Acórdão nº 10015/2006-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, precedendo audiência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I 1.

No processo comum colectivo n.º 44/05.6TAVFC do Tribunal Judicial de Vila Franca do Campo, foi submetido a julgamento o arguido J.

, melhor identificado a fls. 309, sob acusação da prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172 n.º1 e 2 do Código Penal.

  1. O arguido não apresentou contestação.

  2. Efectuado o julgamento, o tribunal, por acórdão proferido em 14 de Julho de 2006, na procedência da acusação, deliberou condenar o arguido pela prática do referido crime na pena especialmente atenuada de dois anos de prisão e suspender a execução daquela pelo período de dois anos.

  3. Inconformado com a pena aplicada e com a suspensão da sua execução, o Ministério Público veio interpor recurso, pugnando pela condenação do arguido em pena não inferior a 3 anos de prisão, ou de três anos de prisão, mas sempre efectiva, extraindo da sua motivação, as conclusões que a seguir se transcrevem: 1.ª - A matéria de facto provada não fornece fundamentos objectivos que permitam uma atenuação especial da pena; 2.ª - A matéria de facto provada não fornece fundamentos objectivos assentes na personalidade do arguido, nas suas condições de vida, na sua conduta anterior e posterior ao crime, nas circunstâncias deste (pelo menos dois actos de coito anal com o menor) de expectativas de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; 3.ª - O acórdão em apreço violou os art. 71 n.º 1; 72 e 50 n.º1, do Código Penal; 4.ª - O acórdão em apreço deve ser revogado e substituído por outro que condene o arguido em pena não inferior a 3 anos de prisão, ou de 3 anos de prisão, mas sempre efectiva." 5.

    O recurso foi admitido por despacho de 13 de Setembro de 2006 (v. fls.331).

  4. O arguido não respondeu.

  5. Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, não emitiu qualquer parecer.

  6. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

    II 9.

    Na primeira instância foram dados como provados e não provados os seguintes factos: 9.1 - Factos Provados: No dia 25 de Setembro de 2005, na parte da tarde, R., nascido a … de 1992, através de uns pastos, entrou no quintal anexo à residência de J., sita na Rua N., em Vila Franca do Campo.

    Era sua intenção apoderar-se de fruta existente naquele quintal.

    Uma vez lá dentro foi surpreendido pelo arguido, o qual entabulou com ele conversa.

    A dada altura o arguido ofereceu um isqueiro da marca «Zippo» ao menor, a troco de este manter consigo relações sexuais, ao que ele acedeu.

    Chegando-se para o interior da casa o J. e o R. despiram as roupas que envergavam, ficando nus da cintura para abaixo. Depois, sem usar preservativo, o arguido aproximou o pénis erecto do ânus de R., exerceu pressão até entrar e friccionou-o até ejacular.

    Logo após, o J. deu o referido isqueiro ao R., que se encaminhou para o quintal, com vista a regressar a casa pelo mesmo caminho.

    Já no quintal, junto a uma casa de despejo ali existente, o arguido voltou a agarrar o menor por trás, mostrando a intenção de reatar as relações sexuais. Então, ambos despiram novamente as calças e de seguida J. introduziu novamente o pénis no ânus do R., passando a fazer os movimentos sincopados semelhantes aos da cópula até que foram surpreendidos por J S., vizinho do arguido.

    Sentindo-se espiados o arguido e o menor esconderam-se dentro de casa, de onde este veio a sair mais de uma hora depois, voltando a saltar o muro do quintal para os pastos em direcção a sua casa.

    O arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais, apesar de saber que o R. tinha menos de catorze anos.

    Sabia que o seu comportamento era proibido por lei mas isso não o inibiu de levar por diante a sua vontade.

    Mais se provou: que o arguido tem 56 anos de idade e é solteiro. Tem como habilitações literárias a 3.ª classe. Está aposentado, mas antes disso era trabalhador indiferenciado do município vilafranquense. Antes de preso (encontra-se preso preventivamente desde 20/10/2005 - cfr.fls. 73/78) vivia sozinho em casa própria que herdou dos seus progenitores. Essa casa não é fornecida de electricidade nem de água. A higiene da casa é assegurada pela visita periódica de uma empregada. O arguido tem hábitos alcoólicos e atitude débil, o que muitas vezes o torna alvo da chacota dos rapazes da vizinhança. Não regista antecedentes criminais O arguido é vizinho do menor, o qual reside numa rua paralela à sua.

    O menor R. tinha, em 25/9/2005, 13 anos de idade.

