dia 12 de Setembro de 2007, transitada em julgado, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos presentes autos e nos processos n.ºs .../03.4GAPFR e .../02.1GAPFR, tendo-se fixado a pena única em 18 meses de prisão*O requerimento em apreço resulta das alterações introduzidas, pela Lei n.º 59/2007, de 4.09, no sistema sancionatório constante do Código Penal.

    A referida Lei entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2007 - ou seja, depois de proferida a sentença que procedeu ao cúmulo jurídico das penas, fixando a pena única em 18 meses de prisão, mas antes do respectivo trânsito em julgado.

    Diz o art. 2.º/4 do Código Penal que «quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.» Daqui resulta, como corolário do disposto no art. 29/4 da Constituição da República Portuguesa, o princípio da aplicação da lei penal mais favorável cf. Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra, 1990, p. 79.

    No entender de Eduardo Correia (Direito Criminal, I, reimpressão, Coimbra, 1993, p. 159), verificando-se que um facto foi praticado no domínio de uma lei que estabelece para ele certa pena e que no momento do julgamento está em vigor uma outra que estabelece para ele uma punição diferente, deve verificar-se, para determinar qual a lei mais favorável ao agente, qual a pena que caberia pelo facto praticado em face de cada um dos sistemas. Esta ideia, que deve valer também quando as penas são qualitativamente iguais e só quantitativamente diferentes, tem na sua génese a circunstância de poder suceder que uma lei seja mais favorável em abstracto, mas, consideradas certas circunstâncias atenuantes que uma outra lei prevê, venha a verificar-se que concretamente é esta que é mais favorável ao agente neste sentido, cfr. Ac. STJ de 26.01.83 (BMJ 323, p. 208), Acs. RP de 16.02.83 (Processos n.ºs 2175-3.ª e 2214-3.ª), Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, I, Lisboa, 1997, p. 264, Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 153, Lopes Rocha, Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço, nas Jornadas de Direito Criminal, CEJ, Lisboa, 1982, p. 95, e Figueiredo Dias, Crime de Emissão de Cheque sem Provisão, CJ, XVII, t. 3, ps. 70-71.

    Por outro lado, é o regime penal que no seu conjunto se apresente como concretamente mais favorável que se aplica, tal como defendeu o STJ na motivação do Assento de 15.02.89 (Diário da República, I série de 17.03.89), não sendo por isso lícito aplicar normas de um e de outro dos regimes. Foi esta a ideia que se pretendeu acentuar com a substituição de normas (constante do art. 3.º, n.º 2 do Anteprojecto, correspondente ao actual art. 2.º, n.º 4, do Cód. Penal) por regime, sendo certo que, na discussão que se travou a este propósito no seio da Comissão revisora do Código Penal, o Autor do Anteprojecto - o Professor Eduardo Correia - se inclinou, tal como os restantes membros da Comissão, para a ponderação e aplicação em bloco. Contudo, e porque se reconhece que o valor interpretativo dos trabalhos preparatórios é relativo, sempre se dirá que a ponderação diferenciada (proposta, entre nós, por Taipa de Carvalho, ob. cit., ps. 154 e ss.), implica a criação pelo julgador de um terceiro regime, distinto dos regimes legais em confronto, e resultante da conjugação de elementos retirados de uma e de outra lei.

    Na redacção da norma anterior à Lei n.º 59/2007, de 4.09, estabelecia-se, como limite à aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, o caso julgado, solução contestada por Taipa de Carvalho (ob. cit., ps. 213 e ss.), que a entendia como violadora da norma do art. 29/4 da Constituição da República e do princípio da igualdade, consagrado no art. 13/1, 2.ª parte, deste diploma fundamental.

    O art. 2.º/4 determina, na sua nova redacção, a aplicação retroactiva da lei nova mais favorável, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que significa que, nos casos de sucessão de lei penais, a aplicação retroactiva da lex mitior apenas não ocorre se já tiver cessado a pena e os seus efeitos.

    Concomitantemente com esta alteração, foi introduzido, no Código de Processo Penal, pela Lei n.º 48/07, de 29.08, o art. 371-A, do seguinte teor: «Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei pena mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime».

    Parece decorrer do citado artigo...

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