Acórdão nº 922/2007-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução19 de Abril de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - 1. Relatório: António e mulher Maria, L e mulher Maria M e Mútua de Seguros Requereram a constituição de um fundo de limitação de responsabilidade no montante de 8.267,41 Euros, pretendendo limitar a sua responsabilidade a esse montante em relação aos pedidos de indemnização resultantes de perdas e danos emergentes da abalroação entre as embarcações de pesca denominadas "Meireles Novo" e "Paz da Vida", ocorrida ao largo da costa portuguesa.

  1. Essa pretensão foi liminarmente admitida e deferido o pedido, tendo sido declarada a constituição de um fundo de limitação de responsabilidade no referido valor - cf. fls. 63, do I vol.

  2. Em sede de reclamação de créditos a reconhecer e a satisfazer proporcionalmente pelas forças do referido fundo, foram considerados reclamados, ao abrigo do disposto no art. 8º, nº 1, do Decreto 49.029, de 26 de Maio de 1969, os créditos que se pretendiam fazer valer contra os ora Requerentes no âmbito da acção declarativa de condenação que se encontrava pendente no Tribunal Marítimo, sob o n.º 1/2002.

  3. Tal acção, apensada aos presentes autos, contém os seguintes elementos: A) - A "Companhia de Seguros, S.A." propôs esta acção (com o nº 1/2002) contra os ora Requerentes pedindo a condenação solidária dos mesmos no pagamento da quantia global de Esc. 34.460.000$00, acrescida de juros de mora vincendos, desde a citação até integral pagamento, sendo a Ré Seguradora até ao limite da respectiva apólice.

    Para tanto, a A. Seguradora "Fidelidade" alegou que tinha celebrado contrato de seguro do ramo marítimo (casco e responsabilidades), pelo valor global de Esc. 34. 460.000$00, com os proprietários da embarcação "Paz da Vida", tendo esta sido perdida em virtude de abalroação e afundamento imputável exclusivamente ao mestre da embarcação "Meireles Novo" (Réu Lázaro Meireles Novo).

    Em cumprimento do contrato de seguro a A. liquidou aos seus segurados a quantia de Esc. 34.460.000$00, ou seja, o valor do capital.

    E assim, assiste à A, por sub-rogação contratual e legal, o direito de reclamar dos responsáveis pela perda da embarcação, os RR., o pagamento da quantia despendida em consequência do ressarcimento dos danos sofridos pelos seus segurados pelo afundamento da embarcação, nos termos agora peticionados.

    1. A Ré "Mútua" contestou a acção alegando que a abalroação se ficou a dever a caso puramente fortuito e que não há direito a indemnização por parte de qualquer dos navios envolvidos - cf. fls. 89, do I vol.).

      Mais alegou que o contrato de seguro invocado pela A. não cobre os danos emergentes de abalroamento culposo, mas tão-somente o abalroamento fortuito, a que acresce o facto que, de acordo com a apólice, o seguro está limitado ao valor de Esc. 31.040.000$00.

    2. Os restantes RR. vieram igualmente contestar a demanda, alegando, em síntese, que a abalroação foi fortuita e que o mestre da embarcação "Paz da Vida" contribuiu para o afundamento da mesma ao não cuidar de a manter a navegar durante a operação de reboque - cf. fls. 304. do III vol., do processo Apenso.

    3. Os proprietários da embarcação "Paz da Vida" - José Carlos Camilo Anacleto e António Jorge Fernandes da Fonseca - intervieram espontaneamente na referida acção, a título principal, e demandaram igualmente os ora Requerentes pedindo a condenação dos RR. António e mulher Maria e da R. "Mútua de Seguros" - esta última nos termos das responsabilidades transferidas pelo contrato de seguro - no pagamento da quantia global de Esc. 47.086.770$00, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento - cf. fls. 347, do III vol, do processo Apenso.

      Para tanto, os Intervenientes alegaram que, em resultado do naufrágio, perderam a embarcação "Paz da Vida", segura pela "Fidelidade", e sofreram, com tal facto, danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes que não se encontravam cobertos por qualquer seguro e que ainda se encontram por indemnizar.

    4. Os RR. responderam aos Intervenientes renovando as posições assumidas nas contestações anteriormente apresentadas.

    5. Foi elaborado despacho saneador, com factos assentes (especificação) e base instrutória - cf. fls. 440 e segts. do III vol., do Apenso.

    6. Designada data para realização de julgamento, no início da respectiva audiência foi determinada, no âmbito deste processo, a suspensão da instância até ser decidido o requerimento de constituição de um fundo de limitação de responsabilidade que entretanto dera entrada.

      Foi também determinado pelo Tribunal "a quo" a apensação destes autos ao Processo ora em apreciação, com o nº 189/2003, do Tribunal Marítimo - cf. fls. 569, do IV vol., do Apenso.

  4. Requerida a constituição de um fundo de limitação de responsabilidade no montante de 8.267,41 Euros, conforme se refere supra, no ponto 1), foi o referido pedido deferido com a constituição de um fundo de limitação no valor de 8.267,41 Euros, na modalidade de seguro-caução, a todos os Requerentes - conforme se refere em 2) - cf. fls. 65 e 74 do I vol. da Acção.

