Acórdão nº 2968/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ SIMÕES
Data da Resolução27 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO A.

, Aa. e Aaa.

, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra B.

, S.A.

, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento e a condenação da Ré a despejar imediatamente o prédio dado em arrendamento.

Para fundamentar a sua pretensão alegam, em síntese que, A. J. R. P., já falecido, marido da autora e os demais autores, deram de arrendamento à sociedade ré, o prédio urbano sito na Rua …, em Lisboa, para nele funcionar um hotel. Porém, em Fevereiro de 2002, os accionistas da ré venderam as suas participações sociais (acções), representativas da totalidade do respectivo capital social, passando a ser accionista única a Sociedade …, Lda., consubstanciando a alienação nos termos efectuados, um trespasse do estabelecimento comercial que, não tendo sido comunicada aos autores, confere a estes o direito de resolver o contrato.

Citada a Ré, veio esta apresentar contestação, referindo a inexistência de trespasse e impugnando a factualidade articulada na Petição Inicial e pedindo a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Realizada a Audiência Preliminar, veio a ré desistir do pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé, a qual foi admitida (cfr. fls. 199).

A final veio a ser proferida sentença, na qual foi julgada improcedente a acção e absolvida a ré do pedido formulado pelos autores.

Não se conformando com a decisão, os autores interpuseram recurso, tendo apresentado as respectivas alegações que finalizaram com as seguintes conclusões: 1º - Os Autores recorrentes deram de arrendamento à Sociedade Ré recorrida o prédio urbano situado em Lisboa, na Rua …, em que funciona o Hotel Diplomático (supra I, 1 a 17).

  1. - No dia 11 (e não no dia 1) de Fevereiro de 2002, os então sócios da Sociedade Ré venderam a totalidade das participações - acções - do seu capital social à "Sociedade …, Lda." cujo objecto é o exercício da industria Hoteleira, e que já explorava um outro hotel (fls. 91, supra A-II-3-a), c).

  2. - Nesse mesmo dia 11 de Fevereiro de 2002, reuniu a Assembleia-geral da Ré, com a presença da sua única accionista - referida Sociedade…, Lda.". -, que constatou a renúncia das pessoas que ocupavam cargos nos órgãos sociais da Ré, e deliberou designar para os mesmos cargos A. A., M. A. A., E. A A. K., Z. A., A. A. K. (fls. 87, supra A-I-20 a 23).

  3. - Estas pessoas já eram titulares das participações sociais na referida "Sociedade …, Lda.", além de também integrarem os órgãos sociais da mesma (supra A-II-3-c).

  4. - Tais pessoas, e outras, todas ligadas por laços familiares, dedicam-se à indústria hoteleira, através de sociedades comerciais, podendo indicar-se, além da Ré e da referida "Sociedade …, Lda.", pelo menos as seguintes: B. - E. Turísticos, Ldª." (supra A-II-3-d), "Empreendimentos Hoteleiros da …, Lda." (supra A-II-3-e), "Sociedade Hoteleira …, Ldª." (supra A-II-3ª - f), "I… - Investimentos …, S.A." (supra A-II-3-g); hotel Vip (supra A-II-3-h).

  5. - Todos os estabelecimentos hoteleiros explorados por essas entidades são indicados em prospectos informativo/publicitários, tornados públicos já há vários anos, sob a expressão V…./G…./V…., neles sendo também indicados "hotéis em projecto e/ou em fase de construção" - Vip Sacavém, Vip Maputo, Vip Stª. Iria (supra A-II-3, i e j).

  6. - As referidas pessoas são titulares das participações de capital nas referidas Sociedades e são também elas que integram os respectivos órgãos sociais (lugares citados, anterior 4º, 5º).

  7. - É hoje entendimento pacífico que a personalidade jurídica das sociedades comerciais não é um absoluto, tem antes um valor instrumental, devendo, por isso, ser "desconsiderada" quando existem razões para afastar o seu "funcionamento" (supra B-I-1 e 2, e todas as citações que aí seguidamente são feitas).

  8. - A referida venda pelos então sócios da Ré anterior 2º à referida "Sociedade …, Lda." da totalidade das participações sociais da Ré tem de ser vista à luz do instituto da "desconsideração" da personalidade jurídica das sociedades comerciais, instituto cuja admissibilidade no nosso sistema jurídico é aceite pela Doutrina e, não obstante não serem frequentes as situações práticas em que a aplicação do instituto é de considerar, também vem sendo consagrada na Jurisprudência (supra B-I-2).

  9. - Não se tendo pronunciado sobre essa questão central, violou a Sentença recorrida o disposto na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artº. 668º do Código de Processo Civil.

  10. - A referida alienação da totalidade das acções representativas do capital social da Ré é só por si - sem mais -, decisiva para que, no caso concreto, seja "desconsiderada" a personalidade colectiva da Ré, e, em consequência se conclua que essa alienação se tenha traduzido no trespasse da própria empresa.

  11. - Nesse sentido invoca-se toda a Jurisprudência e Doutrina indicada supra em B-I-2, B-II-1 e 2, B-III, B-IV, B-V, B-VI, B-VII, B-VIII, B-IX, B-X, B-XI - 1 e 2.

  12. - Aliás, para que assim se devesse entender, nem teria sido necessário que alienação fosse - mas foi - da totalidade do capital social da Ré (mesmos lugares).

  13. - Redundantemente, na situação "sub-judice", até acontece que a alienação de acções em causa teve lugar num contexto tão marcante que, de todos os pontos de vista, faz dela o caso mais paradigmático de "desconsideração" da personalidade jurídica de sociedades comerciais (supra B-XII).

  14. - Aliás, a mesma conclusão se chegaria se, como faz determinada Jurisprudência e Doutrina, o caso "sub-judice" for enquadrado no artº. 334º do Código Civil.

  15. - Assim sendo, e envolvendo a alienação de acções referida nos anteriores 2º, 3º, 4º, 5º aqui em causa o trespasse do estabelecimento comercial da Ré, teria de ser comunicada aos Autores, e, não o tendo sido foi violado o disposto na alínea g) do artº. 1038º do Código Civil, ficando os Autores constituídos no direito de resolver o contrato de arrendamento, direito que exercem através da presente acção (alínea f) de n.º 1 do artº. 64º do RAU.

Contra-alegou a apelada pugnando pela confirmação da decisão recorrida, tendo apresentado, em síntese, as seguintes conclusões: a) Por ser um conceito jurídico ainda em desenvolvimento, que, aliás, é de análise e definição complexa, é que a jurisprudência portuguesa não...

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