Acórdão nº 750/2007-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Maio de 2007

Data10 Maio 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO W, cidadão brasileiro, Brasil, instaurou contra o Estado Português acção especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo que seja revista e confirmada a sentença transitada em julgado proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, do Rio de Janeiro, em 5 de Setembro de 1995, que condenou o Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro a pagar a W, na qualidade de trabalhador (cozinheiro) do Consulado, quantia a liquidar em execução de sentença, relativa ao incumprimento de obrigações que sobre este impendem como empregador. O MºPº, em representação do Estado Português, veio contestar a acção, deduzindo oposição nos termos do art. 1098º do CPC, como consta do articulado de fls. 38 a 43 dos autos, essencialmente porque o Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro e o Estado Português não renunciaram à imunidade de jurisdição, pelo que se verifica a incompetência absoluta do Tribunal que proferiu a sentença revidenda e assim deve ser negadas a confirmação e revisão requeridas.

Observado o disposto no art. 1099º, nº 1, do CPC, o Ministério Público apresentou alegações.

Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentalmente está em causa apreciar e decidir se a decisão confirmanda é conforme aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, estando reunidos todos os pressupostos necessários à confirmação da sentença revidenda, para o que importa verificar se, no caso, o Estado Português goza de imunidade judiciária relativamente ao litígio dos presentes autos.

II - FACTOS PROVADOS 1. O cidadão brasileiro, W, intentou no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, Brasil, acção contra o Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, pedindo a condenação no pagamento de determinadas verbas, tudo como consta da petição junta a fls. 6 a 8 dos autos.

  1. Foi proferida sentença, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, do Rio de Janeiro, em 5 de Setembro de 1995, que condenou o Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro a pagar a W, na qualidade de trabalhador (cozinheiro) do Consulado, quantia a liquidar em execução de sentença, relativa ao incumprimento de obrigações que sobre este impendem como empregador.

    III - O DIREITO 1. Da imunidade O direito internacional comum reconhece aos Estados certos direitos derivados da sua qualidade de sujeitos de direito internacional, direitos esses essenciais, sem os quais os Estados não poderiam viver e dos quais decorrem todos os seus outros direitos.

    Um desses direitos fundamentais é o direito à igualdade (igualdade nas relações entre os Estados, direito a uma igual medida de soberania, garantia da igualdade na aplicação do direito internacional). A soberania é um dos elementos constitutivos do Estado, sendo uma das suas marcas o exercício dos poderes de jurisdição, tanto de sentido normativo, como administrativo, ou jurisdicional, havendo uma tendencial correspondência entre os limites territoriais e o alcance do direito de jurisdição(1).

    Todavia, os direitos fundamentais dos Estados sofrem algumas restrições. A imunidade de jurisdição de que gozam os Estados estrangeiros é uma dessas restrições.

    O princípio da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros é um corolário do princípio da igualdade soberana dos Estados e está consagrado no art. 2º, nº 1 da Carta das Nações Unidas. De acordo com o mesmo, em regra, nenhum Estado pode julgar os actos de um outro ou mesmo um dos seus órgãos superiores, designadamente por intermédio de um dos seus tribunais, sem o consentimento deste, o que traduz a conhecida máxima de direito internacional "par in parem non habet imperium".

    Porém, desde há muito que o princípio da imunidade de jurisdição dos Estados tem vindo a sofrer restrições.

    Posta de lado a concepção absoluta dessa imunidade, de há muito vem sendo admitida a distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, para, restritivamente, só quanto aos primeiros a imunidade ser admitida como salvaguarda da soberania e igualdade dos Estados nas suas relações internacionais. A imunidade relativa encontra a sua justificação no facto de os actos praticados revestirem carácter privado, colocando o Estado estrangeiro ao nível de um particular, sendo portanto estranhos ao exercício da soberania. Na verdade, o desenvolvimento das relações internacionais e a intervenção crescente do Estado em áreas do direito privado concorreram para o reforço da teoria da imunidade relativa em detrimento da teoria da imunidade absoluta.

    Este desenvolvimento da doutrina foi acompanhado a nível legislativo.

    Assim, a Convenção de Basileia, ao limitar o número de casos em que os Estados podem invocar a imunidade de jurisdição, acompanha a tendência que se desenvolveu na doutrina e jurisprudência da maioria dos países. Efectivamente, impondo-se a exigência de uma solução internacional unívoca sobre as hipóteses em que o exercício da jurisdição seria admissível, o Conselho da Europa, em 16/5/72, em Basileia, abriu à assinatura dos Estados membros e à adesão dos Estados não membros, a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados, que adoptou o critério de enunciar especificamente, nos art. 1º a 14º, as situações e relações jurídicas relativamente às quais é aplicável a excepção ao princípio da imunidade dos Estados estrangeiros.

    Esta Convenção, que embora assinada por Portugal em 10/5/79 não foi, ainda, ratificada, estatui no seu artigo 5º que: "1- Um Estado contratante não pode invocar imunidade de jurisdição perante um tribunal de um outro Estado contratante se o processo se relacionar com um contrato de trabalho celebrado entre o Estado e uma pessoa singular, se o trabalho dever ser realizado no território do Estado do foro".

    "2 - O parágrafo 1 não se aplica : a) se a pessoa física tiver a nacionalidade do Estado empregador na altura em que o processo foi instaurado; b) se na altura da celebração do contrato a pessoa singular não tinha a nacionalidade do Estado do foro nem residia habitualmente nesse Estado; ou c) se as partes do contrato acordaram em sentido contrário, por escrito, a menos que, de acordo com a lei do Estado do foro, os tribunais desse Estado tivessem jurisdição exclusiva em virtude do objecto do processo".

    A este respeito refere Albino Azevedo Soares o seguinte: "Actualmente, a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados consagra a tese da imunidade relativa e põe definitivamente de lado a qualificação do acto através da sua finalidade. Em matéria de contratos distingue entre os contratos de...

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