Acórdão nº 2771/2003-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelSARMENTO BOTELHO
Data da Resolução11 de Junho de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: (A), de nacionalidade belga, divorciada, técnica de tradução, residente Bruxelas, Bélgica, demandou o Estado Português, alegando, no essencial, o seguinte: - em 1 de Janeiro de 1991, foi admitida ao serviço do réu, por tempo indeterminado, mediante ajuste verbal, não reduzido a escrito para o exercício das funções de Secretária de 2.ª classe na Missão Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) em Bruxelas, na Bélgica e, por via disso, foi integrada no Quadro de Pessoal Externo do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE); - desde a admissão até à presente data, sempre exerceu as suas funções sob a direcção e autoridade do MNE; - em 1 de Novembro de 1992, precedendo aprovação em concurso passou a exercer as funções de Tradutora-Intérprete - na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 444/99, de 3 de Novembro e da entrada em vigor do Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (EPSEMNE), aprovado por aquele diploma legal, transitou, com efeitos a 1 de Janeiro de 2001, para a categoria de Técnico na área funcional de tradução, tendo sido integrada nessa qualidade no Quadro Único de Contratação dos Serviços Externos do MNE, que abrange o pessoal sujeito ao regime do contrato individual de trabalho - n.º 2 do art. 3.º do EPSEMNE; - a autora foi a única trabalhadora do grupo profissional do Pessoal Técnico que, no âmbito da referida transição, não foi integrada no Quadro Único de Vinculação daqueles Serviços Externos, que integra o pessoal sujeito ao regime jurídico da função pública - n.º 1 do art. 3º do EPSEMNE - pois, em razão exclusiva, da sua nacionalidade, viu-se impedida, face ao disposto no n.° 1, do artigo 3.°, do DL 444/99, de exercer o direito de opção pelo regime da função pública ali previsto; - o facto de o exercício do direito de opção pelo regime da função pública e a consequente integração no Quadro único de Vinculação, ter sido restringido, entre o mais, aos trabalhadores de nacionalidade portuguesa afronta, os princípios da igualdade e o da liberdade e igualdade de acesso à função pública (CRP, arts.

13.° e 47.°, n.° 2) e, ainda, por referência aos trabalhadores dos Serviços Externos do MNE, nacionais de Estados Membros da União Europeia e detentores de categorias que não envolvam o exercício de poderes de autoridade pública, os arts.

48.°, n.° 2, do Tratado CE e 17.°, n.ºs 1 e 4, do Regulamento (CEE) n.º 1612/68, do Conselho, de 15 de Outubro, que garantem a livre circulação de trabalhadores e vedam toda e qualquer discriminação, em razão da nacionalidade, entre trabalhadores nacionais de Estados-Membros da União Europeia; - na sequência da entrada em vigor do EPSEMNE e em sede de transição para a nova categoria de Técnico e posterior integração no Quadro Único de Contratação dos Serviços Externos do MNE, a autora não beneficiou, em termos remuneratórios, de qualquer compensação pecuniária para efeitos fiscais, ao contrário de que sucedeu com os demais Tradutores-Intérpretes da REPER que, no âmbito da mesma transição e posterior integração no Quadro Único de Vinculação daqueles Serviços Externos, beneficiaram, em termos remuneratórios, da chamada "compensação em IRS" o que originou, entre funcionários e contratados afectos ao mesmo Serviço Externo do MNE, ainda que com a mesma categoria e antiguidade, uma situação remuneratória diferenciada, em termos brutos e líquidos; - por referência ao mês de Janeiro de 2001, foi processado e pago à autora o salário bruto no montante global equivalente a Euros 2.094,53 mas a remuneração bruta correspondente ao 1.° escalão da categoria de Técnico foi de Euros 3.012,24; - a situação de desigualdade remuneratória viola a norma contida na alínea a) no n.º 1 do art. 59.º da CRP e ofende o princípio de justiça ínsito no conceito de Estado Democrático consagrado no art. 2.º da CRP e expressamente previsto no n.º 2 do art. 266.º enquanto referência de vinculação normativa da Administração Pública, seus órgãos e agentes. Conclui pedindo a condenação do réu a aplicar à autora, com efeitos a 1 de Janeiro de 2001, o modelo remuneratório previsto para o pessoal sujeito ao regime da função pública (artigo 63.° do EPSMNE), nos termos do disposto no art. 64.° do mesmo Estatuto, ou, se assim não se entender, por força da aplicação, directa e necessária, das normas constantes dos artigos 59.°, n.° 1, alínea a) e 266.°, n.° 2, da CRP e, assim, ser condenado a pagar-lhe: a) a quantia de 22.942,75 Euros, correspondente ao capital em dívida, até à presente data; b) a quantia de 917,71 Euros, por cada retribuição paga à autora, a partir de Novembro de 2002 (inclusive) até que lhe seja aplicado o mencionado modelo remuneratório, cuja liquidação tem de se relegar para execução de sentença; c) os juros de mora vincendos, sobre o capital em dívida, à taxa legal de 7%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, igualmente a liquidar em execução de sentença. * Contestou o réu, defendendo-se, por excepção, com a alegação da excepção dilatória da incompetência material do Tribunal do Trabalho, para o conhecimento da acção.

