Acórdão nº 311/09.0TAPTS.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO FERNANDES DA SILVA
Data da Resolução09 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO.

Na sequência de queixa apresentada por E…, após a realização de diversas diligências de inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos R…, J… e A…, imputando-lhes, em co-autoria material, na forma consumada, um crime de prevaricação, previsto e punido pelos artigos 11.º da Lei n.º 34/84, de 16 de Julho, por referência aos artigos 1.º, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea i), do mesmo diploma legal, porquanto se indiciaria suficientemente que: «No dia 8 de Julho de 2009, no decurso de uma reunião da Câmara Municipal de…, o arguido R…, na qualidade de Presidente da Câmara de …, propôs e foi aprovado, com o voto favorável dos arguidos J… e A…, na qualidade de vereadores da Câmara Municipal de…, que a empresa “I…, Lda.”, prosseguisse com as obras de “Construção do Caminho Municipal do Lombo de São João”, na freguesia e concelho de …, obras essas que se encontravam suspensas desde 19 de Dezembro de 2008.

Tal deliberação camarária tomada pelos arguidos foi comunicada ao gerente da empresa “I…, Lda.”, pelo arguido R…, tendo aquele ficado convencido de que se tratava de uma deliberação legal.

Nessa sequência, no dia 25 de Julho, operários em nome da empresa “I…, Lda.” entraram com máquinas no terreno rústico localizado no Sítio da Limeira, Lombo de São João, …, inscrito na matriz sob o artigo 205600, descrito na Conservatória do Registo Predial de… sob o n.º …, da propriedade da queixosa E….

Uma vez no terreno da queixosa E… e, com vista a prosseguir com as obras de “construção do Caminho Municipal do Lombo de São João”, designadamente com o alargamento de uma vereda, os operários da referida empresa “I…, Lda.”, contratada para o efeito pela Câmara Municipal de …, destruíram uma parede em pedra e cimento, uma levada de terreno e a plantação de batata e batata doce que ali se encontravam.

Sucede que o mencionado terreno rústico, da propriedade da queixosa, localizado no Sítio da Limeira, Lombo de São João, em…, não foi expropriado, nem adquirido pela via do direito privado pela autarquia de …, que o invadiu, sem qualquer título, por intermédio da supra citada empresa.

Acresce que a queixosa E… havia já informado a Câmara Municipal de … de que não dava autorização à entrada no seu terreno, sem que houvesse uma negociação e um acordo nesse sentido.

Assim, o arguido R…, propôs e fez aprovar uma deliberação, com o voto favorável dos co-arguidos J… e A…, deliberação essa aprovada em sede de reunião de Câmara Municipal e que consistia em avançar com a obra de construção do Caminho Municipal no Sítio do Lombo de São João, não obstante saber que, para esse efeito, teria que invadir propriedade privada e que não tinha o consentimento do respectivo titular para esse fim.

Os arguidos sabiam que para utilizar uma parcela de terreno que não pertencia à autarquia, aquela teria que a adquirir pela via do direito privado e, caso tal não fosse possível, teria de desencadear um processo declaração de utilidade pública de expropriação, processo ao qual poderia ser atribuído o carácter de urgência.

Pelo que, ao deliberar no sentido de continuação das obras de construção, os arguidos tomaram uma decisão consciente contra direito, em violação dos artigos 1.º, 10.º, 11.º, 19.º, 20.º, 23.º e 33.º e ss., todos do Código das expropriações e artigo 1308.º do Código Civil.

Os arguidos estavam conscientes da ilegalidade da deliberação aprovada, pois sabiam que a mesma era contra direito e contrária à vontade do titular do direito de propriedade afectado.

Os arguidos R…, J… e A… actuaram no exercício das suas funções, enquanto Presidente da Câmara Municipal de … e vereadores dessa autarquia, respectivamente, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, al. i) da Lei n.º 34/87, de 16/07 e 68.º, n.º 1, als. b) e q) e 69.º, n.º 1 da L. n.º 169/99, de 11/01.

Os arguidos agiram livre, voluntaria e conscientemente, com o intuito de beneficiar a autarquia de …, ao não pagar o preço correspondente à parcela de terreno que a Câmara Municipal veio a ocupar, bem sabendo que com tal conduta prejudicava a queixosa E…, que ficava, desse modo, privada de parte do seu terreno sem receber o correspectivo preço, que lhe caberia quer pela via da aquisição pelo direito privado, quer em sede de processo de expropriação.

Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal» Cf. volume I, fls. 80 a 85.

