Acórdão nº 327/09.6TTFUN.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelLEOPOLDO SOARES
Data da Resolução16 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

AA, [1] (…)l, intentou contra “ República Bolivariana da Venezuela”, representada pelo seu Embaixador em Portugal, com sede à Avenida Duque de Loulé, nº 47, 4º, Lisboa, acção , com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho.

Pede que seja declarado ilícito o despedimento efectuado, dada a inexistência de justa causa ou de procedimento disciplinar e a condenação da Ré no pagamento das retribuições vencidas e vincendas até à reintegração no seu posto de trabalho, reservando-se ainda o direito de exercer a sua opção prevista no artº 439º do CT/2003, e bem assim o pagamento da quantia de € 4 980,68 respeitantes a diuturnidades, bem como o pagamento das retribuições respeitantes aos meses de Maio e Junho e aos proporcionais, a apurar em sede de futura liquidação.

Alega, em resumo, que , em 11.09.2001 foi contratada pelo Consulado da Ré na Região Autónoma da Madeira para exercer tarefas nas suas instalações administrativas.

Por comunicação escrita de 30.04.2008, a Ré comunicou-lhe que o último dia de vigência do seu contrato se verificava em 30.06.2009. Segundo a descrição das suas funções, teria direito a uma diuturnidade a partir de 11.09.04 e a duas diuturnidades a partir de 11.09.07, tendo a haver a esse título a quantia de € 4 980,68.

Não lhe foi concedido o gozo de férias a que tinha direito, tendo a haver a quantia de € 864,13, bem como outras retribuições referidas na p.i., a liquidar em execução de sentença.

Realizou-se audiência de partes.

A Ré contestou.

Todavia a contestação ficou sem efeito, nos termos do artº 33º do C.P.C. ex vi artº 1º, nº2, al.a) do C.P.Trabalho, por despacho proferido a fls. 91 e 92.

Foram juntas traduções dos dois documentos juntos com a petição inicial.

Veio então a ser proferida decisão que na parte que aqui releva teve o seguinte teor: “ Considerando que a Ré nos presentes autos é um Estado Estrangeiro, cumpre, antes de mais, apreciar se este Tribunal é internacionalmente competente, o que, a verificar-se, determina a incompetência absoluta do Tribunal, que é de conhecimento oficioso. Cfr. artºs 101º e 102º do C.P.C.

Em ordem a decidir esta questão, será por certo importante situar com rigor os termos da lide.

Ao apresentar os fundamentos de facto da acção a Autora alega que foi contratada pelo Consulado da Ré na Região Autónoma da Madeira para exercer as tarefas nas suas instalações administrativas.

Resulta do contrato celebrado entre as partes que se acha junto a fls. 8, com tradução a fls. 85 e 86, que a Autora, de nacionalidade Venezuelana, foi contratada como funcionária local, para exercer as suas funções no Consulado da Venezuela no Funchal, as quais consistiam no pagamento do pessoal e despesas diversas do pessoal, manuseamento de livros de cheques, verificação de transferências bancárias, livro diário e acordos, elaboração das rendições mensais, elaboração da execução orçamental, formulação e elaboração do orçamento, modificações orçamentais, formulação e elaboração do Plano Operativo Anual e seguimento e avaliação do mesmo, fecho do exercício fiscal, bens nacionais, elaborar os contratos de trabalho locais e qualquer outra actividade inerente à área administrativa.

Mais alega que, por comunicação escrita datada de 30.04.08, a Ré comunicou à Autora que o último dia de vigência desse contrato se verificaria em 30.06.08.

Resulta do documento junto aos autos a fls.9 com tradução a fls. 87 e 88, que A cessação do contrato que vinculava as partes teve como fundamento “ a reestruturação interna do Consulado Geral no Funchal. Razões estruturais devidamente autorizadas, através da comunicação “ confidencial” interna 001817 datada de 14 de Abril de 2008, pelo Serviço de Recursos Humanos, Direcção do Pessoal do Serviço Exterior, Coordenação do Pessoal Local do Ministério do Poder Popular para os Negócios Estrangeiros, em conformidade com o estabelecido nos nºs 14 e 215 da Circular DGRH/DPDC número 000524 de 7 de Fevereiro de 2000”.

De acordo com o Direito Consuetudinário Internacional os Estados soberanos e independentes gozam reciprocamente de imunidade de jurisdição, com fundamento no princípio da igualdade e da autonomia.

Nesta matéria, entendemos que a imunidade de jurisdição dos Estados Estrangeiros deve ter um âmbito restrito, isto é, limitado apenas aos actos jure imperii, de gestão pública. É que, se tal regra da imunidade de jurisdição radica no princípio da igualdade e autonomia dos Estados soberanos, isto é, no facto de exercerem funções de soberania, lógico é que essa imunidade só exista quando os Estados exercem funções de soberania e não quando actuam como particulares, despedidos do jus imperii. (neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RL de 23.06.2004, em www.dgsi.pt) Nos presentes autos, é manifesto que as funções exercidas pela Autora são de carácter subalterno, não lhe podendo, ser reconhecida qualquer posição de direcção na organização do serviço público da Ré ou de desempenho de funções de autoridade ou de representação.

E, sendo assim, como parece ser, o contrato de trabalho celebrado entre as partes, assume um mero acto de gestão privada, idêntico ao que qualquer empregador pudesse celebrar.

O mesmo não se dirá quando à cessação do contrato na medida em que se enquadra na “ reestruturação interna do Consulado Geral no Funchal”, em conformidade com orientações definidas pelo “ Serviço de Recursos Humanos, Direcção do Pessoal do Serviço Exterior, Coordenação do Pessoal Local do Ministério do Poder Popular para os Negócios Estrangeiros, em conformidade com o estabelecido nos nºs 14 e 215 da Circular DGRH/DPDC número 000524 de 7 de Fevereiro de 2000”.

Cremos, assim, que estamos perante a prática de um verdadeiro acto de soberania por parte do Estado da República Bolivariana da Venezuela, relativamente ao qual goza de imunidade de jurisdição.

Subscrevemos, assim, o entendimento explanado no Ac. da Relação de Lisboa, de 22 de Junho de 2005, proferido no processo nº 4107/05, o qual passamos a citar: “ Com efeito, constituiria uma ingerência intolerável face ao princípio da igualdade soberana dos Estados, que um tribunal de um outro Estado pudesse julgar a decisão de um Estado relativamente à sua própria organização interna, como é a Reestruturação dos serviços consulares”.

E sendo assim, os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes para julgar o Estado da República Bolivariana da Venezuela.

Termos em que, ao abrigo do disposto nos artºs 101º, 102º e 105º, todos do CPC, declaro este Tribunal internacionalmente incompetente e, consequentemente, absolvo a Ré da instância.

Custas pela Autora.

Registe e notifique.

Fixo à causa o valor de € 5 000,01” – fim de transcrição.

Inconformada , a Autora representada pelo MºPº , apelou.

Concluiu que: (…) A Ré não contra alegou nos termos legais, visto que não se mostra representada por Advogado.

Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.

***** Na presente decisão ter-se-ão em conta os factos constantes do supra elaborado relatório.

**** É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).

[i] In casu, a nosso ver, o presente recurso suscita uma única questão que consiste em saber se o Estado da Venezuela goza de imunidade judiciária no tocante ao litígio em apreço.

**** Porém, analisados os autos, antes de mais, constata-se que a decisão recorrida foi dada sem que...

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