No seu entendimento, considera o Tribunal Administrativo o competente, citando, em abono da sua tese, o Acórdão de 30 de Maio de 2001 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido na Apelação n.° 1471/97 - 4.ª secção e o Acórdão do Tribunal Constitucional de 28 de Março de 2001. * Foi proferido despacho que considerou competentes para o conhecimento da acção os Tribunais Administrativos, julgando procedente a excepção da incompetência material do Tribunal do Trabalho e, em consequência, absolveu o Réu da instância.

Tal despacho foi fundamentado, essencialmente, no Acórdão de 30 de Maio de 2001 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido na Apelação n.° 1471/97 - 4.ª secção e no Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 11/07/2000, publicado in ADSTA 468-1630 e ss.

* A Autora não se conformou com tal decisão e dela interpôs recurso de agravo, concluindo, assim, as suas alegações: A. A Recorrente foi admitida ao serviço do Recorrido em 1 de Janeiro de 1991, mediante contrato individual de trabalho sem terno, fundado em ajuste verbal e celebrado ao abrigo do Decreto-Lei n.° 451/85, então vigente.

  1. O regime aplicável a tal relação laboral, nos termos do n.° 2, do artigo 2.°, daquele diploma legal, era o do "(...) contrato de trabalho, com as especificidades constantes do presente diploma e em conformidade com o direito local aplicável".

  2. Por via da publicação do DL 444/99 e da consequente entrada em vigor do EPSEMNE, a Recorrente, atento o facto de, em razão da sua nacionalidade, não ter podido exercer o direito de opção pelo regime da função pública (cfr. artigo 3.°, n.° 1, daquele diploma legal), foi integrada, com efeitos a 1 de Janeiro de 2001, no Quadro Único de Contratação dos Serviços Externos do MNE, que abrange o pessoal sujeito ao regime do contrato individual de trabalho (EPSEMNE, artigo 3.°, n.° 2).

  3. A relação jurídica de emprego do pessoal que, como a Recorrente, não se encontra submetido ao regime da função pública, constitui-se, precisamente, por contrato individual de trabalho (EPSEMNE, artigo 17.°, n.° 1).

  4. Tal relação laboral é regida, em primeira tinha, pelas normas estatutárias que lhe sejam aplicáveis e, subsidiariamente, pelas normas do direito privado local aplicável (EPSEMNE, artigo 1.°, n.° 2).

  5. Não estamos, assim, na presença de um contrato administrativo, nem de uma relação jurídica administrativa, regida por normas de direito público.

  6. Não é possível falar, também, por referência à mesma relação de trabalho, de uma "ambiência de direito público", decorrente da presença de "cláusulas exorbitantes" necessárias à salvaguarda do "interesse público", nos termos da orientação jurisprudencial fixada pelos Acórdãos do TCF, de 11 de Julho de 2000, do TC, de 28 de Março de 2001 e do TRL, de 30 de Maio do mesmo ano que, assumidamente, motivaram a Sentença Recorrida.

  7. Todos esses Acórdãos, no entanto, reportam-se a contratações a termo certo no âmbito da Administração Pública que, por ultrapassagem do limite máximo de duração previsto na lei geral (DL 64-A/89), evoluíram para situações de facto contra legem, para cujo conhecimento foi declarada a competência material dos Tribunais Administrativos, essencialmente em razão da proibição da conversão daqueles contratos em contratos sem termo, de harmonia com a tese firmada...

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