Acórdão nº 555/04.0GTAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução08 de Janeiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: I.

O presente recurso é interposto pela demandante civil A..

E incide sobre a sentença mediante a qual o Tribunal recorrido decidiu: - Condenar o arguido B.., pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo artigo 148º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, ex vi do artigo 144º, al. b) e d), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por um período de 1 (um) ano.

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível, e, em consequência, condenar a demandada "Global - Companhia de Seguros, S.A." a pagar à demandante, a título de indemnização por danos não patrimoniais o montante de € 12.250,00 (doze mil duzentos e cinquenta euros), absolvendo a demandada do restante montante peticionada.

* É motivado com as seguintes CONCLUSÕES: 1. O presente recurso tem por objecto a reapreciação da matéria cível, com a consequente alteração dos valores das indemnizações atribuídas à demandante.

  1. A apreciação da gravidade do dano não patrimonial, deve assentar no circunstancialismo concreto envolvente dos autos, operando com critérios objectivos, num quadro de exclusão, tanto quanto possível inerente a sensibilidades particulares; 3. Justifica-se no caso dos autos a fixação da compensação à demandante/lesada por danos não patrimoniais no montante agora reduzido para o total de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros): € 50.000 (quantum doloris); € 75.000,00 (dano estético) e € 25.000,00 (Perda da alegria de viver, sentir-se amargurada e triste, não poder conviver, depender de outras pessoas para as necessidades e tarefas do dia a dia) 4. Na verdade, só este montante é equitativo e justo para compensar a demandante em razão do sofrimento físico-psíquico decorrente das gravíssimas lesões que sofreu no acidente, das múltiplas fracturas, da retirada da clavícula esquerda, do baço, (esplenectomia) de um rim por traumatismo do acidente, (nefrectomia), da lesão do plexo braquial, lesão das artérias e veia subclávica, com enxertos arteriais e venosos, isquémia aguda do membro superior esquerdo que ficou totalmente paralítico, flácido, obrigando ao uso de aparelho ortopédico, da paralisia da face (síndrome de Horner), dos traumatismos crânio encefálico, torácico e abdominal, da fractura das costelas, da eventração da cúpula diafragmática, das muitas cicatrizes, amiotrofia da coxa esquerda, síndrome cervical pós-traumático e encefálico, distrofia osteo-articular de toda a estrutura óssea da cintura escapular esquerda, das articulações escapulo-umeral, escapulotorácica, acromioclavicular e esternoclavicular, atrofia neurogénica das estruturas musculares e exérese dos músculos peitoral e subescapular, com desnervação activa e alterações vaso simpáticas, dispenia de esforço com insuficiências respiratórias agudas em actos simples como vestir-se, despir-se, sequelas de múltiplas cicatrizes, quadro sindromático de neurose post-traumática com sintomas de ansiedade e depressivos, perda do equilíbrio, vertigens, ansiedade aguda, constipações e febre quase constante, (sépsis por peumococos por ser esplenectomizada), manifestações desconexas e violentas, pânico sobre a evolução futura, dores, sobretudo cefaleias, que a obrigam a tomar analgésicos e ansiolíticos, não cedendo as dores à medicação, impedindo-a de dormir.

  2. Por motivo do acidente, a demandante já foi submetida a cinco intervenções cirúrgicas, com anestesia geral e internamentos e tratamentos hospitalares e de fisioterapia, ficando com incapacidade absoluta permanente para todo e qualquer trabalho e necessitando da ajuda e assistência de terceira pessoa, pois, em consequência das sequelas permanentes está impossibilitada de executar, por si só, as tarefas quotidianas, designadamente, vestir-se, calçar-se, preparar alimentos e tratar da sua higiene pessoal.

  3. A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder a quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias especiais do caso dos autos, a demandante/lesada teria obtido não fora a acção lesiva do condutor Jorge dos Santos Dias de Carvalho, arguido nos presentes autos.

  4. Justifica-se a fixação da indemnização de € 120.000,00 por danos patrimoniais futuros sofridos pela demandante, com 51 anos de idade na data do acidente, que auferia um salário mensal de € 455,00 e subsídio de alimentação de € 5,00, trabalhava ainda nas suas propriedades agrícolas, criava animais, donde auferia rendimentos significativos e as lesões que sofreu a impedem de exercer a sua actividade profissional e qualquer outra, implicando incapacidade permanente geral com total redução da capacidade futura de ganho, necessitando do auxilio de 3ª pessoa.

  5. Tendo em conta as considerações acima expendidas, o tempo médio dos homens e o montante do salário mínimo nacional, justifica-se, num cômputo muito mitigado, a fixação no montante de € 264,00 por mês correspondente ao auxilio de terceira pessoa, já arbitrada no Tribunal de Trabalho, aceite e estando a ser paga pela demandada e pela qual a demandante opta.

