Acórdão nº 6678/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução08 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 - Relatório.

Na 10ª Vara Cível de Lisboa, Sofinloc […] S.A., propôs procedimento cautelar para apreensão de veículo e respectivos documentos contra José […], alegando que celebrou com o requerido um contrato de financiamento para aquisição a crédito, que teve por objecto o financiamento de € 29.529,93 destinados à aquisição, por parte do requerido, de uma viatura automóvel.

Mais alega que, como condição da celebração do referido contrato e como garantia do seu bom cumprimento, foi exigido pela requerente ao requerido a constituição de reserva de propriedade a seu favor sobre o mencionado veículo, encargo esse que se encontra registado na Conservatória do Registo de Automóveis.

Alega, ainda, que o requerido, tendo assumido perante a requerente a obrigação de pagar uma prestação mensal por um período de 48 meses, não pagou a totalidade das prestações em dívida, apesar de lhe ter sido concedido um prazo suplementar para o efeito, pelo que, face ao incumprimento do contrato, tem direito à entrega da viatura sobre a qual tem reserva de propriedade.

Conclui, assim, que, como preliminar da respectiva acção principal, e ao abrigo do disposto no art.15º, do DL nº54/75, de 12/2, pretende a apreensão do referido bem e respectivos documentos.

Após se ter solicitado à Conservatória do Registo de Automóveis o envio dos documentos que estiveram na base do registo da reserva de propriedade a favor da requerente, foi proferido despacho, indeferindo liminarmente o procedimento cautelar.

Inconformada, a requerente interpôs recurso de agravo daquele despacho.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - Fundamentos.

2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. O presente recurso vem interposto de decisão que indeferiu liminarmente a providência cautelar de apreensão de veículo automóvel, requerida nos termos do artigo 15° do Decreto-Lei n.° 54/75 de 12 de Fevereiro.

  2. O Meritíssimo Juiz a quo julgou a mesma manifestamente improcedente e nos termos do disposto no artigo 234°, n.° 4 alínea b) e 234°-A n.° l, indeferiu liminarmente o Requerimento Inicial.

  3. A Requerente alegou sucintamente os seguintes factos: - No dia 19 de Fevereiro de 2004 celebrou com o Requerido o contrato de financiamento para aquisição de uma viatura de marca BMW […], com a matrícula […] RB; - Como garantia do referido contrato foi acordada e inscrita a favor do mutuante reserva de propriedade sobre a mencionada viatura; - O requerido incumpriu as obrigações que assumiu em virtude do referido contrato, nomeadamente não pagou as prestações convencionadas; d) Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que não se encontravam reunidos os pressupostos para o decretamento da providência, nomeadamente que não se verificava a existência de um contrato de compra e venda.

  4. Ou seja, para o Meritíssimo Juiz a quo não basta que se verifique a existência de reserva de propriedade inscrita a favor da Requerente, nem que se verifique o incumprimento das obrigações que originaram a mesma, é necessário, também, que a referida reserva de propriedade seja garantia do cumprimento de um contrato de compra e venda resolvido, e não de qualquer outro.

  5. Ora, salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento que, em nossa opinião, não faz a correcta interpretação da Lei.

  6. A reserva de propriedade, tradicionalmente uma garantia dos contratos de compra e venda, tem vindo, face à evolução verificada nas modalidades de contratação, a ser constituída como garantia dos contratos de mútuo, sobretudo, daqueles cuja finalidade e objecto é financiar um determinado bem, ou seja, quando existe uma interdependência entre o contrato de mútuo e o contrato de compra e venda.

  7. Nestas situações, tem-se verificado uma sub-rogação do mutuante na posição jurídica do vendedor, isto é, o mutuante ao permitir que o comprador pague o preço ao vendedor, sub-roga-se no risco que este correria caso tivesse celebrado um contrato de compra e venda a prestações, bem como, nas garantias de que este poderia dispor, no caso, a reserva de propriedade.

  8. Este entendimento encontra pleno acolhimento no artigo 591° do Código Civil, bem como, no princípio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405° do Código Civil, uma vez que, não se vislumbram quaisquer objecções de natureza jurídica, moral ou de ordem pública relativamente ao facto de a reserva de propriedade ser constituída a favor do mutuante e não do vendedor.

  9. Ora, a própria lei que regula o crédito ao consumo o admite no n.° 3 do seu artigo 6° quando refere que "o contrato de crédito que tenha por objecto o financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante pagamento em prestações deve indicar ainda: (...) f) O acordo sobre a reserva de propriedade".

  10. Entendimento este, que também tem sido sufragado em diversos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, entre os quais destacamos o acórdão de 27-06- 2002, consultado na base de dados do Ministério da Justiça em www.dgsi.pt, cujo n.° de documento é RL200206270053286, e o acórdão de 13-05-2003 consultado na mesma base de dados de que não se encontra disponível o n.° de documento e que teve como relator o Meritíssimo Juiz Desembargador Rosa Maria Coelho.

  11. Por outro lado, importa esclarecer que, ao contrário do que foi defendido pelo Meritíssimo Juiz a quo, o direito que a Requerente tem de reaver a viatura não decorre das Cláusulas do contrato de mútuo, mas sim da propriedade que tem sobre ela, condicionada é certo, mas ao não se verificar a condição que implicaria a transmissão da mesma para o Requerido, então a propriedade permanece na sua esfera jurídica e é com base nesse direito de propriedade que lhe assiste o direito de reaver a viatura ao abrigo do artigo 15° do Decreto-Lei n.

    0 54/75.

  12. Posto isto, e encontrando-se inscrita a favor da Recorrente reserva de propriedade sobre a viatura que se requereu a apreensão, bem como, estando indiciariamente provado que os Requeridos não cumpriram as obrigações que originaram a constituição da reserva de propriedade, sem prejuízo de se apresentarem outras provas, nomeadamente a prova testemunhal, julgamos que se encontram reunidos os pressupostos para o decretamento da requerida Providência cautelar de apreensão de veículos, nos termos do artigo 15° do Decreto-Lei n.° 54/75.

  13. Pelo que, a procedência do presente recurso é manifesta.

    Nestes termos, deve ser julgado procedente por provado o presente recurso, anulando-se ou revogando-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências.

    2.2. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se o pedido de apreensão de veículo, formulado no âmbito do procedimento cautelar a que alude o DL nº54/75, de 24/2, por quem financiou a aquisição do mesmo e é titular do respectivo registo de reserva de propriedade, é manifestamente improcedente, e, como tal, deve ser, como foi, liminarmente indeferido.

    No despacho recorrido considerou-se, fundamentalmente, que a acção de que a providência é dependência tem necessariamente de ser a acção de resolução do contrato de alienação e não a resolução do contrato de financiamento, pelo que, não podendo jamais a requerente propor aquela acção, a sua pretensão não pode deixar de ser liminarmente indeferida.

    A recorrente entende que, encontrando-se inscrita a seu...

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