Acórdão nº 3954/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução23 de Maio de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

I - O MINISTÉRIO PÚBLICO demanda F.[…] em acção para declaração da nulidade e cancelamento do registo de nascimento e da inscrição da nacionalidade portuguesa.

Alega para o efeito que a R. é natural de Angola, tendo sido lavrado assento de nascimento na Conservatória dos Registos Centrais com indicação de que era neta paterna de cidadão nacional, do que resultou ter-se considerado que mantivera a nacionalidade portuguesa.

Todavia, por diligências posteriores, apurou-se que o assento de nascimento lavrado em Luanda omitia a indicação da sua paternidade, a qual apenas foi averbada depois de, em 1982, ter sido lavrado termo de perfilhação.

Uma vez que a sua filiação paterna apenas se constituiu quando Angola já era independente e, além disso, quando a R. já atingira a maioridade, não se consideram verificados os requisitos de que o Dec. Lei nº 308-A/75 faz depender a manutenção da nacionalidade portuguesa.

Assim, estando o assento de nascimento lavrado na CRC eivado de falsidade, deve ser declarado nulo, com repercussão também na inscrição da nacionalidade portuguesa.

A R. na sua contestação não impugnou nenhum dos factos alegados pelo Ministério Público na petição. Contudo, defende-se com o argumento de que o facto de a sua perfilhação ter ocorrido já na maioridade não modifica os efeitos ao nível da conservação da nacionalidade portuguesa, tanto mais que tal acto dependeu unicamente do seu pai e produziu eficácia retroactiva.

Além disso, encontrando-se a sua situação estabilizada e a sua vida fixada em Portugal, viola os princípios elementares da ordem jurídica a modificação do seu estatuto jurídico-pessoal que igualmente se repercutiria nos seus filhos menores.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

O Tribunal é competente em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II - Factos provados: a) F.[…] nasceu em Angola, em 4-6-56, tendo sido registada como filha de L.[…] e sem indicação da paternidade; b) Com data de 4-3-93 foi lavrado assento de nascimento na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, com indicação de que a R. era filha de L.[…] e de E.[…]; c) Tal resultou de requerimento apresentado pela R., nos termos dos arts. 353º e segs. do CRC, "por não possuir nem ter possibilidades de obter certidão do seu nascimento", tendo declarado que "nasceu em Luanda, Angola, no dia 4 de Junho de 1956, é filha de E.[…], natural de Luanda, e de L.[…], natural de Luanda, sendo neta paterna de F.[…9 e M.[…] ..."; d) Complementarmente declarou que "não lhe foi possível trazer certidão (do seu nascimento) para ser transcrita, mas declara, sob compromisso de honra que é de facto filha de E.[…], natural de Luanda, Angola, e neta de F.[…], natural da freguesia de […] concelho da Guarda" e que, "à data do seu nascimento, o seu pai tinha o estado civil de casado e a sua mãe era solteira e que ambos declararam o seu nascimento em 1964"; e) Com base em tais declarações, ou seja, que E.[…], seu pai, era filho de F.[…], natural de […] Guarda, Portugal, foi considerado que, por ser neta de português, a R. mantinha a nacionalidade portuguesa; f) Porém, a R. ocultou, naquela ocasião, que a sua paternidade apenas foi estabelecida por termo de perfilhação exarado por E.[…], em 1-3-82, já na sua maioridade; g) Só mediante diligências oficiosas veio a apurar-se a data do termo de perfilhação, conforme certidão emitida pelas autoridades angolanas em 18-4-02 e autenticada pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda em 16-2-04 (fls. 80, vº).

III - Decidindo: 1.

A acção implica a apreciação de duas questões: a) Apreciar se o facto de a perfilhação da R. ter ocorrido depois de ter atingido a maioridade e numa altura em que Angola já era um Estado independente retira à R. a possibilidade de manter a nacionalidade portuguesa; b) Em face de uma eventual resposta positiva a esta questão, apreciar se a instauração da presente acção pelo Estado Português integra uma manifestação de abuso de direito.

  1. Quanto à primeira questão: 2.1.

    A R. nasceu em 1953 Angola, mas só em 1993 o seu nascimento foi registado na Conservatória dos Registos Centrais, em Portugal. Fê-lo através do processo para inscrição tardia de nascimento que instruiu com uma 2ª via da sua cédula de nascimento, declarando então que não possuía nem tinha possibilidades de obter uma certidão do seu registo de nascimento. Declarou também que era filha de E.[…], por seu lado, filho de F.[…], cidadão português, nascido em Portugal Continental, e que seu pai e sua mãe "declararam o seu nascimento em 1964".

    Estas declarações foram feitas pela R., "sob compromisso de honra" e confirmadas por duas testemunhas que a Ré apresentou.

    Posteriormente. novos elementos documentais recolhidos revelaram que os factos não sucederam inteiramente...

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