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Os arguidos requereram a abertura de instrução e realizada esta, o Tribunal Judicial da Comarca de …, por decisão de 15.04.2009 decidiu não pronunciar os arguidos, referindo, no que ora interessa, que «Analisada a prova produzida quer em sede de inquérito quer em sede de instrução verifica-se que é indiscutível que os arguidos no exercício das suas funções de presidente e vereadores, respectivamente, da Câmara Municipal de… aprovaram uma deliberação que autorizava a empresa “I…, Lda.”, prosseguisse com as obras de “Construção do Caminho Municipal do Lombo de São João”, na freguesia e concelho de … que à data se encontravam suspensas por não ter sido possível adquirir à proprietária tal terreno.

Não procede o argumento da defesa quanto à dificuldade de identificar correctamente a proprietária do mesmo já que essas diligências foram efectuadas em sede de instrução e foram juntos aos autos os documentos que a edilidade necessitaria para iniciar processo de expropriação.

Dúvidas também não existem de que a deliberação camarária não tem qualquer suporte legal, uma vez que sem a aquisição da parcela de terreno que iria ser usada no alargamento da vereda ou a expropriação da mesma, o prosseguimento das obras violava os direitos da proprietária.

Porém, da prova produzida e sobretudo dos depoimentos prestados em sede de instrução e da perícia realizada, a qual dá conta que o terreno foi valorizado, não resultam elementos que permitam afirmar, ainda que indiciariamente, que os arguidos agiram com o intuito de beneficiar a autarquia de …, ao não pagar o preço correspondente à parcela de terreno que a Câmara Municipal veio a ocupar, bem sabendo que com tal conduta prejudicavam a queixosa E…, que ficava, desse modo, privada de parte do seu terreno sem receber o correspectivo preço, que lhe caberia quer pela via da aquisição pelo direito privado, quer em sede de processo de expropriação.

Com efeito, de acordo com o depoimento da testemunha J… a Câmara Municipal solicitou-lhe a avaliação do terreno, avaliação que seria usada para efeitos de expropriação e foi tentada a negociação da compra do terreno por via do direito privado.

Por outro lado, do depoimento das testemunhas ouvidas resultou que a obra em causa se destinava ao alargamento de vereda que, para além dos moradores, serviria um estabelecimento escolar que não estava pavimentado ou permitisse o acesso de veículos automóveis.

Resultando da prova produzida em sede de inquérito que nunca foi visada a dispensa de pagamento do preço ou indemnização devida à queixosa e, que por outro lado, o benefício que os arguidos pretendiam alcançar era um benefício da população do município e não de uma pessoa ou entidade concreta, não poderão considerar-se preenchidos o elemento subjectivo do tipo do ilícito de que os arguidos foram acusados.

Assim, entendo que os indícios recolhidos não são suficientes para concluir da existência de uma possibilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena pela prática do ilícito imputado» Cf. volume I, fls. 276 a 282, com negrito nosso.

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Do recurso para a Relação.

Notificado em 26.04.2011 Cf. volume I, fls. 298.

, inconformado com aquela decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso em 10.05.2011, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos: (transcrição) «1. O artigo 11.º da Lei 34/87, de 16 de Julho prescreve que “o titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém (...) “.

  1. Trata-se de um crime praticado por um titular de um cargo político, no exercício das suas funções, sendo que o bem jurídico protegido é o interesse do Estado quanto a uma verdadeira e equitativa administração pública.

  2. O núcleo essencial do crime de prevaricação consiste na “actuação do funcionário contra direito “, ou seja “na violação funcional dos deveres decorrentes do cargo desempenhado”, sendo que este conceito tanto abrange o conjunto de normas jurídicas vigentes no ordenamento como os princípios jurídicos, indirecta ou implicitamente consagrados nas leis positivas.

  3. Qualquer que seja a forma de actuação do funcionário esta deverá sempre reconduzir-se a uma contradição da decisão ou da condução do processo com o prescrito pelas normas jurídicas vigentes e aplicáveis ao caso concreto.

  4. A previsão normativa em causa só pode ser preenchida a título de dolo directo, estando dela excluídas as outras modalidades de dolo, designadamente o eventual, por o mesmo não se conciliar com a expressa exigência de uma actuação especificamente direccionada para o prejuízo ou o benefício de terceiro (cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993, in C.J., Tomo IV, 1993,pág. 261).

  5. Para além do dolo específico, a lei exige ainda que o titular de cargo político, ao actuar contra direito, saiba que assim está a agir, ou seja, e dito de outro modo, o dolo, na sua vertente intelectual, tem necessariamente de abarcar o conhecimento dos elementos normativos da acção do agente, bem como das normas e princípios jurídicos em toda a sua extensão, que constituem o objecto da acção típica cuja representação tem...

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