  6. Atendendo ao salário da demandante e à data do acidente (23/11/2004) e ao rendimento que a lesada obtinha no cultivo das terras e também na criação de animais, a lesada peticiona e deve ser fixado o montante de € 17.000,00 a titulo de rendimentos perdidos do salário e dos rendimentos da agricultura, desde a data do acidente até á presente data. (actualização do montante antes peticionado nos termos do art. 566º nº 2 do CC).

  7. Devem ainda ser pagos à demandante € 300,00 pela perda do veículo, € 125,00 pelas roupas, sapatos, capacete danificados no acidente.

  8. A Meritíssima Juiz a quo na sentença reclamada fez incorrecta interpretação dos factos provados, incorrendo em violação da lei por erro de interpretação e incorrecta aplicação das disposições constantes dos arts. 483º, 562º, 564º, 566º, 567º e 569º todos do CC e art. 17º e 31º da LAT ao não decidir fundamentadamente a indemnização por danos patrimoniais (rendimentos perdidos desde a data do acidente e danos futuros pela perda da capacidade de ganho) da lesada, decidindo que a demandante estava indemnizada e não tinha direito a outra indemnização além daquela que fora já fixada na acção especial emergente do acidente de trabalho nº 204/06.2TTAVR, 2ª Sec..

  9. No caso dos autos, pode ser cumulada a indemnização que foi atribuída à lesada com base no acidente de trabalho com a que deve ser atribuída no acidente de viação, pois, não está provada no processo a duplicação e coincidência de indemnizações pelo mesmo dano nem os princípios e normas legais são as mesmas nos dois foros.

  10. Deve a sentença julgar os pedidos formulados, podendo depois a demandante optar pela decisão que lhe for mais favorável, deduzindo os montantes que eventualmente tenha já recebido.

  11. Não está provado nos autos que os montantes que a lesada recebeu no foro laboral visam ressarcir os mesmos danos que a acção cível compete reparar.

  12. Os montantes da acção laboral foram pagos a título diferente da acção cível e obedecem a valores fixos, calculados segundo regras especificas estabelecidas no art. 16º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, ao passo que nesta acção a indemnização visa repor a situação que existiria se não tivesse havido facto ilícito, sendo a reconstituição integral o respectivo limite.

  13. Nenhuma lei deste país impede a complementaridade de indemnizações fixadas no foro laboral e nos termos da lei geral, quando o acidente é simultaneamente de trabalho e de viação 1 7.A decisão recorrida, assim não decidindo, violou os arts 483º,562º, 564º.,566º.,567º e 569º todos do CC e art. 17º e 31º.daLAT.

  14. Impugna a demandante a matéria de facto e o Tribunal Superior conhecerá e modificará a decisão recorrida, nos temos dos arts. 410º, nº.2 e 427º. e 431º. do CPP, nos pontos acima referidos como incorrectamente julgados ,dado que do processo constam todos os elementos de prova e a documentação da prova feita na audiência assim o permite.

  15. A decisão recorrida, certamente por lapso, é omissa na condenação por juros que haviam sido peticionados. Nos termos do art.805º, nº.3 do C.C. nos casos de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação. Corno no processo-crime não há citação, temos de ler desde a notificação para contestar o pedido cível.

  16. Dado que sobre os danos não patrimoniais há lugar a juros, pois, a lei não faz qualquer distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais (Cfr. Neste Ac. do S.T.J. de 14/10/87, Proc nº 485/97 in Sumários, de Gabinete de Assessoria, do Supremo Tribunal de Justiça, Vol. 1, nº.14/91), também sobre os danos não patrimoniais terá que haver juros.

  17. Assim, a demandada deve ser condenada a pagar à ofendida juros calculados à taxa legal de 4% (art.805º, n.º 3 do CC. e art.559º. do mesmo diploma e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).

  18. Deve assim ser revogada na parte cível a sentença ora recorrida, com os fundamentos que mais detalhadamente constam desta peça processual.

  19. Por todas estas razões devem os valores indemnizatórios por danos patrimoniais e não patrimoniais ser fixados de acordo com os valores peticionados nestas alegações, os únicos que minoram o sofrimento da demandante e a podem ressarcir dos danos sofridos e a sofrer em consequência do acidente.

  20. A demandada deve ser condenada a pagar á demandante os montantes por danos patrimoniais e não patrimoniais acima referidos.

  21. A nossa lei (art.567ºº do CC) só permite a forma de indemnização em renda, quando o lesado o requerer, que não é o caso dos autos.

  22. A lesada aceitou conciliar-se no foro laboral, bem sabendo que legalmente poderia optar pela indemnização por danos futuros que na acção cível lhe iria ser fixada segundo critérios mais favoráveis.

  23. Não decidindo nesta conformidade, violou a sentença recorrida os preceitos legais supra...

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