Acórdão nº 2224/2007-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Janeiro de 2008
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO ROMBA |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa A... intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presentes acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra B...SA, alegando, em síntese, ter celebrado com a R. em 23/1/95 um contrato de trabalho, pela R. denominado de prestação de serviços.
(...) Conclui o A. resultar da factualidade descrita que entre ele e a R. foi celebrado um contrato a termo incerto, sem respeitar os requisitos previstos no art. 42º do DL 64-A/89 de 27/2, com as consequências previstas no nº 3 do mesmo artigo.
Por carta de 22/11/2002 a R. comunicou ao A. a cessação do contrato o que se traduz num despedimento ilícito.
O A., que tinha todas as razões e motivos para se considerar realizado como trabalhador, de um dia para o outro e sem motivo que o justificasse, perdeu o emprego donde retirava o seu sustento, vivendo um drama diário que lhe está a causar um enorme e profundo desgosto e sofrimento, face à situação que lhe foi criada pela R., vivendo num clima de insegurança total, com pesadelos constantes, de dia e de noite (já que praticamente não consegue dormir), que o têm arrasado completamente, quer do ponto de vista psicológico, quer do ponto de vista físico e anímico.
Termina pedindo: I - Reconhecimento da existência entre Autor e Ré de uma relação jurídica de natureza laboral (contrato de trabalho); II - Ser declarada a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo por parte da Ré, por não ter sido precedido de processo disciplinar nem existir justa causa que o funde, com todas as consequências legais: a) Ser a Ré condenada na reintegração do Autor ou caso este assim o não entenda, ser condenada no pagamento de Euros 21.069,20, a título de indemnização por antiguidade calculada nos termos do artigo 13.º do DL n.º 64-A/89 de 27/02; b) Caso o Autor opte pela sua reintegração, ser a Ré condenada no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, do montante de Euros 200,00, por cada dia de atraso; c) Ser a Ré condenada no pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde 01/01/2003 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros legais contados desde a data em que se forem vencendo até efectivo e integral pagamento, devendo para tanto considerar-se a quantia líquida de Euros 2.633,65 como sendo o valor da retribuição mensal do Autor; III - Ser a Ré condenada no pagamento dos subsídios de férias e de Natal que o Autor nunca auferiu desde 23/01/95 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros legais contados desde a data em que se foram vencendo até efectivo e integral pagamento, devendo para tanto considerar-se a quantia líquida de Euros 2.633,65 como sendo o valor da retribuição mensal do Autor; IV - Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor do montante mínimo de Euros 25.000,00, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial causados ao demandante pela conduta ilícita da Ré.
V - Ser a Ré condenada a efectuar todos os descontos devidos à Segurança Social e a suportar todas as quantias de que o Autor resultar tributado em sede de IRS.
A R. contestou impugnando os factos alegados pelo Autor. Alegou, designadamente que, como o A. não pode ignorar, atentas as suas qualificações literárias, o acordo escrito celebrado entre Autor e Ré é um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, acordo escrito esse que podia ser livremente revogado pelas partes, em qualquer momento, mediante aviso prévio mínimo de 30 dias, não havendo lugar a qualquer indemnização. O A. desempenhava funções com plena autonomia na organização concreta das tarefas e dos meios necessários para alcançar o resultado acordado com a Ré - prestação de serviços, no âmbito da especialidade de engenharia civil, nomeadamente na elaboração de projectos de engenharia civil e fiscalização de empreitadas, de harmonia, tão somente, com as obrigações assumidas pela Ré para com os seus clientes -, sem categoria profissional ou integração na estrutura organizativa e hierárquica da empresa (nomeadamente, mediante a atribuição de um posto de trabalho), recebendo mensalmente honorários variáveis, em função das horas de serviços efectivamente executadas (não auferia quaisquer quantias, caso não realizasse os serviços acordados com a Ré) e emitindo, contra tal recebimento, os correspondentes "recibos verdes". Não recebia ordens ou instruções da Ré nem a sua presença ou serviço eram por ela fiscalizados e/ou controlados, não se encontrando o mesmo sujeito a qualquer poder disciplinar por parte da demandada, não sendo imputável à empresa o facto de o mesmo só desenvolver funções para a mesma. O Autor não constava do "Mapa de Férias dos Trabalhadores" da Ré, gerindo livremente o seu tempo, nunca tendo gozado férias, nem recebido montantes a título de subsídio de férias, de Natal e prestações complementares. O Autor deslocava-se em viatura própria. A Ré nunca procedeu a descontos nos honorários do Autor para a Segurança Social, facto que era do conhecimento do Autor e em relação ao qual nunca reagiu. O referido contrato de prestação de serviços foi válida e eficazmente revogado pela Ré, não tendo havido da sua parte uma qualquer actuação ilícita que justifique minimamente a sua condenação no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos morais. Foi proferido despacho saneador e fixada a matéria de facto assente e a base instrutória (fls. 1626 e seguintes), que fora objecto de reclamação por parte da Ré no início da Audiência de Discussão e Julgamento (fls. 1713 e 1714), decidida por despacho judicial de fls. 1714 e 1715.