Acórdão nº 442/08.3GALSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução14 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 442/08.3GALSD.P1 1ª secção Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada com o nº 442/08.3GALSD foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferido acórdão que: - absolveu o arguido do crime de homicídio qualificado p. e p. nos artºs. 131º, 132º nºs. 1 e 2 als. b) e c) do C.Penal; - condenou o arguido: a) pela prática de um crime de homicídio p. e p. no artº 131º do C.Penal, na pena de 10 (dez) anos de prisão; b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. no artº 20º nº 1 al. t), 3º nº 2 al. l) e 86º nº 1 al. c) da Lei nº 5/06 de 23.02 na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; c) efectuado o cúmulo jurídico daquelas penas parcelar, foi o arguido condenado na pena única de onze anos de prisão; d) a pagar aos demandantes a quantia global de € 139.500,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a data da decisão até efectivo pagamento.

Inconformados com a decisão condenatória, dela vieram o Mº Público e o arguido interpor recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: A Recurso interposto pelo Mº Público (embora sem observar o formalismo previsto no artº 411º nº 2 do C.P.P., quanto à articulação das conclusões): - O presente recurso restringe-se à apreciação da matéria de direito, - Discordando-se vivamente da medida da pena parcelar aplicada ao crime de homicídio.

- Admitem-se os factos, sendo certo que, quanto à falta de registo de antecedentes criminais mais não é, do que o dever de qualquer cidadão.

- Mas, o douto Acórdão não relevou, como deveria, o comportamento muito grave do arguido, o qual não pode ser tolerado em sociedade.

- É que se deu como provado, entre o mais, que o arguido, a) adquiriu uma arma de fogo transformada que, antes do dia 18/06/2008, colocou, devidamente municiada e pronta a disparar, sobre o canto esquerdo do armário do quarto do casal da residência de ambos; b) a hora não concretamente apurada situada entre as 21.00h e as 22.00h do dia 18/06/2008, por questões não concretamente apuradas que envolviam a família desta, desenvolveu com a malograda C.. uma discussão no interior do respectivo quarto de casal; c) no âmbito da discussão havida, se dirigiu ao guarda-fatos supra referido, pegou e empunhou com a mão direita a mencionada arma de fogo que aí estava colocada.

d) de seguida, estando a aludida C… à sua frente, a não mais de um metro de si e a dita arma apontada na direcção daquela, premiu o gatilho desta arma e disparou-a, atingindo a sua companheira na cabeça; e) imediatamente após a prática destes factos, dirigiu-se à varanda do quarto, que dá para as traseiras da casa, e desfez-se da arma, atirando-a pela janela para uns terrenos contíguos, onde a arma permaneceu caída junto a uns pneus aí existentes; f) na presença de vizinhos, e ainda em sua casa, transmitiu a impressão de que fora a C… quem tinha disparado sobre si mesma; g) de seguida, deslocou-se a casa da sua vizinha D…, onde lavou a cara e as mãos; h) também aí despiu as calças de ganga de marca ‘…“, azul clara, e a T-Shirt Preta com os dizeres “…”, roupa que por trazer vestida aquando do disparo sobre a C… estava manchada com sangue desta, e entregou-a a D…, que a colocou no tambor da máquina de lavar de sua casa onde se encontrava pelas 6.30h do dia 19 de Junho de 2008; i) depois vestiu umas calças de fato de treino, uma camisola e um casaco de ganga, peças de roupa que lhe foram entregues por D…; j) entretanto, regressou ao local onde, tal como muitos outros populares, se encontrava E…, a quem o arguido disse “que a C… tinha dado um tiro nela própria”; l) agiu livre, voluntária e conscientemente, com conhecimento de que a arma que empunhou estava municiada e pronta a disparar, de que a mesma estava apontada na direcção da C... que estava à sua frente; m) previu, na altura, que ao disparar essa arma podia atingir a sua companheira com o respectivo projéctil e assim causar a sua morte, o que não o impediu de decidir efectuar o supra referido disparo, por se ter conformado com a morte da sua companheira; n) actuou com desconsideração do valor da vida de C… E como factos não provados aa) tenha pressionado o gatilho inadvertidamente; bb) não tenha representado a possibilidade de disparar a arma.

- Do mesmo modo, não relevou as igualmente muito graves consequências (lesões descritas nos exames médicos) do seu acto que culminaram na morte da malograda C….

- E que o arguido, atento o descrito ambiente familiar de ambos, pautado pela adequação relacional, caracterizada pela coesão e afectividade, com padrões educativos adequados, sendo que no meio social onde decorreu o processo de crescimento do arguido e onde o casal iniciou a vida em comum, aquele foi descrito como educado e respeitador, não havendo registos, no espaço comunitário, de incompatibilidades na dinâmica relacional do casal, poderia (e deveria) ter lidado com a discussão que mantinha com a malograda C… no dia dos factos, de uma forma bem mais civilizada o que, aliás, lhe era exigível.

- Tudo confere, como é bom de ver, uma intensidade muito grande ao dolo, ainda que sem sairmos, como é evidente, dos limites, particularmente mais atenuativos, próprios do dolo eventual.

- Acresce que ao crime de homicídio, atento o bem protegido, o mais grave do nosso ordenamento jurídico, também se não deu toda a relevância às exigências de prevenção geral.

- Dispõe o artigo 40° do C. Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, nº 1 e, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, nº 2.

- Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas: a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições cabem ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.

- A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento. - Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de “antagonista por excelência da prevenção”, em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.

- O modelo do C. Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40° determina, por isso, que os critérios do artigo 71° e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no actual programa político do C Penal e, de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.

- O modelo de prevenção, porque de protecção de bens jurídicos, acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

- O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada, cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências do crime, 227 e ss.

- A medida de prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime.

- Dentro desta medida, protecção óptima e protecção mínima, limite superior e limite inferior da moldura penal, o juiz face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente, prevenção da reincidência, sem poder ultrapassar a medida da culpa.

- Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71° do C Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral, a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente, cfr. Ac STJ de 28.9.2005, in CJ, S, III, 175.

- A constatação do recrudescimento fenómeno da criminalidade violenta e da comoção e alvoroço sociais que provoca, faz realçar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas, como garantia da validade das normas e da confiança da comunidade, mas do mesmo modo, não se pode descurar as finalidades de reinserção social dentro do modelo da prevenção especial.

- Nos termos do artigo 71º do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na Lei, é feita em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção. Dando...

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