    Tem uma idade aparente correspondente à sua idade real e uma personalidade estruturada de acordo com essa idade, apesar de ser portador de uma ligeira oligofrenia.. E o facto acontecido ficará marcado na memória da sua história de vida na área sexual, 9.2 - A respeito de factos não provados, o tribunal recorrido fez constar que não se provou que: "O menor R . tenha entrado no quintal do arguido pela janela da residência." 9.3 - 3 - O tribunal recorrido exarou a seguinte fundamentação da matéria de facto: "O tribunal colectivo estribou a sua convicção quanto aos factos que julgou provados a partir das declarações do menor ofendido (tomadas para memória futura - cfr. fls. 136/141 e apenso com as transcrições) dos depoimentos das testemunhas M B.

    (mãe do menor R.), J S (vizinho do arguido e que avistou da sua casa a cena passada na casa de despejo) e D. S.

    (vizinho de muitos anos do arguido e conhecedor da vida deste), conjugados com as fotografias de fls. 86/94 e 96/98 (da casa e quintal do arguido, onde os factos ocorreram), relatório de exame médico-legal ao menor (feito quase um mês depois dos factos), relatório do exame à personalidade do menor (realizado por psicóloga clínica no Hospital de Ponta Delgada) e certificado de registo criminal (fls. 234).

    O arguido confirmou conhecer o menor R., por ser seu vizinho. Referiu tê-lo surpreendido no seu quintal no dia dos factos. Disse que então o interpelou, perguntando-lhe o que estava ali a fazer e que ele se foi embora pelo mesmo caminho, nada mais se passando. Mesmo depois de confrontado com o facto de haver um vizinho que afirma tê-lo visto nas circunstâncias acima referidas continuou a negar que tenha mantido qualquer contacto de natureza sexual com o menor.

    O menor nas suas declarações para memória futura conta, a custo, o que terá acontecido na tarde do dia 25/9/2005 na casa e depois na casa de despejo sita no quintal do arguido, confirmando no essencial o que vinha descrito na acusação. A sua mãe apenas é conhecedora do que lhe foi dito pelo menor (e por vergonha foi pouco) ou pela Comissão de Protecção de Menores, acrescentando ser sua convicção que tudo não terá passado de um facto isolado, mostrando ter pena do arguido.

    J. S., por seu turno, descreveu com pormenor as circunstâncias em que avistou o menor no quintal do seu vizinho J. e com este, de molde a confirmar o que o menor já havia dito. A testemunha D. S. confirmou o que já antes havia sido afirmado por MB e por J S, no sentido de o arguido ser pessoa pouco considerada e alvo de chacota da «rapaziada». Por seu turno as fotografias mostram o quadro em que os factos terão ocorrido, em termos que correspondem aos relatos do menor e da testemunha J.S. O relatório médico pouco acrescenta, concluindo apenas que está excluída a prática continuada de coito anal. E o relatório à personalidade do menor evidencia que ele tem uma personalidade estruturada de acordo com a sua idade, apesar da ligeira oligofrenia que lhe foi diagnosticada e que o facto acontecido ficará marcado na memória da sua história de vida na área sexual. O certificado de registo criminal mostra que o arguido não tem antecedentes criminais.

    Os autos não foram providos com relatório social, elemento que não sendo essencial se mostra sempre importante para conhecer as condições pessoais do arguido quando estão em causa (ainda que meramente em potência) penas de prisão elevadas (como e o caso).

    Não obstante as testemunhas inquiridas foram-se referindo à personalidade e modo de vida do arguido, acabando este depois por completar o quadro nas declarações finais, confirmando o que foi sendo dito.

    Tanto o arguido como o menor referem que este terá entrado no quintal "pelas terras» ou «pelos pastos», o que afasta do rol dos factos provados a alegação constante do libelo de que teria entrado por uma janela.

    Os documentos e exames referidos constam dos autos. As declarações do arguido e os depoimentos testemunhais foram gravados, constando os respectivos registos nas cassetes, nas rotações indicadas na acta.".

  7. O recurso é um meio processual que visa provocar uma reapreciação de uma decisão judicial de forma a corrigi-la de imperfeições, que pela sua importância não consentem uma forma de remédio menos solene (cf. Simas Santos e Leal - Henriques in Recursos em Processo Penal - 2ª edição - Rei dos Livros pág. 19).

    As Relações julgam de facto e de direito - art. 428 nº 1 do C.P.P. mas o duplo grau de jurisdição está condicionado e limitado à previsão do art. 412 nºs 2 e 3 do C.P.P.

    Sem embargo dos vícios de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso delimitam o âmbito do conhecimento do mesmo, pois são estas que habilitam o tribunal superior a conhecer as pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (art. 402.º, 403.º e 412.º n.º1, todos do C. P. Penal).

    No caso, não foi impugnada a matéria de facto, pelo que o recurso é restrito à matéria de direito, importando examinar (já que não se detecta no texto do acórdão recorrido qualquer dos vícios arrolados nas alíneas a), b) e c) do art...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT