Acórdão nº 387/08.7GTLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução20 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 387/08.7GTLRA que corre termos no Tribunal Judicial de Pombal, 3.º Juízo, foi proferida Sentença, em 16/5/2011, cujo DISPOSITIVO tem o seguinte teor: “IV – DECISÃO Pelo exposto: a) Condeno o arguido A... como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado, p. e p. pelo artigo 291º, nº 1, alíneas a) e b) e nº 3, 294º, nº 3 e 285º, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; b) Condeno o mesmo arguido como autor material de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 6 (seis) meses de prisão por cada um deles; c) Fazendo o cúmulo jurídico de tais penas, condeno o arguido na pena única de 15 (quinze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período; d) Condeno o arguido na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 9 (nove) meses; e) Absolvo o arguido pela prática das contra-ordenações pelas quais vinha acusado; f) Mais condeno o arguido nas custas do processo, fixando em 3 UC o valor da taxa de justiça devida (cfr. Artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 74º, 82º, nº 1 e 85º, do Código das Custas Judiciais), acrescida de 1 %, por força do disposto no artigo 13º n.º 3, do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro e fixando-se ½ da taxa de justiça devida a título de procuradoria * Deverá o arguido, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, entregar a carta/licença de condução de que seja titular na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de ser ordenada a sua apreensão e incorrer em responsabilidade criminal; * Deposite (artigo 372º, nº 5, do C.P.P.).

Após trânsito remeta boletim ao registo criminal e comunique à Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária.

Notifique.” **** B) Inconformada com a decisão recorrida, dela recorreu, em 21/6/2011, o arguido A...

, pedindo a sua substituição por outra que a absolva, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. O documento hospitalar revela que a recolha de sangue teve fins clínicos e terapêuticos e revela que o arguido não foi informado que o sangue recolhido seria utilizado na determinação da taxa de álcool no sangue.

  1. O depoimento da testemunha B... é contraditório, por alterar progressiva e sucessivamente as respostas, revelando que tenta justificar a falta de cumprimento do seu dever de informar e a falta de prestação de consentimento por parte do arguido.

  2. Atendendo à falta de informação e consequente impossibilidade de recusa do arguido, a recolha do sangue, efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 3, 153.º, n.º 8 e 156.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei 44/2005 é nula por violação do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 165.º, da CRP.

  3. Ao tentar contornar a questão da nulidade da prova (recolha de sangue), decidindo que não ficou provado que o arguido não autorizou a recolha, a sentença inverteu não só o princípio da presunção de inocência do arguido e consequente ónus da prova como inverteu o princípio do acusatório, impondo ao arguido a prova de um facto negativo e a prova da sua inocência (prova diabólica), violando o disposto no artigo 32.º, n.ºs 2 e 4, da CRP.

  4. O referido depoimento da testemunha B... e a falta de documento assinado pelo arguido não podem levar à conclusão de que o arguido conduzia com uma taxa de alcoolemia de 0,83 gramas/litro.

  5. Pelo que existe erro notório na apreciação da prova, tanto documental como oral – artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

  6. As referidas provas testemunhal e documental apenas podem levar à conclusão de que o arguido não autorizou a recolha de sangue.

  7. Assim, deve ser alterada a resposta aos pontos 2, 3, 17, 18 e 19 dos factos considerados provados, no sentido de ser extirpada toda e qualquer referência à taxa de alcoolemia e à condução do arguido sob o efeito do álcool e a consciência e conhecimento de tais factos.

  8. Consequentemente, deve a sentença recorrida ser revogada e o arguido absolvido do crime pelo qual foi condenado (condução perigosa) bem como da pena acessória de inibição de condução.

    **** C) O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, em 15/7/2011, defendendo a sua improcedência, e apresentando as seguintes conclusões: 1. Invoca, além do mais, o recorrente que não foi informado dos fins a que se destinava a colheita de sangue a que foi sujeito, não lhe tendo sido dada a possibilidade de se recusar, motivo pelo qual defende que a prova assim obtida é nula, por violação do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 165.º, da CRP, conforme foi defendido no Acórdão da relação do Porto, datado de 9/12/2009.

  9. Ora, de acordo com a Jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional (plasmada, nomeadamente, no Acórdão n.º 130/2001), a nova redacção do n.º 8 do artigo 153.º, do Código da Estrada (designadamente, quando suprimiu a expressão “à recusa” do examinando) em nada alterou as consequências inerentes à recusa por parte do condutor em ser submetido à mencionada recolha de sangue.