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento após o que foi proferida a sentença de fls. 2397/2435 que julgou procedente por provada a acção decidindo: I - Reconhecer da existência entre Autor e Ré de uma relação jurídica de natureza laboral (contrato de trabalho) desde 25/1/1995; II - Declarar a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo por parte da Ré, por não ter sido precedido de processo disciplinar nem existir justa causa que o funde, com as seguintes consequências legais: a) Condenação da Ré na reintegração do Autor, com a antiguidade contada desde 25/1/1995 e a categoria correspondente às funções pelo mesmo exercidas à data do despedimento; b) Condenação da Ré no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, do montante de Euros 100,00, por cada dia de atraso na reintegração do Autor; c) Condenação da Ré no pagamento de todas as retribuições que o Autor deixou de auferir desde 01/01/2003 até à data do trânsito em julgado da sentença, cifrando-se as vencidas até 31/8/2006 no montante global de Euros 148.376,71, nelas se inserindo os salários, bem como as remunerações das férias, respectivos subsídios e subsídios de Natal, havendo que proceder à dedução de todas as eventuais importâncias que o Autor tenha auferido ou recebido entre 6/01/2003 e a data do trânsito em julgado da sentença e que ainda venham a ser apuradas, nos termos e para os efeitos do número 2, alínea b) do artigo 13.º do DL n.º 64-A/89 de 27/02, sendo certo que tal dedução só poderá considerar os montantes que o demandante recebeu naquele exacto período, ainda que anteriormente já percebesse rendimentos de trabalho e essa dedução tem como limite o montante global das prestações em que a entidade empregadora for condenada nesta acção e com relação aquele mesmo e preciso período temporal; III - Condenar a Ré a pagar ao Autor as remunerações das férias, correspondentes subsídios de férias e subsídios de Natal devidos entre 23/01/95 e 31/12/2002 e que se computam no montante global de Euros 65.908,00; IV - Condenar a Ré no pagamento ao Autor do montante de Euros 10.000,00, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial causados ao demandante pela conduta ilícita da Ré.
V - Condenar a Ré a efectuar todos os descontos devidos à Segurança Social e a suportar todas as quantias de que o Autor resultar tributado em sede de IRS. VI - Condenar, finalmente, a Ré a pagar ao Autor os juros de mora sobre cada uma das prestações laborais que lhe são devidas e que se mostram referenciadas nos Pontos anteriores (II, c), III e IV), nos termos dos artigos 406.º, 559.º, 762.º, 763.º, 798.º, 799.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil e Portarias n.º 263/99 de 12/04 e 291/2003 de 8/04, sendo os mesmos devidos desde a data do vencimento de cada um dos mencionados créditos, com excepção da indemnização por danos morais, que só são calculados a partir da data da citação da Ré.
Inconformada apelou a R., arguindo, no requerimento de interposição do recurso, como exigido pelo art. 77º nº 1 do CPT, nulidades da sentença: excesso de pronúncia, no que se refere à fixação do valor mensal da retribuição a atender e, por outro lado, condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, por, em seu entender, ter aplicado o art. 74º do CPT a uma situação nele não prevista, violando, pois, essa norma.
Formulou a apelante nas respectivas alegações as seguintes conclusões: (...) O apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.
Subidos os autos a este tribunal, pelo digno PGA foi emitido o parecer de fls. 2699, também favorável à confirmação da sentença.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões alegatórias do recorrente, verifica-se no caso que a questão fundamental relativamente à qual o apelante manifesta discordância da sentença e pretende ver reapreciada é a da qualificação jurídica do contrato que vigorou entre as partes - contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
Ainda que se considere improcedente, nessa parte, a sua argumentação, insurge-se também a apelante contra a parte da sentença que estabeleceu o valor da retribuição a atender nos diversos pedidos formulados, que, em seu entender viola princípios estruturantes do direito processual, a saber o do dispositivo, do contraditório e da audiência contraditória, assacando-lhe ainda o vício de inconstitucionalidade...
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