Acórdão nº 0110530 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Junho de 2001
Magistrado Responsável | CLEMENTE LIMA |
Data da Resolução | 27 de Junho de 2001 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, na Relação do Porto: I Relatório1. O processo.
Nos autos de processo comum n.º--/--, do -.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de....., o arguido, Rogério....., foi submetido a julgamento e veio a ser condenado, pelo Tribunal Colectivo (acórdão de fls. 491-501), pela prática de um crime de homicídio voluntário, previsto e punível nos termos prevenidos no art. 131.º, do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos de prisão.
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O recurso.
2.1. Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal aresto, concluindo a correspondente motivação por dizer, em síntese, que (a) o Tribunal a quo não julgou assente matéria de facto que devia ter dado como provada; (b) o arguido praticou o crime p. e p. nos termos do disposto no art. 133.º, do Código penal e não aquele por que foi condenado, p. e p. nos termos do disposto no art. 131.º, do mesmo Código, quadro em deverá ser punido com uma pena de dois anos e meio de prisão; (c) A entender-se que o arguido cometeu o crime do art. 131.º, do CP, não foram devidamente valorados todos os factos provados, pois que deveriam ter sido subsumidos à doutrina dos arts. 72.º e 73.º, daquele Código, com o que o arguido deverá ser condenado numa pena de seis anos e meio de prisão.
2.2. Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, propugnando pela rejeição do recurso, por deficiência das correspondentes conclusões, ou pelo convite à correcção das mesmas e, de mérito, pela confirmação do julgado.
2.3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto é de parecer, quanto ao direito, que a situação é enquadrável no disposto no art. 133.º, do CP, devendo o arguido ser condenado em pena de dois anos e meio de prisão, o que não suscitou réplica.
II Fundamentos3. Os factos.
3.1. Em 1.ª instância, julgaram-se provados os seguintes factos: 1º - O arguido é oriundo de família modesta, tendo conseguido, pelo seu mérito e força de vontade, empregar-se nos ....., onde desempenhou, até à reforma, a profissão de......
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- Casou, tendo três filhos.
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- Na data da prática dos factos era um homem bom.
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- Bom pai e bom marido, assim começou a ser visto após o casamento e nascimento dos filhos.
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- Como funcionário dos....., sempre foi um bom funcionário, quer nas relações com a Instituição, seus superiores hierárquicos e colegas de trabalho, quer nas relações com o público, designadamente, na distribuição postal.
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- Muito apreciado pelos colegas e pelos seus superiores e benquisto pelos destinatários da correspondência que ele distribuía e entregava, com simpatia e confiança.
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- Amigo dos vizinhos, pautava-se por um bom relacionamento com todas as pessoas que o conheciam e com ele privavam, tendo boa aceitação em relação aos demais que o conheciam, mas que, por motivos vários, com ele não privavam tão de perto.
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- Mau grado os seus fracos rendimentos, tudo fez para dar uma boa educação aos filhos, que amava.
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- Uma filha alcançou o ensino básico, sendo professora e outra obteve o curso de enfermagem.
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- Sua esposa sofre de artrose reumática, o que lhe dificultava, e às vezes, impossibilitava, de fazer certas lides domésticas, tais como lavar e passar a roupa, limpar a casa e confeccionar os alimentos.
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- Valia-lhe a ajuda do arguido.
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- Era um familiar querido dos cunhados, sobrinhos e demais família, todos se visitando.
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- O seu filho Nuno....., nascido a 7 de Julho de 1977, em ....., por altura dos seus treze anos de idade, iniciou-se no consumo de haxixe.
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- E os pais - o arguido Rogério..... e Margarida..... - levaram-no ao médico.
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- Mas, à medida que o tempo e os anos iam passando, o Nuno, do consumo de haxixe passou para o consumo de heroína.
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- O arguido, como bom pai e amigo do Nuno e na esperança de o ajudar a curar-se, foi, então, com o mesmo a médicos particulares e ao Hospital....., onde era devidamente tratado e medicado.
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- Em vão, porém, porquanto o Nuno continuava a consumir estupefacientes, não aceitando os conselhos que os pais lhe davam e as repreensões que lhe faziam.
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- E, por vezes, insultava-os, chamando ao arguido corno e filho da puta e à mãe puta, égua, porca e aleijada, isto por ela sofrer de artrose reumática.
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- O arguido sentia-se desgostoso e envergonhado pelo comportamento do filho.
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- Contudo, continuava a ajudá-lo, a levá-lo ao médico e ao Hospital..... e, ultimamente, ao CAT de....., a fim de o curar da toxicodependência.
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- O arguido comprava-lhe tabaco ou dava-lhe dinheiro para ele o comprar, bem como para o mesmo satisfazer uma outra necessidade própria de jovem.
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- Mas, porque era toxicodependente e precisava de dinheiro, o Nuno furtava-o ao pai, bem como às irmãs e outras pessoas da família, assim como objectos em ouro.