  10. Assim, e ainda que o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, não se encontrasse credenciado para legislar sobre esta matéria no Parlamento, a verdade é que tal diploma se limitou a manter a tipificação de tal comportamento, constante da legislação que o antecedeu, a qual dispunha da necessária autorização legislativa, pelo que tal norma não reveste um cariz inovador, não necessitando, por isso, de estar coberta por nova autorização parlamentar.

  11. Pelo exposto, e na esteira do entendimento sufragado pelo TC na sua jurisprudência mais recente, concluímos que o meio de prova com base no qual se definiu a taxa de álcool no sangue de que o recorrente era portador aquando do acidente de viação é perfeitamente válido e eficaz, carecendo, por isso, de sentido as críticas apresentadas pelo recorrente.

  12. Mais alega o recorrente que resulta da prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que nunca foi informado das finalidades da colheita de sangue a que foi sujeito, motivo pelo qual não lhe foi dada a possibilidade de se recusar a realizar tal exame.

  13. Ora, a sujeição ao exame de pesquisa de álcool nos casos expressamente previstos na lei não se traduz numa mera faculdade para o examinando e, por essa razão, não há que obter previamente o seu consentimento.

  14. Na verdade, estamos antes perante um dever legal, sendo que a recusa por parte do examinando implicará a sua punição pela prática de um crime de desobediência, conforme expressamente previsto pelo artigo 152.º, n.º 3, do Código da Estrada.

  15. Todavia, uma vez que não é admitida a realização coerciva do referido exame, o condutor poderá sempre recusar-se, sujeitando-se, porém, à punição nos termos referidos em 7.

  16. No entanto, a questão da recusa apenas se poderá colocar quando o examinando estiver consciente e capaz de exprimir de forma livre e esclarecida a sua vontade.

  17. Ora, no caso sub judice, resultou das declarações de B..., guarda da GNR que se deslocou ao Hospital Distrital de Pombal, onde o arguido, ora recorrente, estava a receber tratamento médico, que este foi informado das finalidades da colheita de sangue e que não manifestou qualquer oposição à sua realização, até porque o mesmo não apresentava um discurso lógico e coerente – registado no Sistema Habilus Media Studio, das 00:02:11-00:03:45 e 00:20:00-00.20.30.

  18. Pelo exposto, concluímos que a douta sentença, ora recorrida, não padece do vício que lhe é apontado pelo recorrente, não merecendo, por isso, qualquer censura o julgamento da matéria de facto efectuado.

    **** O recurso foi, em 19/9/2011, admitido.

    Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 6/10/2011, emitiu douto parecer em que defendeu a improcedência total do recurso, acompanhando a posição anteriormente seguida nos autos pelo Ministério Público.

    Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tendo sido, em 21/10/2011, exercido o direito de resposta, no qual foi mantido o alegado anteriormente.

    Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    ****II. Decisão Recorrida: “(…) II – FUNDAMENTAÇÃO A – DE FACTO Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 21 de Dezembro de 2008, cerca das 04h30m, A... conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …, na Estrada Nacional nº 1, na localidade de Covinhas/Meirinhas, no sentido Pombal/Leiria; 2. O arguido conduzia o referido veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 0,83 gramas/litro; 3. Ao km 139,952, mercê da taxa de álcool, o arguido invadiu a via mais à esquerda da hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido Leiria/Pombal; 4. Nessas circunstâncias, o arguido colidiu, com a parte frontal esquerda do veículo que conduzia, na parte frontal esquerda do veículo ligeiro de passageiros …, conduzido por C... e onde eram transportados D..., no banco da frente do lado direito, e E..., no banco traseiro do lado direito; 5. A colisão entre os dois veículos ocorreu na via mais à esquerda da hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que circula no sentido Leiria/Pombal, a 1,30 metros da linha contínua que delimita os sentidos de marcha; 6. Em resultado da condução efectuada pelo arguido e da consequente colisão, resultou para C... a secção completa da aorta, fractura bilateral de costelas, hemotórax bilateral, contusão pulmonar, hérnia diafragmática traumática esquerda, contusão do mediatismo posterior, hemoperitoneu, laceração do fígado, fissura do baço, laceração do mesentério e do mesocónon sigmóide, bem como fractura do fémur esquerdo; 7. As lesões descritas causaram directa e necessariamente a morte a C...; 8. Em resultado da condução do arguido e da consequente colisão, resultaram para E... escoriações...

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