  5. Inconformados com tal decisão, os Requeridos/Intervenientes Agravaram da decisão que constituiu o fundo de limitação de responsabilidade nesse valor - cf. fls. 89, do I vol., da Acção.

    Formularam, em síntese, as seguintes conclusões: 1. A Convenção Internacional sobre Limite de Responsabilidade dos Proprietários de Navios de Alto Mar, integrada no direito português com a alteração ao nº 5 do art. 3º, quanto à forma de constituição de um fundo para navios com menos de 300 toneladas de arqueação, pelo Decreto-Lei nº. 49.028, de 26 de Maio de 1969, não é aplicável a navios costeiros em situações ocorridas dentro do mar territorial português, ou seja, dentro das doze milhas a contar da costa.

  6. O conceito de Alto Mar é um conceito técnico-jurídico conforme resulta da parte VII e art. 86º da Convenção Internacional assinada em 1982, e em vigor internacionalmente partir de 16 de Novembro de 1994.

  7. O mar territorial português conta-se pela distância de doze milhas a partir da costa, e só a massa de água oceânica a partir desta linha das doze milhas é Alto Mar.

  8. A abalroação do "Paz da Vida" pelo "Meireles Novo" ocorreu cerca das sete milhas a partir de costa, ou seja, dentro do mar territorial português e fora do Alto Mar.

  9. Ambos os navios são navios de pesca costeira, como resulta da sua própria identificação, nos termos do Decreto-Lei nº 287/87, de 7 de Julho e do Regulamento nº 43/87, de 17 de Julho, e apenas as embarcações de pesca do largo podem ser incluídas no conceito de navios de Alto Mar, por serem os únicos que, em condições normais, aí estão autorizadas a pescar.

  10. O supra citado Decreto-Lei destina-se manifestamente a tornar mais justo para navios de passageiros, eventualmente veleiros, com pequena tonelagem, mas com carta de comando com permissão para navegação em Alto Mar, o disposto no nº 5 do art. 3° da Convenção, que os obrigaria a ter como referência para a constituição de um fundo o equivalente a 300 toneladas de arqueação.

  11. Acresce ainda que, a constituição de um fundo não derroga o disposto nos arts. 492°, 665° e 666° do Código Comercial, ou seja, não se aplica a abalroamentos culposos ou duvidosos, mas apenas aos resultantes de casos fortuitos ou de força maior previstos no art. 664° do mesmo diploma.

  12. No caso dos autos, o abalroamento ocorreu por culpa exclusiva do comando do navio "Meireles Novo", que não só não cumpriu a alínea a), da regra 18, da Convenção sobre o Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos do Mar, como os deveres de vigilância e atenção, tendo a sua navegação desatenta e imprudente causado o abalroamento do "Paz da Vida", que se encontrava fundeado e devidamente sinalizado, em zona habitual de pesca, pelo que o comando do "Meireles Novo" tinha consciência e conformou-se com a possibilidade de provocar um abalroamento.

  13. Por outro lado, a Requerente Seguradora, ao celebrar contratos de seguro em que se responsabiliza pelo pagamento de danos provocados a terceiro pelo seu segurado, tendo cobrado os prémios de acordo com esse risco, renunciou à faculdade de constituição de fundo limitativo da responsabilidade, gerando no segurado a convicção de que satisfaria todas as indemnizações decorrentes de naufrágio por si provocados, e nos terceiros, bem como a convicção de que sempre seriam indemnizados pelo valor decorrente dos prejuízos por si sofridos.

  14. Se a tal não tivesse renunciado, teria cobrado o prémio de acordo com a diminuição do risco do segurado e de fazer menção à possibilidade do uso de esse direito na apólice que titulou o contrato de seguro.

  15. Pelo que o pedido de constituição de um fundo pela Requerente Seguradora, não previsto e afastado nos contratos de seguro que celebra, configura manifesto abuso de direito.

  16. E assim, deve ser dado provimento ao agravo e, em consequência, declarar-se nula a decisão recorrida.

  17. Foram apresentadas contra-alegações nas quais se conclui pedindo que seja negado provimento ao presente Agravo e onde se defende, em síntese, que a Convenção de Bruxelas, de 10 de Outubro de 1957, é aplicável ao caso sub judice, bem como a todos os navios de mar, seja qual for a actividade a que se dediquem e a área em que estejam autorizados a operar.

  18. Foram admitidos os seguintes créditos reclamados (cf. fls. 146, do I vol.):

    1. Companhia de Seguros Fidelidade, S.A. (fls. 2) - 171.885,75 Euros; b) José Carlos Camilo Anacleto e António Jorge Fernandes da Fonseca (fls. 347) - 234.867,81 Euros.

  19. Foi proferido o despacho de fls. 152, do 1º vol., a determinar o prosseguimento do processo Apenso nº 1/2002.

  20. Seguiram-se outras diligências com a elaboração de prova pericial cujo relatório se mostra junto a fls. 359 e segts (cf. tb. fls. 306, do 2º vol.).

  21. Realizada audiência de discussão e julgamento (com resposta aos quesitos a fls. 427, do 3º vol.) foi proferida sentença na qual o Tribunal "a quo" julgou: 1) Quanto ao abalroamento: - que se verificou um problema grave no plano da vigilância...

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