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- Pelo menos, em duas ocasiões, a um pequeno olhar que o pai, uma vez, e a mãe, outra, lhe dirigiram, o Nuno respondeu-lhes com insultos.
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- Os pais do Nuno, para o retirarem do meio de....., a fim de ele evitar as companhias das drogas, pediram às irmãs que o convidassem a passar umas férias com elas, tendo, de facto, ele ido passar algum tempo a casa da irmã que dava aulas nos Açores, onde, de facto, esteve.
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- Assim como foi, algum tempo, para casa duma outra irmã, para o Algarve e, bem assim, para casa duma prima, funcionária do ....... de Torres Vedras.
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- Aí, furtava dinheiro às irmãs e à prima e, mesmo, ouro, para vender e fazer dinheiro, com vista à aquisição de droga.
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- Acabando por regressar a ....., a casa dos pais.
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- Aqui, agredia a mãe, insultava ambos os pais e, uma vez, partiu louça.
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- Em duas dessas vezes, pessoas de família foram em seu auxílio.
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- Os pais do Nuno envergonhavam-se do seu comportamento e muito do que se passava em casa ocultavam aos vizinhos.
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- Uma vez telefonaram para a polícia, solicitando a sua comparência.
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- Apesar de terem sido aconselhados a apresentar queixa, nunca o fizeram.
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- O arguido era uma pessoa calma e reservada.
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- Mas, perante a situação do Nuno e os seus comportamentos, começou a enfermar de Síndroma Depressivo Ansioso Reactivo a acontecimentos perturbantes.
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- Com queixas de humor depressivo e dificuldades em concentrar-se, tendo-se, por isso, reformado antecipadamente e ido, diversas vezes, ao médico.
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- O quadro depressivo de que vinha enfermando antevia o diagnóstico de Transtorno de Adaptação, pelo que desanima, retrai-se, isola-se, fecha-se sobre si próprio e deprime.
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- Mas o arguido continuou a ajudar o Nuno, como podia.
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- Conseguindo-lhe um emprego nos....., e depois de ser admitido, o Nuno não compareceu, desistindo.
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- Aconselhou-o a tirar a carta de condução, que obteve e o arguido lhe pagou.
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- Pagou a indemnização de umas centenas de contos em que ele fora condenado no Tribunal desta comarca, pelo crime de furto.
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- No dia 18 de Julho de 2 000, cerca das 13 horas, no Bairro......, nesta cidade de ....., onde vivia com os seus pais, o Nuno..... entrou na cozinha onde aqueles estavam sentados à mesa.
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- Dirigiu-se, então, ao fogão, para ver qual a refeição preparada para o almoço e, tendo ficado desagradado, fez um comentário depreciativo sobre a refeição e atirou com o testo da panela ao chão e chamou alguns nomes e palavrões a sua mãe - querendo referir-se ao facto de a refeição ter sido preparada na véspera, por ela -, após o que se dirigiu à zona à volta da mesa onde ela se encontrava sentada e a empurrou por sobre uma cadeira que se encontrava junto à mesa, à esquerda de sua mãe.
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- Face a isto, o arguido decidiu intervir, para por termo à discussão e agressão, levantando-se da cadeira onde se encontrava sentado, e dirigiu-se-lhe e tentou chamá-lo à razão, ao mesmo tempo que tentava afastá-lo da mãe, altura em que o Nuno.... o injuriou, chamando-lhe corno.
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- Então, o arguido lançou a mão a uma faca de cozinha, a qual tem uma lâmina de 17 centímetros de comprimento, com um gume afiado no extremo inferior, que alcançou e, em circunstâncias não concretamente apuradas, ambos - o arguido e o Nuno - saíram da cozinha, para o corredor, com cerca de 1,25 metros de largura, o qual atravessaram, entrando ambos na sala-de-estar, em frente.
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- E, durante esse percurso, em circunstâncias de tempo e lugar não concretamente apuradas, o arguido, com a referida faca, que continuava a segurar, desferiu, então, com ela, um golpe no Nuno, atingindo-o no flanco esquerdo, provocando-lhe de forma directa, necessária e adequada uma ferida cortante com 1 centímetro de comprimento e 0,5 centímetros de largura.
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- E desferiu um outro golpe sobre a vítima, que atingiu na face externa do braço esquerdo, onde lhe provocou de forma directa, necessária e adequada uma ferida cortante de orientação transversal, com 5 centímetros de comprimento e contando com um afastamento dos rebordos de 1centímetro. ____ 48º - E, com outro golpe com a faca, atingiu a vítima na região deltoideia esquerda, onde lhe provocou, do mesmo modo, uma ferida corto-perfurante de orientação vertical, com 5 centímetros de comprimento e 2 centímetros de afastamento entre os rebordos, com 1 centímetro de profundidade.
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- E desferiu ainda um golpe com a faca no corpo da vítima, com o qual lhe provocou, de forma directa, necessária e adequada...
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