Acórdão nº 46/10.0T2AND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução18 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M… e cônjuge, H…, interpuseram recurso ordinário de apelação da sentença do Sr. Juiz de Direito do Juízo de Média e Pequena Instância Cível da Anadia, da Comarca do Baixo Vouga, que julgando improcedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, que propuseram contra Banco …, SA, absolveu este do pedido.

Os recorrentes pedem no recurso a revogação desta decisão e a sua substituição por outra que, julgando procedente a acção, condene o recorrido a pagar-lhes a quantia de € 15.150,00, acrescida dos juros remuneratórios que deixaram de auferir.

Os recorrentes condensaram a sua discordância relativamente à sentença impugnada nas conclusões seguintes: … Na resposta, o recorrido concluiu pela improcedência do recurso.

  1. Factos provados.

O tribunal de que provém o recurso julgou provados os seguintes factos: … 3.

Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

Maneira que, tendo em conta a vinculação temática deste Tribunal ao conteúdo das alegações do recorrente e da decisão impugnada, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se a sentença impugnada deve ser revogada substituída por acórdão que condeno o apelado no pedido.

A resolução deste problema vincula ao exame do contrato ou da convenção de cheque e dos deveres que dela decorrem para o banco e para o cliente, e à determinação da natureza da responsabilidade do banqueiro pelo pagamento de cheque comprovadamente falsificado.

3.2.

A convenção de cheque e os deveres do banqueiro e do cliente.

A abertura de conta e o depósito bancário são operações, rectior, contratos bancários, reservadas a banqueiros (artºs 362 do Código Comercial e 4 e 8 nºs 1 e 2 do RGIC, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro).

As operações bancárias são reguladas pelas disposições especiais respectivas aos contratos que representarem ou que afinal se resolverem (artº 363 do Código Comercial).

As noções de abertura de conta e de depósito bancário devem ser cuidadosamente recortadas e separadas.

A abertura de conta é, muitas vezes, confundida quer com a conta-corrente quer com o depósito bancário. Trata-se, porém, de realidades bem distintas.

A abertura de conta é um contrato celebrado entre um banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos e diversas práticas bancárias[2]. Trata-se de um contrato bancário nuclear ou central, que, embora sem regime legal explícito, constitui a moldura dos diversos actos bancários subsequentes[3].

O contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, pela aposição da assinatura em local bem demarcado e tem por conteúdo necessário uma conta-corrente bancária, como operação associada o deposito bancário e, como elemento eventual, entre outros, o negócio de concessão de crédito por descoberto em conta.

A conta-corrente bancária é uma conta-corrente comum mas celebrada entre o banqueiro e o cliente que se inclui no negócio jurídico mais vasto representado pela conta bancária: através dela fica assente o modo pelo qual a conta é movimentada em termos de débito e de crédito e tem por elemento nuclear o saldo, verdadeiramente autónomo em relação aos créditos que o antecedem (artº 344 do Código Comercial).

Se é perfeitamente admissível a conclusão de um contrato de abertura de conta, com a inerente conta-corrente bancária, sem um depósito inicial, a verdade é que o depósito é uma operação que surge, normalmente, associada a uma abertura de conta: aquando da conclusão deste último contrato, surge para o banqueiro, em regra, a obrigação de receber depósitos bancários.

O depósito bancário, em sentido estrito ou próprio, ou depósito de dinheiro ou disponibilidades monetárias, é o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma quantia pecuniária a um banco, que dela passa a dispor livremente e se obriga a restituí-la, a solicitação do depositante, nas condições convencionadas (artºs 408 do Código Comercial e 1 do DL nº 430/91, de 2 de Novembro)[4].

O depósito bancário, proprio sensu, é portanto, um depósito em dinheiro constituído junto de um banqueiro, operação que surge sempre associada a uma abertura de conta. Tratando-se de depósitos à ordem, existe uma única convenção, anexa à abertura de conta e que vincula o banqueiro a receber, levando à conta, as diversas remessas feitas a título de dinheiro depositado.

A natureza jurídica precisa do depósito bancário é muito discutida. Alguma doutrina, e sobretudo a jurisprudência[5], considera-o um depósito irregular; outra sustenta que tem a natureza de mútuo[6]; finalmente há quem o encare como figura unitária, típica, autónoma, próxima do depósito irregular[7].

Um outro negócio subsequente à abertura de conta é a convenção de cheque, que tanto pode ser expressa ou meramente tácita. Em regra, a convenção de cheque surge associada a um contrato de abertura de conta. Trata-se, porém, de uma convenção autónoma e não um simples acto integrado no negócio mais vasto da abertura de conta.

De forma deliberadamente simplificadora, bem pode dizer-se que o cheque é um documento, em regra normalizado, do qual consta uma ordem de pagamento, dada por um cliente ao seu banco, para que proceda a um determinado pagamento a um terceiro, ao portador ou até ao dador dessa ordem (artº 1, 2 e 12 nº 2 da LUCh)[8].

O cheque enuncia uma ordem de pagamento que se dirige a um banqueiro...

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