Acórdão nº 10524/2006-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução21 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - No decurso da audiência de julgamento do processo n.º …./02.9JDLSB, que se encontra a decorrer na … Vara Criminal de Lisboa, o tribunal, através da sr.ª juíza presidente, no seguimento de requerimento formulado pelo arguido C… (1), ditou para a acta, em 25 de Setembro de 2006, o acórdão que, na parte relevante, se transcreve (fls. 39 633 a 39 644): «I - A questão suscitada a fls. 36.098, 36.141 a 36.145, 36.147, 36.261 a 36.263, 36.601, 37.848 e 36.627 pelos arguidos é diferente da ora suscitada pelo Ilustre Mandatário do arguido C….

Com efeito, na altura e o que foi expressamente requerido pelos Ilustres Mandatários dos arguidos nos indicados requerimentos, foi uma confrontação dos assistentes I…, L… e P… e das testemunhas R… e F… com eventuais declarações por si prestadas na fase de Inquérito e no âmbito de perícias médico-legais.

Quanto a tal questão o Tribunal deu os Despachos de fls. 36.264 e 36.602, relegando o conhecimento de tais questões para momento posterior, aquando da audição dos senhores Peritos, por entender que as questões suscitadas tinham a ver com declarações eventualmente prestadas no âmbito de prova pericial. Aliás, no sentido então defendido pelo Ilustre Mandatário dos assistentes.

No entanto, como já foi dado o contraditório quanto a tais questões e a Decisão desde já pode sanar e deixar prejudicada a questão ora suscitada pelo Ilustre Mandatário do arguido C…, o Tribunal vai desde já proferir Despacho quanto à mesma.

II - 1. A fls. 36.098 o arguido H…, invocando o disposto no artigo 345°, n.º 3, por remissão para o 346°, n.º 2, do Código de Processo Penal, requereu ao Tribunal que o Assistente I… fosse confrontado com o auto de perícia de fls. 69, do Apenso CC e fls. 50, do 1° vol., do Apenso CG, para que o Assistente confirmasse se o texto em itálico corresponde efectivamente às declarações por ele prestadas e, na afirmativa, que as explicasse, tendo em atenção as declarações que estava a prestar em audiência de julgamento.

A fls. 36.141 a 36.145, o arguido J… subscreveu o requerido pelo arguido H… a fls. 36.098. Acrescentou argumentos, pronunciando-se no mesmo requerimento e globalmente pelos mesmos fundamentos, quanto à irregularidade arguida a fls. 35.928 a 35.929 pelo arguido C….

A fls. 36.145 a 36.147 a arguida M… subscreveu o requerido pelo arguido H… a fls. 36.098.

A fls. 36.147 o arguido D… e a fls. 36.147 o arguido C… subscreveram o requerido pelo arguido H… a fls. 36.098 e os fundamentos alegados pelo arguido J… a fls. 36.141 a 36.145, bem como pela arguida M… a fls. 36.145.

O Ministério Público pronunciou-se a fls. 36.140, fundamentando e opondo-se ao requerido.

1.1. A fls. 36.261 a 36.263, durante a tomada de declarações ao Assistente L…, o arguido C… requereu ao Tribunal a possibilidade de confrontar o Assistente com tudo o que consta de um relatório pericial, de perícia feita ao Assistente.

A fls. 36.263, os Assistentes "CP e demais Assistentes" pronunciaram-se quanto ao requerido, aderindo à posição já assumida pelo Ministério Público a fls. 36.260 e 36.261 e requerendo ao Tribunal, fundamentando, que conhecesse do requerido - da possibilidade de confrontação dos assistentes com declarações por si prestadas em perícia de que foram objecto -, após a audição dos Senhores Peritos.

1.2. Por Despacho de fls. 36.264 o Tribunal, por entender que as questões suscitadas a fls. 36.098 e a fls. 36.261, tinham a ver com declarações eventualmente prestadas no âmbito de prova pericial, sendo relevante para a ponderação e decisão da questão suscitada pelos arguidos o conhecimento dos pressupostos em que foram fundadas as conclusões das perícias em causa - aspecto também realçado pelo Ilustre Mandatário dos Assistentes -, relegou o conhecimento da questão para momento posterior, aquando da audição dos Senhores Peritos.

Determinou, assim, o prosseguimento da audiência sem a confrontação do assistente com declarações eventualmente prestadas por si em perícia médica.

1.3. A fls. 36.601, durante a tomada de declarações ao Assistente P…, o arguido C… requereu ao Tribunal que lhe fosse permitida a colocação de questões ao Assistente, sobre o conteúdo do relatório pericial de perícia de que o assistente fora objecto, concretamente sobre as declarações prestadas pelo Assistente aos Senhores Peritos.

1.3.1. Por Despacho de fls. 36.602 - e no sentido do despacho que fora proferido a fls. 36.264, isto é, por entender prévio ao conhecimento do requerido pelos Arguidos, o pedidos de esclarecimentos aos Senhores Peritos, quanto aos pressupostos que levaram à "Conclusão" das Perícias que subscreveram -, o Tribunal determinou a continuação do pedido de esclarecimentos ao Assistente P…, mas sem a sua confrontação com declarações eventualmente prestadas por si no âmbito de uma perícia médica.

Na sequência do despacho que antecede, a fls. 36.602 o Ministério Público pronunciou-se quanto ao requerido a fls. 36.601 pelo Arguido C….

1.4. A fls. 37.484 e durante a inquirição da testemunha R…, o arguido C… - e na sequência de idênticos requerimentos já apresentados quanto a Assistentes - requereu ao Tribunal que, em momento oportuno, lhe fosse permitido confrontar a testemunha R… com declarações por este prestadas em perícia médica de que fora objecto.

1.5. A fls. 37.627 e durante a inquirição da testemunha F…, os arguidos C… e D… requereram ao Tribunal - após a decisão que venha a ser tomada pelo Tribunal, quanto a requerimentos idênticos já formulados -, a confrontação da testemunha com declarações por si prestadas em perícia médica de que foi objecto.

Passamos a conhecer e decidir.

  1. Tal como já defendido no Despacho de fls. 33.696 a 33.703, o Estado, enquanto titular do "ius puniendi", tem interesse em que os culpados de actos criminosos sejam punidos. No entanto, só tem interesse em punir os verdadeiros culpados. "(...) O Estado está, por isso, igualmente interessado em garantir aos indivíduos a sua liberdade contra os perigos de injustiças. Está interessado, desde logo, em defendê-los «contra agressões excessivas da actividade encarregada de realizar a justiça penal» (...). Existe um dever ético e jurídico de procurar a verdade material. Mas existe também um outro dever ético e jurídico que leva a excluir a possibilidade de empregar certos meios na investigação criminal (...)." (cfr. AC. TC n.º 578/98, DR. 26/2/99, II série, pag. 2.950).

    Daí que a verdade material não possa conseguir-se a qualquer preço, não dispondo a autoridade judiciária - que nesta fase processual do julgamento é o Juiz -, de um poder ilimitado de produção de prova: o juiz, dentro do "thema probandi", está sujeito aos princípios instituídos pelo legislador ordinário e constitucional, para a obtenção da prova nas diferentes fases processuais. Isto para que a verdade processual corresponda ao que ontologicamente está subjacente à actividade punitiva dos Estado: para que seja "... o resultado probatório processualmente válido, que sustenta a convicção de que certa alegação de facto é justificavelmente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtida por meio processualmente válido (...)." ( cfr. G. Marques Silva, Curso Processo Penal II, 2a edição, Verbo, pag. 111).

    Da conjugação dos artigos 355°, n.º 1 e 2 e 127°, do Código de Processo Penal e para o que à presente questão importa, resultam dois elementos estruturantes da actuação do juiz na fase processual do julgamento: - proibição da valoração de provas que não sejam examinadas ou produzidas em audiência de julgamento, ressalvando da imediação as provas contidas em actos processuais cuja leitura seja permitida em audiência de julgamento (observando-se, neste caso, o disposto no artigo 356° e 357°, do Código de Processo Penal); - e a valoração da prova de acordo com as regras da experiência, apreciada livremente pelo Tribunal.

    O legislador ao consagrar nesta fase processual o princípio da concentração da prova na audiência de julgamento, da oralidade e da imediação, coloca limites ao modo como o Tribunal pode alcançar a verdade material e - porque a questão, neste segmento, foi suscitada pelos arguidos -, até onde o juiz do julgamento pode e deve ir quanto às condições da investigação do crime.

    Está a definir, de forma clara, uma separação entre o momento do inquérito ou da instrução e o momento do julgamento, separação esta que decorre da estrutura acusatória do processo.

    Ao juiz do julgamento compete assegurar que na fase do julgamento a verdade material não seja alcançada por métodos de aquisição da prova proibidos, por exemplo, artigo 126°, do Código de Processo Penal (aqueles que afectam a liberdade e formação da vontade de declaração, podendo consubstanciar, por exemplo, manipulação da vontade por indução da declaração, adulteração da capacidade de memória, indução de certo raciocínio por introdução de premissas ou de factos pré determinados aquando de um interrogatório).

    Bem como compete assegurar que a prova que fundamente uma absolvição ou uma condenação (artigo 355°, do C.P.P.), aquela em relação à qual o Tribunal pode e vai formar determinada convicção, tenha sido adquirida sem violação dos procedimentos ou da forma que a lei impõe para a produção de tal meio de prova em concreto (por exemplo buscas, revistas, reconhecimentos, perícias, escutas, prova por declarações - proibição de valoração de provas).

    2.1. Do artigo 32º da CRP e 237º do CPP, resulta que o direito de defesa do arguido e o exercício do contraditório estende-se a todos os meios de prova que nos termos do artigo 355°, do Código de Processo Penal, possam fundamentar a convicção do julgador quanto aos factos que constituem o objecto do processo.

    No caso concreto os arguidos pretendem confrontar os assistentes ou testemunhas com declarações por si prestadas em Perícia e que constam dos autos, por entenderem que existem divergências ou discrepâncias entre o que então disseram aos Senhores Peritos e o que...

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